O pior da primeira fase ganhou a Libertadores. E raras vezes um título foi tão merecido



Pelo segundo ano seguido, o campeão da Libertadores é um dos piores times da primeira fase. Mas, antes que alguém diga que o mata-mata pode mesmo premiar os piores, alto lá: o River Plate está muito longe de ser um campeão fraco, injusto ou qualquer coisa desse tipo. Pelo contrário: superando as enormes dificuldades porque passou ao longo desta temporada, mostrou sua força sempre que testado. Se é difícil chegar ao topo, mais é difícil ainda é conquistá-lo saindo lá de baixo - e se o prisma de nossa análise voltar um pouco no tempo, quatro anos atrás, veremos que o que ocorreu ontem no Monumental de Núñez foi a superação definitiva de uma recuperação que começou saindo das trevas da segunda divisão, como tantas outras histórias que já vimos por aí.

O título do River é incontestável seja qual o lado que se analise esta Libertadores. A primeira fase não serve para se ser o primeiro, mas para estar até o 16º lugar, e o time argentino conseguiu. Nos mata-matas, três das quatro classificações foram obtidas fora de casa. O título veio em Buenos Aires por força do regulamento, que não permite uma final no México. Mas quem duvida que o River comemoraria o tri mesmo que a decisão de ontem tivesse sido em Monterrey? Boca, Cruzeiro e Guaraní que o digam.

O atual time do River Plate não é o melhor da história do clube, não é brilhante, mas é dos mais competitivos que já se viu não apenas em Núñez, mas na América do Sul. Exagero? Basta lembrar que esta equipe é a atual campeã não só da Libertadores, mas também da Recopa e da Copa Sul-Americana. Todos os troféus do nosso continente estão em poder dos millonarios. O único time que conseguiu tal primazia foi o São Paulo, no distante 1993, ganhando Libertadores, Recopa e Supercopa ao mesmo tempo. E aquele São Paulo, para muitos da minha geração que beira ou recém passou dos 30 anos de idade, foi o melhor time que vimos jogar até hoje em gramados brasileiros.

Claro que é poético atribuir ao destino o fato de o jovem Alario ter entrado para a história do clube ao marcar gols decisivos a partir da saída do colombiano Teo Gutiérrez, mas o correto é analisar do ponto de vista prático: o River sempre teve bom grupo porque sempre soube contratar. O trabalho é muito bem feito, seja pelo diretor executivo Enzo Francescoli (uma lenda do clube, o único que participou das três conquistas) ou pelo técnico Marcelo Gallardo. E não estamos falando de Saviola, Aimar e Lucho González, mas de Alario, Viudez, Mayada (o destino dirá que ele jogou ontem para ser o segundo uruguaio que sempre há nos títulos continentais do River) e outros tantos que chegaram sem o mesmo cartaz das estrelas, mas que deram resposta qualificadíssima em campo. No ano passado, lembremos, Pisculichi foi o "cara" da Sul-Americana, e em 2015 mal fardou. Mas aí havia Martínez, Driussi, sempre alguém que mantivesse ou elevasse ainda mais o nível. Eis uma verdadeira grande montagem de grupo, que vai além de empilhar medalhões milionários, como tantos clubes fazem por aqui.

Ontem, no dia da consagração definitiva, um placar para não deixar dúvidas. Muitos já colocam o Tigres como um time menor pelo que ocorreu ontem, mas isso é outro erro de avaliação: os mexicanos são, sim, muito bons, mas simplesmente não puderam com quem entrou, desde o início, mais do que qualquer outro com a faca nos dentes para ser campeão da América. Não foi só o Tigres: ninguém pôde com o River esse ano, mesmo quando muitos já o davam como morto. O placar de 3 a 0, aliás, foi circunstancial: ele deixa claro o merecimento do título dos argentinos, mas o jogo foi bem parelho até os 25 da etapa final. Antes de ampliar a vantagem para 2 a 0, o time da casa parecia até mais perto de sofrer o empate que de marcar outro gol.

O jogo de ontem não foi o mais brilhante do River, apesar do dilatado escore de 3 a 0. Na verdade, nem foi preciso: Aquino, visivelmente descontado, deu bem menos trabalho do que se esperava. A equipe argentina criou tão pouco quanto a mexicana no primeiro tempo, mas foi cirúrgica: Vangioni, inseguro no México, foi perfeito ontem em vários lances, em especial no cruzamento para o gol de Alario. Sem um meia que pensasse o jogo e com os pontas bem controlados pelos lados, os mexicanos seguiram sem ameaçar no segundo tempo, e desabaram de vez no gol de pênalti de Carlos Sánchez, talvez o melhor jogador desta Libertadores.

Mas não foi só Sánchez: os destaques foram muitos, o que é o carimbo final do merecimento desta conquista. Maidana foi um colosso durante a Copa, um zagueiro impecável; Kranevitter é volante para a seleção argentina; Barovero, um goleiro extremamente seguro, sem ser espalhafatoso. Mercado, Funes Mori, Ponzio, Martínez, Mora, todos tiveram sua parcela fundamental em cada momento. Todos coordenados pelo genial Marcelo Gallardo, que aos 39 anos já é campeão como técnico do Uruguai, da Argentina, da Recopa, da Libertadores e da Sul-Americana. Um técnico gigante, como o clube que levou 19 anos para se lembrar disso novamente ontem à noite.

Ah, e só pra não deixar passar: como será que foi a noite do torcedor do Boca que teve a genial ideia de atirar gás de pimenta no túnel dos jogadores do River em maio?

Comentários

Vine disse…
Tava só aguardando tua análise.
Não consegui assistir a partida, mas quando vi 2 x 0 recém feito, já sabia que ia dar River.
Libertadores é o melhor campeonato do mundo. Segunda vez seguida que o pior classificado vai à final, ganhando dessa vez.
Vicente Fonseca disse…
Valeu pela moral, mestre!