Sem qualidade na definição, o Brasil viu de cara sua nova realidade nas eliminatórias

Como era de se esperar, a estreia do Brasil nas eliminatórias foi dura. É possível encarar a derrota para o Chile de duas formas: a maioria de nós vai tratá-la como uma vergonha, afinal, o futebol pentacampeão mundial jamais conseguiu se impor perante um adversário que não vencia a Seleção há 15 anos. Porém, é preciso rever esta condição. O jogo de ontem, em Santiago, mostrou aquilo que todos suspeitávamos desde o fiasco de julho de 2014: o Brasil nem sempre será o protagonista nestas eliminatórias, e entrará nela como um candidato qualquer a uma das quatro vagas para o Mundial da Rússia. O que, para quem está acostumado a não enfrentar dificuldades para ir à Copa, é um vexame, do mesmo modo.

Vendo por este segundo viés, o da mediocridade, a atuação da Seleção não chegou a ser um total desastre. Porém, há uma constatação cruel a ser feita: faltou qualidade técnica ao time de Dunga para matar a partida. O primeiro tempo, por exemplo, não foi ruim, mas já escancarava as limitações da equipe: o Brasil teve 55% do tempo de posse, manteve o Chile longe de sua área, isolou Valdivia e valorizou a bola. Porém, foi um time burocrático e extremamente previsível na hora de criar perigo. Tanto que a melhor chance foi chilena: um chute de Alexis Sánchez, de virada, na trave, com Jefferson já batido.

Ainda assim, a atuação coletiva da equipe de Dunga era boa, organizada. O próprio técnico chileno Jorge Sampaoli reconheceu isso, ao retirar Silva para a entrada de Mark González. O objetivo da medida, mais do que trazer ofensividade ao Chile, era fazer a equipe vermelha restabelecer o controle do meio, que era brasileiro naquele momento do jogo - sem Aránguiz, Valdivia decresceu de nível e a capacidade de surpreender dos donos da casa ficou muito limitada.
Posicionado no 3-5-2 no primeiro tempo, Chile perdeu o duelo do meio-campo para o Brasil
Porém, foi no segundo tempo que a mexida tática, que passou o time do 3-5-2 para o 4-4-2, trouxe efeitos. Com uma nova postura, o Chile foi para o tudo ou nada e assumiu de vez o protagonismo das ações. Atacando em bloco, algo ainda não feito na partida, os chilenos acumulavam chances perdidas, mas também cediam espaços generosos. Foi aí que faltou qualidade ao Brasil: mesmo tendo o contragolpe à disposição de dois em dois minutos, a Seleção não teve capacidade de concluir decentemente nenhuma das jogadas em velocidade muito bem puxadas por Douglas Costa e, principalmente, Willian. Mesmo quando atacava com maioria de jogadores, no quatro contra três. Se Neymar não fez falta no primeiro tempo, teve sua ausência muito sentida no segundo. Não apenas pela falta de conclusão de Hulk, mas pela péssima partida de Oscar na criação, algo que Neymar também sabe fazer melhor do que ninguém neste time.

Mesmo enfrentando um adversário muito fechado, o Chile exibia uma capacidade bem maior de levar perigo, principalmente após a ótima entrada de Matías Fernández no lugar do apagadíssimo Valdivia. Conseguiu abrir o placar numa bola parada, algo raro para esta equipe baixa e de muito mais toque que cruzamentos. Ali, ficava claro que os chilenos venceriam o jogo e quebrariam o tabu de 15 anos sem ganhar do rival. Dunga ainda por cima mexeu mal e covardemente, trocando um definidor por outro, e tardiamente - era claríssimo, antes do 1 a 0, que faltava um centroavante de ofício a cada cruzamento de Douglas Costa que passava pela área sem ser aproveitado. Volante por meia? Só aos 36. Era tarde para mudar o jogo, mas não para tomar outro, o tento que faria jus à ótima partida de Alexis Sánchez.

Com o pouco imaginativo Dunga na casamata, a realidade do Brasil nas eliminatórias será essa: se fechar atrás contra adversários mais fortes para especular um contragolpe e tentar matar o jogo. É possível jogar mais? Claro que é. Mas não do jeito que esta equipe está sendo moldada. É preciso reconhecer que a superioridade técnica imensa de outros tempos não existe mais, mas não é correto aceitá-la passivamente, como fez o comandante verde-amarelo ontem. Mesmo com a tal "safra ruim", o Brasil pode e deve mostrar um futebol mais envolvente e propositivo do que apresentou ontem em Santiago. Seguindo o modo como as coisas ocorreram ontem, as eliminatórias serão bem longas.
Ataque em bloco do Chile no segundo tempo. Mesmo com seis marcadores brasileiros na área, Sánchez abre espaços à base de dribles e toca para Vidal, que acha González. O chute, porém, saiu torto

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