O projeto perdeu o "r"

Gilvan Tavares assumiu o Cruzeiro logo após os famosos 6 a 1 no Atlético-MG que livraram a equipe do rebaixamento, em dezembro de 2011. A torcida sabia que, mesmo com aquela goleada, era preciso mudar quase tudo no clube. Tanto que bateu o candidato da situação, Zezé Perrella, com expressivos 83% dos votos. Cinco de cada seis sócios cruzeirenses, portanto, foram conscientes de que, apesar da goleada sobre o rival, era preciso repensar o clube.

Um planejamento foi feito. E muito bem feito, e mais bem executado ainda: em 2012, o objetivo era fazer uma campanha decente no Brasileiro, sem correr risco de rebaixamento, como no ano anterior. Celso Roth fez isso: pegou um time operário que começou bem a competição, sofreu uma queda no returno, mas acabou em 9º lugar. Objetivo cumprido.

Para 2013, o objetivo era a vaga na Libertadores. Era preciso algo mais que Roth, uma inovação, novos ares: veio o ascendente Marcelo Oliveira do Coritiba e, com ele, uma série jogadores tão emergentes como ele - Ricardo Goulart e Éverton Ribeiro foram apenas os mais célebres. Deu tão certo que a equipe foi campeã brasileira com um pé nas costas. Objetivo não apenas cumprido como superado em termos de expectativas, portanto. Nem o título da Libertadores conquistado pelo rival Atlético-MG ofuscou o brilho cruzeirense.

Em 2014, aí sim, o objetivo traçado lá em janeiro de 2012 era o título brasileiro, mais que ganhar a Libertadores. A equipe foi a que mais longe chegou no torneio continental, mas parar nas quartas de final foi, de certa forma, decepcionante. Porém, o bicampeonato nacional foi conquistado com a mesma facilidade de 2013. A perda da Copa do Brasil para o rival Atlético-MG e a seca em clássicos já começava a incomodar, mas era inegável que as coisas andavam conforme o traçado. Objetivo cumprido, mais uma vez.

Aí, em 2015, ano em que o planejado era conquistar a Libertadores, a coisa desandou. Da base bicampeã brasileira, deixaram a Toca da Raposa Egídio, Lucas Silva, Nílton e, principalmente, Ricardo Goulart e Éverton Ribeiro, entre outros muitos nomes. Claro, nada impede que uma equipe reformulada conquiste algo grande - o próprio Cruzeiro fez isso em 2013, apenas para pegar um exemplo recente. Mas é inegável que a diretoria errou a mão nas contratações. Arrascaeta é uma excelente aquisição pensando em longo prazo, mas ainda jovem para ser o principal responsável pela criação de um campeão da América, ainda mais substituindo dois jogadores que fizeram imenso sucesso. Mena e Fabrício não acrescentam qualidade em relação a Egídio, são apenas mais do mesmo. O clube deu azar com a lesão Dedé, e trouxe um Paulo André que se mostra muito longe daquele dos tempos de Corinthians. Isso que ainda deu sorte com Willians e Leandro Damião, que vêm dando resposta acima do que estavam rendendo em seus clubes anteriores.

Em 2015, o Cruzeiro gastou mais do que em anos anteriores, e mal. A venda de seus dois principais meias ao mesmo tempo foi sentida diretamente pela equipe. Em apenas um jogo na Libertadores o desempenho foi realmente convincente dentro de casa, que é quando se precisa propor jogo, contra um adversário forte: diante do São Paulo, nas oitavas de final. No desastre contra o River, era nítido que faltava uma liderança, seja ela técnica ou anímica.

A demissão de Marcelo Oliveira passa duas impressões: a primeira, de que a culpa pela eliminação na Libertadores é dele. Em parte, pode até ser verdade - sem dúvida, os reforços chegam com o aval do técnico. A segunda, é a de que a última conquista, a que coroaria o planejamento quadrienal de Gilvan, fracassou - isso é fato, na verdade. E, assim, seria hora de recomeçar. Talvez se notasse que o próprio Marcelo não teria mais ânimo para comandar a equipe, ou o mesmo ânimo de antes, pelo menos. E aí se parte para a demissão, sempre a decisão mais fácil a ser tomada - embora rejeitada, e com toda a razão, pela maior partida da torcida, que pede a continuidade do comandante que passou de ídolo do Galo a um dos mais vitoriosos da história da Raposa em dois anos e meio.

A opção por Vanderlei Luxemburgo é tão inacreditável quanto a demissão de Marcelo. Trata-se de de um treinador que não ganha nada há 11 anos, e que está sempre bem empregado. Pode dar certo? Até pode, embora não seja a tendência. Luxa tem tido bons começos de trabalho, mas seus "pojetos" perdem fôlego lá adiante, quando ele começa a crescer dentro do clube e sair de sua alçada, que deveria ser apenas restrita aos treinos e jogos. Será preciso uma direção de futebol forte, atuante, que coloque o treinador em seu lugar, que é o de treinador, tão somente.

O Cruzeiro perdeu força em relação aos últimos dois anos, mas ainda tem um grupo forte o suficiente para ao menos disputar uma vaga na Libertadores. Luxemburgo conhece bem esse caminho: neste período de seca, levou Santos (2006/2007), Palmeiras (2008), Flamengo (2011) e Grêmio (2012) ao G-4. Mas é impossível desassociar esta contratação ao retrocesso, ao pensamento mágico de uma volta ao glorioso 2003. O projeto quadrienal de Gilvan, de fato, chegou ao fim.

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