Do diálogo entre irmãos
Durante o período em que trabalhei em SP, tive uma série de contatos com integrantes de delegações estrangeiras, formadas especialmente por dirigentes sindicais. Foi uma ótima experiência poder conversar com gente vinda de vários países latinos, como México, Chile, Colômbia, Venezuela e República Dominicana, para citar só alguns. Mas essas ocasiões, apesar de todo o enriquecimento pessoal que me trouxeram, foram capazes também de expor sem disfarces a minha distância com relação a nossos vizinhos latinos. Meu domínio de espanhol, por exemplo, mostrou-se desastroso - me fazendo optar por conduzir entrevistas e conversações em português pausado, mesmo. Ao ponto de um chileno, compreensivo mas um pouco chateado com a minha incapacidade de falar espanhol, perguntar se eu falava inglês. Diante da minha anuência, respondeu sem hostilidade, mas de forma incisiva: "que triste. Estás mais próximo de teus conquistadores do que de teus irmãos".
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Estava coberto de razão, o meu interlocutor. E ao refletir sobre o descaso enorme com que a Copa América é tratada aqui no Brasil, recordo imediatamente do valioso, ainda que um pouco humilhante, ensinamento que recebi. Para o brasileiro comum, todos sabem, a Copa América é um lixo. Jogos ruins, com um monte de jogadores que ninguém conhece, um festival de empates chochos e retrancas sem-vergonhas. Quando o medíocre time brasileiro foi eliminado de forma fiasquenta pelo Paraguai, então, a competição praticamente sumiu do noticiário. E não foram poucos os comentários ora irônicos, ora impressionados que recebi, todos resumidos mais ou menos na mesma questão: o que, tu ainda estás assistindo a Copa América? Por quê?
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O futebol de nossos vizinhos jamais nos interessou, como a muitos de nós pouco importa conhecer melhor a cultura deles ou mesmo alguns rudimentos de sua língua. Para nosso preguiçoso senso comum, são um bando de toscos futebolísticos, despreparados que chutam bolas de couro por pirraça, enquanto nós o fazemos por dever artístico. Os poucos que, somos forçados a admitir, às vezes chegam perto de nosso nível técnico, esses ficamos secando intensamente, torcendo para que tropecem e se machuquem e ralem os joelhos no asfalto. Da Argentina, por exemplo, só queremos saber quando perdem. Do futebol peruano ou equatoriano, então, nem isso: não queremos saber nunca. Para a maioria dos brasileiros, o suposto baixo nível da Copa América que se encerra no fim de semana não é tristeza, e sim conquista. Afinal, agora podem inflar o peito e dizer: viu, eu sempre falei, o nosso futebol é ruim, só se joga alguma coisa aqui no Brasil e olhe lá.
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Se eu tivesse a chance, perguntaria a cada uma dessas pessoas sobre o conhecimento que ostentam sobre o futebol europeu. Pediria que me dissessem quem é o atual campeão italiano, que citassem os craques do Barcelona, discorressem sobre o campeonato inglês ou recitassem o nome dos brasileiros que jogam no Shakhtar Donetsk. Algo me diz que todos, ou ao menos boa parte deles, responderiam essas questões com pouca ou nenhuma dificuldade. Então, eu poderia respondê-los, sem raiva mas sem condescendência, do mesmo modo que aquele chileno me respondeu em um restaurante de São Paulo. Dizendo simplesmente: "que triste. Estás mais próximo dos teus conquistadores do que de teus irmãos".
Comentários
Na verdade, a discussão que nos cabe aqui é a do futebol. E nisso eu tenho uma posição muito clara, há anos: errados não estamos nós, que vemos futebol europeu, mas eles que não querem nos ver. Em relação à América do Sul, todos estamos errados. Eu me esforço para ver um Campeonato Argentino, mas se o Sportv só passa DOIS jogos em um semestre inteiro (justamente os da tragédia do River) é óbvio que me dificulta horrores. Neste caso, estamos todos errados: nós e nossos vizinhos, que não fazemos questão (ao menos o grosso das populações) de nos vermos. Aí não tem como pedirmos pros europeus nos verem, já que nem nós queremos.
Viva a Copa América!
Minha provocação foi intencionalmente sadia. Em parte, uma raiva pessoal. Trabalho num portal de notícias LATINO no qual as pessoas, de 10 notícias internacionais, leem 9 da Europa ou do Oriente Médio e 1 da América Latina.
