Argel falou o que todos queriam ouvir, mas precisará ir além dos velhos clichês

Argel chegou chegando, como se diz aqui no Rio Grande do Sul. Mostrou em seu primeiro dia o mesmo vigor dos tempos de zagueiro. Falou grosso na coletiva, deu um puxão de orelha em Valdívia no treinamento, simplificou como fazia diante dos grandes atacantes que enfrentou quando era jogador, mas, principalmente, falou o que todos os colorados queriam ouvir. O que não significa que tenha razão em tudo o que disse.

Seu discurso de apresentação estava claramente alinhado e foi sem dúvida previamente combinado com Vitório Piffero e Carlos Pellegrini. Não apenas discordou, como praticamente repudiou o rodízio de jogadores implantado por Diego Aguirre, o que o faz ganhar pontos não só com a direção, mas também com os torcedores, ao menos a parte que criticava o uruguaio por isso. Garantiu apostar totalmente em D'Alessandro, não descartou que ele possa jogar junto com Alex. Considerou "frescura" não só a rotatividade de peças, mas também esquemas como o 3-5-2 ("invenção") e o 4-2-3-1 ("faceiro"). Discurso mais de um bagual que de um treinador. Como se apenas bagualice fosse o que falta a este Inter - Piffero certamente acredita nisso, pois nunca admite que seu elenco não seja o melhor do país, mesmo com perdas graves como Aránguiz e Nilmar.

Para o bem do Inter, tomara que isso seja apenas fachada. O que Argel na verdade quis passar de cara é a imagem de que agora chegou alguém para botar ordem. Tanto Pellegrini, quanto Piffero, quanto boa parte da imprensa esportiva gaúcha, pediam ao Colorado um técnico sanguíneo, disciplinador, principalmente por conta da postura anêmica da equipe diante do Grêmio no fiasco do domingo passado. E a forma mais simples de ganhar o respaldo inicial de todas essas pessoas num momento tão cheio de adversidades como o atual é justamente realizar esse discurso batido - afinal, o pedido de todas essas pessoas por um "xerifão" na casamata é o que há de mais batido no nosso futebol. O lendário Oswaldo Rolla já foi contratado pelo Grêmio em 1976, há quase 40 anos, por esses mesmos motivos.

O apoio de todos é importante num momento como esse, claro, mas ele precisará ir além dos clichês usados ontem. Diego Aguirre não usou o rodízio por "frescura": ele usou uma metodologia diferente da que estamos habituados a ver diante de um grupo de jogadores imenso e, por conta disso, é que descobriu peças como Valdívia e Dourado. Depois perdeu a mão, evidente, ou não teria se perdido, mas desconsiderar isso ou tratar o trabalho do uruguaio como um câncer a ser extirpado é uma tremenda injustiça. Provavelmente o time não chegaria tão longe se não fossem justamente esses guris os titulares no mata-mata da Libertadores, e sim os medalhões trazidos a peso de ouro e que nunca deram resultado.

Sobre o esquema, o 4-4-2 ou o 4-3-3 não necessariamente são o esquema ideal para o Inter. O 4-2-3-1 só é usado porque o esquema tem muito mais meias que atacantes. Um técnico precisa saber se moldar ao que tem em mãos para realizar um bom trabalho, e não o contrário. E D'Alessandro, tão veterano, precisa mesmo ser blindado? Sofre mais com as críticas e lidar pior com elas do que meninos como Geferson e William, símbolos da eliminação diante do Tigres, mesmo que nomes como Nilmar e Aránguiz tenham jogado tanto quanto eles no México ou menos? E por que devemos acreditar que ele usará o 4-2-2-2 no Beira-Rio, se nunca vimos um time dele jogar desta forma (o Figueirense, até quarta-feira, jogava com três volantes, e seu primeiro Inter, contra o Cruzeiro, terá esta formação).

O Internacional precisa mais do que simplesmente disciplina para se reabilitar, embora Argel seja o cara certo para injetar ânimo num elenco que sentiu a eliminação, sofre com atrasos de pagamentos, sentiu a perda do antigo técnico e levou uma goleada histórica para o rival. O grande problema é pensar que isso resolve tudo. Talvez o discurso inflamado de Argel surta efeito por um curto período de tempo, talvez a equipe faça um bom segundo turno na base da motivação, ou vá longe na Copa do Brasil por isso. Mas ir por esse caminho, se pode ser talvez bom de início, também corre sério risco de dar um prazo de validade curto para o trabalho do novo treinador. Quando se fala apenas em arrumar em casa sem pensar num projeto maior, dificilmente se vai além da empolgação inicial, a qual é sempre isso mesmo, inicial, quando é o que resume uma metodologia de trabalho. O discurso utilizado por ele ontem é tão antiquado quanto a ideia do "fato novo" usada para justificar a demissão de Aguirre. Que ele esteja só jogando para a torcida.

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