O estranho "belo futebol" da seleção olímpica

Gabriel Jesus deixou o gramado do Mané Garrincha ontem à noite falando que a seleção olímpica desempenhou um "belo futebol", que "só faltou o gol". Poderia ser uma reedição do "o gol é um mero detalhe", frase eternizada por Carlos Alberto Parreira em seus tempos mais pragmáticos comandando o Brasil no começo dos anos 90. Na verdade, porém, a frase resume bem o que é o time brasileiro até aqui no Rio 2016: uma equipe que não sabe direito porque vem fracassando, e que não tem a mínima autocrítica. Difícil reverter as coisas assim.

Mais difícil que isso, só descobrir por onde começar uma avaliação do que deu errado ontem, pois quase nada deu certo. O placar de 0 a 0 com o Iraque repetiu a estreia diante da África do Sul, mas o desempenho, desta vez, conseguiu ser ainda pior. Quinta passada, o Brasil não chegou a jogar bem, mas ao menos pressionou seu adversário e poderia, mesmo, ter vencido. Ontem, não: teve raros momentos de pressão e, na imensa maioria do tempo, uma enorme dificuldade de vencer o bloqueio montado por uma das seleções mais modestas do futebol masculino olímpico.

O Brasil foi pouco criativo não porque não tenha qualidade técnica. Como já dissemos diversas vezes, há vários ótimos jogadores na seleção, embora nenhum gênio, como tínhamos em tempos recentes. A falta de qualidade apresentada em campo passa mais pelo lado psicológico de um time que carrega uma esperança da inédita medalha de ouro, ainda mais em casa, ainda mais como salvação da lavoura de um período dos mais áridos da história do esporte no país. A Seleção fracassou nas últimas duas Copas América, levou sete na Copa de 2014 e estaria fora do Mundial de 2018 se as eliminatórias acabassem hoje. O time olímpico é o que resta de esperança no futebol masculino.

Mas claro, não é só por isso que se explicam os dois decepcionantes empates. Ontem, a seleção foi absolutamente bagunçada e espaçada em campo, algo que surpreende para quem acompanha o bom trabalho feito por Rogério Micale nos últimos dois anos. Em vários momentos da noite, os três atacantes estavam completamente apartados do resto do time. Não há nenhum meia que faça de forma competente a ligação entre os setores, que busque a bola junto aos volantes e se aproxime dos homens de frente. Renato Augusto e Felipe Anderson são apoiadores, e ambos estiveram em péssima jornada.

Quando Micale retirou Felipe Anderson e pôs em campo Luan, cometeu novo erro: o atacante do Grêmio rende pouco como meia recuado. Não é do seu feitio armar o time vindo de trás, e sim fazer função híbrida como meio-campista e atacante. Mas o treinador não tinha muito mais o que inventar naquele momento: a seleção olímpica não tem nenhum jogador com características de armador dentre os 18 convocados. Tanto que Micale repetiu as mesmas substituições da partida contra os sul-africanos. A troca de Douglas Santos por William, no fim, foi a típica "vou trocar e ver no que vai dar, já que não tem mais o que mudar mesmo". Difícil conseguir algo assim.

Se contra os rivais mais fracos o Brasil não conseguiu sequer marcar um gol, é óbvio que há a obrigação de evoluir até quarta-feira, quando a adversária será a Dinamarca, em Salvador. Empatando de novo, a seleção deve cair fora na primeira fase da Olimpíada da qual é sede, da qual entrou com a obrigação ainda maior de buscar o inédito ouro olímpico. Não há mais espaço para vacilos. E muito menos para "grandes atuações" que não conseguem sequer chegar às redes contra rivais do terceiro escalão do futebol mundial.
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Jogos Olímpicos 2016 - Grupo A - 2ª rodada
7/agosto/2016
BRASIL 0 x IRAQUE 0
Local: Mané Garrincha, Brasília (DF)
Árbitro: Ovidiu Hategan (ROM)
Público: não divulgado
Cartão amarelo: Thiago Maia, Douglas Santos, Rodrigo Caio, Mhawi, Abdulameer, Kareem, Hameed e Tariq
BRASIL: Wéverton (5,5), Zeca (5,5), Marquinhos (5,5), Rodrigo Caio (5) e Douglas Santos (4,5) (William, 34 do 2º - 5,5); Thiago Maia (5,5), Renato Augusto (4,5) e Felipe Anderson (4) (Luan, intervalo - 5); Gabriel (4,5), Gabriel Jesus (4,5) (Rafinha, 9 do 2º - 4,5) e Neymar (5). Técnico: Rogério Micale
IRAQUE: Hameed (6,5), Mhawi (5,5), Khalaf (5,5), Nadhim (6) e Ismail (5,5); Natiq (5,5), Abdulameer (5,5) (Atiyah, 33 do 2º - 5), Kareem (6) (Tariq, 17 do 2º - 4,5), Attwan (4,5) e Adnan (6); Abdulraheem (5) (Ahmad, 38 do 2º - sem nota). Técnico: Abdul Ghani Shahad

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