O futebol brasileiro perde Carlinhos, um técnico eternamente a serviço do Flamengo

O torcedor flamenguista sabe me responder quantas vezes Carlinhos assumiu o comando do futebol do clube? É difícil precisar, mesmo. Ao todo, em sete oportunidades ele assumiu como técnico interino do Rubro-Negro. Em muitas derrotas trágicas, treinadores mais badalados sofriam pressão (e eventualmente até perdiam o cargo) na Gávea e os torcedores já tinham o nome dele como substituto na ponta da língua. A história fala por si.

Carlinhos é o maior técnico interino da história do futebol brasileiro, e por isso mesmo é injusto rotulá-lo deste modo. Porque ele foi muito mais do que um simples treinador tampão: ele era um apaixonado, embora grande profissional, e sempre a serviço do Flamengo. Foram 12 anos como jogador, entre 1958 e 1969 - e dos bons, com técnica e elegância invejáveis e disciplina ímpar. De 1983 até 2000, como treinador, esteve sempre a postos para assumir a equipe carioca. Tanto que sua carreira como técnico se resumiu, no futebol brasileiro, a Flamengo, Guarani e Remo - nestes dois clubes, com passagens breves.

Sua primeira passagem pelo comando rubro-negro foi em 1983, substituindo o multicampeão Paulo César Carpegiani. Foram só cinco jogos até a chegada do técnico Cléber Camerino. Quatro anos depois, assumiu por seis jogos no Campeonato Carioca entre a saída de Sebastião Lazaroni e a chegada de Antônio Lopes. Ficou invicto no período. O delegado caiu após uma derrota na estreia da Copa União, para o São Paulo, em pleno Maracanã. Carlinhos assumiria a equipe pela segunda vez no ano de forma interina, já com respaldo do bom trabalho no estadual. Desta vez, porém, a interinidade durou bem mais.



Sua estreia não poderia ter sido com mais estrela: vitória de 2 a 1 sobre o Vasco no Maracanã (vídeo acima), vingando a derrota de 40 dias antes, pela final do estadual. A equipe, porém, oscilaria bastante, e os planos de mantê-lo quase foram por água abaixo três rodadas depois, após derrota num Fla-Flu por 1 a 0. Mas a instabilidade durou pouco: depois de perder para o Fluminense, o Flamengo de Carlinhos se afirmou, e perderia apenas mais uma vez até o final do campeonato. Acabou como campeão, como todos sabem, numa história que em muito lembra à de Andrade, campeão em 2009. Ele deixaria o comando da equipe ao perder o estadual do ano seguinte para o Vasco, no famoso jogo do gol do lateral Cocada, mas tinha seu nome já escrito na história.

Em 1991, após a queda do então ascendente Vanderlei Luxemburgo, lá estava Carlinhos, pronto para mais uma interinidade que entraria para a história. Naquele Campeonato Carioca, levou a equipe ao título ao bater o Fluminense por 4 a 2 na decisão. Cinco meses depois, entraria para a seletíssima galeria dos técnicos bicampeões brasileiros ao patrolar um Botafogo tecnicamente superior na decisão do Brasileiro. Esta talvez tenha sido sua melhor passagem pelo Rubro-Negro. Ao contrário de 1987, quando tinha uma constelação a seu dispor, desta vez Carlinhos tinha uma garotada de alto nível, mas ainda em busca de afirmação. Mostrou firmeza ao deixar de fora da equipe titular o badalado, porém pouco compromissado, Djalminha. Deu padrão de jogo à equipe, que cresceu na hora certa e, com um jogo coletivo baseado na liderança em campo do cracaço Júnior, levou a taça sem margem para contestações.

Carlinhos teve ainda outras três passagens posteriores pelo Flamengo. Em 1994, não conquistou títulos. Em 1999, porém, levou o clube à emocionante conquista da Copa Mercosul, contra o timaço do Palmeiras, então campeão da Libertadores. Foram dois jogos absolutamente espetaculares: 4 a 3 no Maracanã, 3 a 3 em São Paulo (vídeo abaixo). Um título inédito e inesquecível. Em 2000, em nova passagem como interino após a queda de Carpegiani (a vida se repete...), ganhou o bicampeonato carioca.



Interino? Sério? Carlinhos treinou o Flamengo por 313 jogos entre 1983 e 2000. Ganhou dois Brasileiros, uma Mercosul e três estaduais. Somente Carpegiani tem história mais vitoriosa que ele na história rubro-negra. É verdade que ele demorou a deixar a pecha de tampão para trás, mas conseguiu através do modo mais forte possível: com respeito conquistado a partir de grandes trabalhos. Em 2011, Luís Carlos Nunes da Silva teve um busto com sua imagem inaugurado na Gávea. Em 22 de junho de 2015, nos deixa, aos 77 anos. Com a devida reverência a quem de interino não tinha nada, a não ser um rótulo besta e, felizmente, atropelado por suas conquistas.

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