Direto de Mascate, as Adagas vão voar
Quando eu era moleque, eu gostava muito de geografia. Tanto que cheguei a cogitar por um tempo fazer algo nessa linha, profissionalmente falando – trabalhar como cartógrafo, sei lá, inconsequências de moleque. Acabei desistindo disso e decidi ser jornalista – talvez tivesse sido melhor insistir, vai saber, estaria com uma carreira mais sólida e tranquila, mas enfim. Seja como for, um dos meus orgulhos de moleque era saber de cor as capitais da maioria dos países existentes na época. Teve uma época em que eu era realmente bom nisso, e alguém com um atlas nas mãos levaria vários minutos para encontrar um país cuja capital eu desconhecesse ou não recordasse. O tempo passou, claro, e comecei a me preocupar com outras coisas (tipo livros e filmes, meninas e, vejam só, futebol), mas até hoje tenho memórias residuais desse período de dedicação aos mapas – conhecimento pouco útil, admito, mas que colou no cérebro e não vai mais embora. Lembro de cor, por ex, que a capital da Somália é Mogadíscio, que Brunei Dassularam tinha como capital Bangar Seri Begawan (um nome longo desses, convenhamos, é inesquecível), que Koror é a capital da Ilha de Palau e, óbvio, que o Sultanato de Omã tem como capital a simpática e aprazível cidade de Mascate, a princesinha do Oriente Médio. E não, não precisei ler as notícias do GloboEsporte.com para recordar isso...
Fora isso, admito que não sabia de absolutamente nada a respeito desta que será a adversária da seleção brasileira de futebol, no comecinho de tarde desta terça-feira. Não que seja incomum escolhermos oponentes bizarros para nossos amistosos internacionais. Basta puxar pela memória e grandes embates contra seleções do quilate de Andorra, Guatemala, Canadá, Argélia, Kuwait e Porto Rico serão lembrados por seus lances empolgantes, ou não. Mas Omã me surpreendeu, confesso, uma vez que mal lembrava que o país existia e nem imaginava como poderia ser o futebol profissional por lá. Como fiquei curioso, resolvi dar uma pesquisada, e acho justo aproveitar o momento para clarear um pouco a história, especialmente futebolística, deste nosso pouco usual adversário.
Não que seja uma história muito rica, na verdade. A atual Associação Omaniana de Futebol foi fundada em 1978, e as maiores conquistas do país estão nas competições Sub-17. Em duas oportunidades (em 1996 e 2000) a seleção de Omã venceu o Campeonato Asiático da categoria, e em 1995 chegou a ficar em quarto lugar no Mundial, o que não é pouca coisa. Boa parte dos atletas que participaram dessa geração vão estar em campo no Qaboos Sports Complex Stadium para enfrentar os brasileiros. A seleção profissional não tem maior cartaz, mas também não merece total desprezo – afinal, é nada menos que a atual campeã da Copa das Nações do Golfo, triunfando nos pênaltis diante da Arábia Saudita no dia 17 de janeiro último. Omã era país-sede do torneio, disputado de dois em dois anos, e essa foi a primeira conquista internacional da seleção profissional do país. Atualmente, a seleção que vamos ver daqui a pouco ocupa a posição 79 no ranking da FIFA, um pouco distante da melhor posição já alcançada pelo país, que foi o 50º lugar em 2004.
Nas Eliminatórias da Copa, as Adagas Vermelhas (sim, esse é o apelido da seleção omaniana) não tiveram, como de hábito, uma participação das mais empolgantes. Na primeira eliminatória, superaram com autoridade a temível seleção do Nepal por um duplo 2 a 0. No entanto, pegaram um grupo difícil na segunda fase, e acabaram ficando em terceiro entre quatro times, perdendo a classificação para Japão e Bahrein. Omã venceu duas vezes a frágil Tailândia, e conseguiu um empate em Mascate contra o Japão – o que, considerando que os nipônicos são uma potência continental, foi um ótimo resultado. Mas a derrota em casa para Bahrein por 0 a 1 acabou sendo decisiva, e impediu que o Sultanato de Omã seguisse sonhando com sua primeira Copa do Mundo. Atualmente, a seleção está envolvida nas eliminatórias para a Copa da Ásia, e vive momento delicado – perdeu o último jogo por 2 a 1 para a Arábia Saudita, em casa, e está correndo riscos consideráveis de eliminação também nesse ‘qualifying’.
