O festival de cartões escancara a arrogância (e esconde a insegurança) dos maus árbitros

A surreal explicação para a expulsão de Lisandro na súmula (clique para ampliar)
Recomendações insuportavelmente chatas à arbitragem fazem parte da práxis da CBF há anos. Não é de hoje. Quem não lembra, lá pelo início dos anos 90, dos seguidos cartões a Carlos Alberto Dias, Nélio, Bismarck ou Ézio a cada gol que um deles marcava no Maracanã cuja comemoração era um "alô, mamãe", nos orelhões da saudosa Telerj, atrás das goleiras do então maior estádio do mundo? Em 2013, algo semelhante se deu na preciosista, careta e até hoje vigente proibição de o jogador abraçar a torcida, o que seria um dos principais pontos positivos das novas arenas. A mais nova, porém, supera todas, pois começa a estragar os jogos de vez.

Como se já não bastassem os diversos erros que comete a CBF na (des)organização do Campeonato Brasileiro, 2015 reservou uma novidade em "alto nível": recomendar aos árbitros que punam com cartão amarelo sempre que um bolo de jogadores vier abordá-los para reclamar de alguma marcação sua. O espírito da recomendação era dar fim às reclamações acintosas, mas, passadas seis rodadas, é possível perceber que o que já era uma má ideia virou um monstrengo: como a unificação de critérios de arbitragem nunca foi o nosso forte, cartões amarelos são dados aos borbotões, e as expulsões se dão ao bel-prazer dos intocáveis senhores do apito. Se o árbitro acordou de mau humor, então, não há quem segure a ânsia punitiva.

Nós chegamos ao cúmulo no jogo realizado na manhã deste domingo, entre Internacional e Coritiba. Três amarelos concedidos ao time gaúcho foram completamente fora de propósito. O primeiro, aplicado a Vitinho, nem se deve à recomendação de 2015, mas à de 2013, que proíbe o "ir pra galera". Depois, o meia Anderson levou cartão por reclamação (normal, não agressiva), e não poderá enfrentar o Corinthians por conta disso. Mas o pior ficou por conta da expulsão de Lisandro López. O árbitro goiano André Luiz de Freitas Castro colocou em súmula que o jogador proferiu as ultraofensivas palavras "não fiz nada", e por isso recebeu o cartão vermelho. O exemplo escancara o ridículo da situação.

A distribuição de cartões a torto e direito sempre foi uma proteção aos maus árbitros. Com a recomendação da CBF, os apitadores medíocres ganharam agora a autorização expressa de abusar do uso deles, estragando diversos jogos país afora. Só no jogo de ontem, foram nove cartões amarelos, além da esdrúxula expulsão de Lisandro. Não precisamos recorrer à Europa para ver que isso é um exagero: no primeiro clássico das oitavas de final da Libertadores entre os rivais River e Boca, jogo duríssimo, foram sete amarelos e uma expulsão - menos, portanto, que no trivial Inter x Coxa de ontem - e o árbitro da ocasião, Germán Delfino, não perdeu o controle do jogo por isso. Isso sem falar que os critérios para a aplicação de cartões, seja por reclamação ou não, andam cada vez mais estranhos. Tido como um dos melhores árbitros da última Copa do Mundo, Sandro Meira Ricci, por exemplo, já sentenciou três expulsões exageradas somente neste ano, comprometendo o andamento de dois jogos importantes da Libertadores e um clássico no Brasileirão.

Como em tudo na vida, a prepotência, a arrogância e o autoritarismo escondem por trás de quem os exerce uma grande insegurança. Com o abuso dos cartões não é diferente. Vejamos o caso do carioca Marcelo de Lima Henrique, que apita pela Federação Pernambucana: sábado, no clássico entre Atlético e Cruzeiro, ele não distribuiu sequer um cartão amarelo em toda partida. Repito: em um clássico, com alto nível de tensão, estádio acanhado, recomendação da CBF pra usar o cartão como bem quisesse e que até lance polêmico teve (e o seu auxiliar errou, no primeiro gol do Galo), nada de cartão. Marcelo não é um árbitro excepcional, já cometeu diversos erros sérios em sua carreira, mas uma coisa não se discute: sempre soube se fazer respeitar em campo sem precisar apelar para o "cartonismo" de seus colegas cuja personalidade é mais fraca. E é pela insegurança desses árbitros que estamos pagando o alto preço de ver um festival de cartões amarelos, suspensões e jogos em que um dos times se vê com um jogador a menos porque um jogador afirma que "não fez nada".

Pois que alguém, então, faça. Antes que a coisa fique ainda pior.

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