Recentemente, estive no Uruguai para cobrir a Copa Davis, e tive uma experiência interessante nesse quesito linguístico. Não eu me esforçava por um espanhol mínimo, como eles tb se puxavam por termos em português. As cobranças e as perdas são de ambos os lados.
Seja como for, ouvi dizer que a Globo não vai transmitir a final da Copa América. Isso explica muita coisa.
isso prejudica até na hora de botar os times brasileiros no FIFA do videogame. em MEIO ANO os times se defasam completamente, fui jogar com um amigo marroquino e jogava com um grêmio de FÁBIO SANTOS, SOUZA, JONAS, BORGES. é impossível manter-se a par de clubes que mudam tanto.
e olhando um exemplo rápido, fui olhar os plantéis de times ingleses de 5 anos atrás. o arsenal tem 9 jogadores que continuam desde 2006, o chelsea 8 e o manchester united nada menos que DEZESSEIS (sendo que dois se aposentaram ao fim dessa temporada). não é pouca brincadeira.
E a colocação do Lique é bem pertinente também. Mudamos demais, não conseguimos consolidar nosso futebol como um espetáculo com o mínimo necessário de previsibilidade. Mas mesmo isso é um sinal de nosso diferencial: mesmo com mudanças insanas todos os anos, nosso campeonato nacional segue tendo um nível competitivo muito alto. De qualquer modo, não dá para ignorar esse fato - e nem vou citar o fato de que somos comandados pela Conmebol para a coisa não descambar para a chinelagem.
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No aspecto que tange a língua, eu levei esse tranco há 3 anos. Minha professora de Zoologia - que, segundo a mesma, tinha idade pra ser minha avó 'sem gerações de mães jovens -, ainda no primeiro semestre da faculdade, perguntou por que nós procurávamos falar inglês ao invés de aprendermos espanhol, que é a língua oficial de 7 dos nossos 10 vizinhos.
À época, eu estava por concluir o inglês - ainda fiz um ano adicional para conseguir a proficiência. Mas aquilo que ela falou foi o empurrão necessário para eu realizar um desejo de infância: estudar e aprender español.
Já tinha aquele contato com o español inerente a um gaúcho com raízes no interior e ligado à cultura gaudéria. E tem sido fascinante estudar español, entendo o significado de muitos verbetes que já utilizava. Aliás, a melhor forma de se entender uma cultura é por sua língua.
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No que tange ao futebol, até comentei isso há alguns dias. Aqui em Curitiba, a final da UCL, entre Manchester United x Barcelona, reuniu amigos em casas e bares - incluindo a Rede Globo transmiti-la -, mas qualquer jogo da Copa América, à exceção dos jogos do Brasil, era ignorado - a ponto de eu sofrer 'bullying' por assistir Uruguay x Argentina.
Nas lojas de artigos esportivos só encontro camisa da Argentina. Uruguay, Paraguay, Colômbia ou seus respectivos times, não. Mas camisa do Newcastle tu encontras...
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Quanto à mudança rápida na fotografia dos times, nós também somos culpados, pois idolatramos o cabra num ano, e quemos matá-lo no outro - tipo eu em relação ao Gabriel. E é fácil tu ficar anos no Man Utd, Arsenal Barça, Real, Bayern...tu passa a maior parte do ano batendo em cachorro morto.
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Quanto à história e política, a América do Sul avançou muito em termos de integração ao termos, em parte da segunda metade da década passada, 90% dos países alinhados ideologicamente à esquerda - idiossincrasias à parte. Mas, mesmo assim, longe do que a União Europeia faz e fez.
E uma coisa é sintomática: quantas pessoas sabem que o Uruguay declarou sua independência em relação ao então Império do Brasil? A maioria deve responder 'Espanha', de cara.
É um capítulo importante em nossa história, mas que passa batido sabe-se lá por quais interesses.
Abraços a todos!!!
@12doga
Compartilho da indignação do Zezinho quanto às camisetas. Quando estamos na época da final da Libertadores entre Santos x Peñarol e a única camiseta amarela e preta que tu encontra na maior loja esportiva de Porto Alegre é a do AEK Atenas, é sinal de que algo está TOTALMENTE ERRADO.