O campeonato nacional de futebol de Omã é dividido em três divisões. Na mais importante, doze clubes disputam a taça, e a supremacia geral é do Dhofar, com nove títulos no campeonato local e mais sete Sultan Qaboo (também conhecida como Copa de Sua Majestade) no currículo. Com esse cartel, não surpreende que sejam chamados de “Al-Zaeem”, os “Os Líderes”. A grande rivalidade local é entre o Dhofar e o Al Nasr Salalah, apelidado de “Al-Mulk” (O Rei) e outro grande levantador de taças do país, com cinco Campeonatos e quatro Copas Sultan Qaboo. Atualmente, no entanto, os dois times estão mal, ostentando respectivamente a sétima e oitava posições no campeonato de 2009-2010. A liderança de momento é do Al Suwaiq, que subiu na temporada 2008-2009 e já chega sem medo de encarar os grandes. Logo atrás estão o Al Nahda (atual campeão) e o Al Seeb. Bem menos amena, de qualquer modo, é a história do Fanja: único clube local a ganhar um título internacional (a Copa de Clubes do Golfo de 1989), sete vezes campeão local e com mais de 300 mil torcedores no país, vive em crise desde a morte de seu mantenedor Sayyid Sami e amarga atualmente os campos cheios de areia da segunda divisão local.
A imprensa brasileira tem destacado basicamente dois jogadores da seleção de Omã – o goleiro Ali Al-Habsi, reserva do Bolton da Inglaterra, e o atacante Amad Al-Hosni, que joga no Charleroi da Bélgica. O goleiro de fato é um dos ídolos do futebol local, tendo ganhado nada menos que quatro prêmios de Melhor Goleiro na Copa do Golfo; e Amad Al-Hosni é há tempos um dos craques do país, defendendo desde 2003 a seleção nacional. Mas eu particularmente acho que a seleção brasileira tem pelo menos dois outros nomes com os quais se preocupar: Hassan Rabia e Sultan Al-Touqi. O primeiro foi o artilheiro da última Copa do Golfo, metendo quatro buchas no decorrer do certame, e chegou a fazer uma breve passagem pelo Al Nassr da Arábia Saudita antes de retornar ao Al Suwaiq, clube que defende atualmente. É um atacante de chute forte e boa presença de área, segundo os omanianos, e merece respeito. O segundo é um meia habilidoso, que é presença certa em todos os jogos e é considerado um dos mais qualificados atletas a defender as Adagas Vermelhas em todos os tempos. Olho neles, Dunga!
Em resumo, não é que a seleção brasileira vá ter um adversário dos mais espinhosos – a tendência é acontecer o mesmo que em 90% dos amistosos da seleção: um jogo sonolento, uma atuação preguiçosa e um ou dois gols marcados de forma marota em uma partida sem maiores compromissos. Mas não deixa de ser interessante termos uma seleção de apelo mundial ajudando a prestigiar o futebol local, em um país que aprecia muito o esporte e que tem tudo para aproveitar esse espetáculo para o próprio crescimento. Aliás, até o Carlos Alberto Torres andou treinando a seleção de Omã no passado, em uma prova de que Mascate, na verdade, é logo ali. E para mim é sempre um deleite poder ver um jogo do tipo, mostrando realidades distantes do nosso dia-a-dia e fazendo com que países distantes sejam mais do que simples pinturas em um mapa e capitais para decorar. Assistirei com gosto o jogo dessa terça – e não duvido que Hassan Rabia meta uma bucha no Júlio César, hein? Para a torcida local, isso já seria a glória.
Foto: seleção de Omã pronta para dar um suadouro no Brasil (site oficial da OFA).
Fora isso, admito que não sabia de absolutamente nada a respeito desta que será a adversária da seleção brasileira de futebol, no comecinho de tarde desta terça-feira. Não que seja incomum escolhermos oponentes bizarros para nossos amistosos internacionais. Basta puxar pela memória e grandes embates contra seleções do quilate de Andorra, Guatemala, Canadá, Argélia, Kuwait e Porto Rico serão lembrados por seus lances empolgantes, ou não. Mas Omã me surpreendeu, confesso, uma vez que mal lembrava que o país existia e nem imaginava como poderia ser o futebol profissional por lá. Como fiquei curioso, resolvi dar uma pesquisada, e acho justo aproveitar o momento para clarear um pouco a história, especialmente futebolística, deste nosso pouco usual adversário.
Não que seja uma história muito rica, na verdade. A atual Associação Omaniana de Futebol foi fundada em 1978, e as maiores conquistas do país estão nas competições Sub-17. Em duas oportunidades (em 1996 e 2000) a seleção de Omã venceu o Campeonato Asiático da categoria, e em 1995 chegou a ficar em quarto lugar no Mundial, o que não é pouca coisa. Boa parte dos atletas que participaram dessa geração vão estar em campo no Qaboos Sports Complex Stadium para enfrentar os brasileiros. A seleção profissional não tem maior cartaz, mas também não merece total desprezo – afinal, é nada menos que a atual campeã da Copa das Nações do Golfo, triunfando nos pênaltis diante da Arábia Saudita no dia 17 de janeiro último. Omã era país-sede do torneio, disputado de dois em dois anos, e essa foi a primeira conquista internacional da seleção profissional do país. Atualmente, a seleção que vamos ver daqui a pouco ocupa a posição 79 no ranking da FIFA, um pouco distante da melhor posição já alcançada pelo país, que foi o 50º lugar em 2004.
Nas Eliminatórias da Copa, as Adagas Vermelhas (sim, esse é o apelido da seleção omaniana) não tiveram, como de hábito, uma participação das mais empolgantes. Na primeira eliminatória, superaram com autoridade a temível seleção do Nepal por um duplo 2 a 0. No entanto, pegaram um grupo difícil na segunda fase, e acabaram ficando em terceiro entre quatro times, perdendo a classificação para Japão e Bahrein. Omã venceu duas vezes a frágil Tailândia, e conseguiu um empate em Mascate contra o Japão – o que, considerando que os nipônicos são uma potência continental, foi um ótimo resultado. Mas a derrota em casa para Bahrein por 0 a 1 acabou sendo decisiva, e impediu que o Sultanato de Omã seguisse sonhando com sua primeira Copa do Mundo. Atualmente, a seleção está envolvida nas eliminatórias para a Copa da Ásia, e vive momento delicado – perdeu o último jogo por 2 a 1 para a Arábia Saudita, em casa, e está correndo riscos consideráveis de eliminação também nesse ‘qualifying’.
O campeonato nacional de futebol de Omã é dividido em três divisões. Na mais importante, doze clubes disputam a taça, e a supremacia geral é do Dhofar, com nove títulos no campeonato local e mais sete Sultan Qaboo (também conhecida como Copa de Sua Majestade) no currículo. Com esse cartel, não surpreende que sejam chamados de “Al-Zaeem”, os “Os Líderes”. A grande rivalidade local é entre o Dhofar e o Al Nasr Salalah, apelidado de “Al-Mulk” (O Rei) e outro grande levantador de taças do país, com cinco Campeonatos e quatro Copas Sultan Qaboo. Atualmente, no entanto, os dois times estão mal, ostentando respectivamente a sétima e oitava posições no campeonato de 2009-2010. A liderança de momento é do Al Suwaiq, que subiu na temporada 2008-2009 e já chega sem medo de encarar os grandes. Logo atrás estão o Al Nahda (atual campeão) e o Al Seeb. Bem menos amena, de qualquer modo, é a história do Fanja: único clube local a ganhar um título internacional (a Copa de Clubes do Golfo de 1989), sete vezes campeão local e com mais de 300 mil torcedores no país, vive em crise desde a morte de seu mantenedor Sayyid Sami e amarga atualmente os campos cheios de areia da segunda divisão local.
A imprensa brasileira tem destacado basicamente dois jogadores da seleção de Omã – o goleiro Ali Al-Habsi, reserva do Bolton da Inglaterra, e o atacante Amad Al-Hosni, que joga no Charleroi da Bélgica. O goleiro de fato é um dos ídolos do futebol local, tendo ganhado nada menos que quatro prêmios de Melhor Goleiro na Copa do Golfo; e Amad Al-Hosni é há tempos um dos craques do país, defendendo desde 2003 a seleção nacional. Mas eu particularmente acho que a seleção brasileira tem pelo menos dois outros nomes com os quais se preocupar: Hassan Rabia e Sultan Al-Touqi. O primeiro foi o artilheiro da última Copa do Golfo, metendo quatro buchas no decorrer do certame, e chegou a fazer uma breve passagem pelo Al Nassr da Arábia Saudita antes de retornar ao Al Suwaiq, clube que defende atualmente. É um atacante de chute forte e boa presença de área, segundo os omanianos, e merece respeito. O segundo é um meia habilidoso, que é presença certa em todos os jogos e é considerado um dos mais qualificados atletas a defender as Adagas Vermelhas em todos os tempos. Olho neles, Dunga!
Em resumo, não é que a seleção brasileira vá ter um adversário dos mais espinhosos – a tendência é acontecer o mesmo que em 90% dos amistosos da seleção: um jogo sonolento, uma atuação preguiçosa e um ou dois gols marcados de forma marota em uma partida sem maiores compromissos. Mas não deixa de ser interessante termos uma seleção de apelo mundial ajudando a prestigiar o futebol local, em um país que aprecia muito o esporte e que tem tudo para aproveitar esse espetáculo para o próprio crescimento. Aliás, até o Carlos Alberto Torres andou treinando a seleção de Omã no passado, em uma prova de que Mascate, na verdade, é logo ali. E para mim é sempre um deleite poder ver um jogo do tipo, mostrando realidades distantes do nosso dia-a-dia e fazendo com que países distantes sejam mais do que simples pinturas em um mapa e capitais para decorar. Assistirei com gosto o jogo dessa terça – e não duvido que Hassan Rabia meta uma bucha no Júlio César, hein? Para a torcida local, isso já seria a glória.
Foto: seleção de Omã pronta para dar um suadouro no Brasil (site oficial da OFA).
Comentários
Belo trabalho, Igor. Quem sabe não sai um blog "Bola Omaniana"? Ou o Minuto Omaniano no Carta na Mesa.
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