O Chile não superou apenas o Uruguai. Superou seus próprios traumas também



Ganhar essa Copa América é questão de honra no Chile. A eliminação na Copa do Mundo do ano passado foi dolorosa, quase injusta, e mais cedo do que o futebol da equipe representava. O atual torneio é a chance não apenas de uma redenção do que aconteceu naquela triste tarde de sábado no Mineirão, mas também uma oportunidade de a seleção vermelha ganhar seu primeiro título de relevância e corrigir essa grave distorção - os chilenos brigam em termos históricos com Colômbia e Paraguai para serem a quarta força sul-americana, e já deveriam, pelo porte que possuem, ter ganhado ao menos uma Copa América. O técnico Jorge Sampaoli renovou seu contrato pensando nisso, e a geração atual, provavelmente a melhor da história do país, sabe de sua responsabilidade.

É dentro deste contexto que o jogo de ontem, contra o Uruguai, precisa ser analisado. Em primeiro lugar, é bom que se ressalte que desta vez o favoritismo não deveria ser exercido sobre a Bolívia ou o time reserva do México, mas sim diante de uma seleção bicampeã do mundo. O Estádio Nacional não estava preparado para uma festa, como talvez esteja nas semifinais. Os 45 mil chilenos que foram à cancha sabiam que a parada seria duríssima. Mesmo sem Luis Suárez, a Celeste é uma seleção que não sente nenhum ambiente contrário. Além da tradição de eliminar anfitriões, tinha o peso de 15 Copas América na camiseta. Enfrentar um rival deste quilate em casa, com a responsabilidade do favoritismo e de ter de ganhar seu primeiro título, é tarefa que só os grandes de espírito superam.

E o Chile superou. Claro, a arbitragem errou ao expulsar Cavani num momento decisivo, e isso não pode ser desprezado. Além de ser o principal jogador uruguaio depois de Luisito, o centroavante vinha comandando a Celeste em uma etapa favorável do jogo. Passada a pressão forte do primeiro tempo, o Uruguai ia se sobressaindo em sua proposta defensiva na segunda etapa e começando a controlar a partida. Nada levava a crer, até a expulsão de Cavani, que o Chile evitaria a decisão por pênaltis, até porque nem prorrogação haveria. Isso tudo precisa ser considerado, e as reclamações charruas são mais do que justas.
Armado em duas linhas de quatro, o Uruguai marcou bem o Chile pelos lados e pelo meio, mas expulsão de Cavani retirou da Celeste poder de chegar ao gol adversário
Mas, com expulsão ou não, com injustiça ao Uruguai ou não, o fato é que o Chile superou. Superou não apenas o atual campeão continental, mas os seus próprios medos. E mais: não obteve o resultado na base da empolgação. Ao contrário: o suposto show que muitos falavam jamais ocorreu. A equipe de Sampaoli teve mais de 70% da posse de bola, mas a postura uruguaia era controlada, era a de um time que não tinha seu principal jogador em campo. Marcando muito forte em duas linhas de quatro, o time de Tabárez se defendeu com perfeição quase que por toda a noite. O Chile manteve a serenidade no primeiro tempo: não abriu de seu jogo de toque envolvente, criou algumas chances perigosas, mas Muslera não fez uma defesa difícil sequer.

Na segunda etapa é que as coisas se complicaram. A prova está no próprio período pós-expulsão de Cavani: o gol de Isla em si foi a primeira chance clara do time da casa após ele adquirir a superioridade numérica. O Uruguai, por sua vez, já havia levado perigo duas vezes, em arremates de Carlos Sánchez e Cristian Rodríguez. O que isso significa? Que a camisa celeste estava começando a pesar. Na Copa do Mundo, diante do Brasil, foi muito mais o peso da camisa amarela que o fator local ou a qualidade do jogo em si que eliminou o Chile do Mundial. A circunstância começava a se repetir. E quando o nervosismo pela falta de títulos e da necessidade de ganhá-los ia começando a conversar com o desespero no Estádio Nacional, veio o chute seco de Isla, que encerrou o drama.

Portanto, apesar de todo o cenário favorável em termos técnicos e práticos, fica claro que para o Chile foi necessária muita superação para chegar ao triunfo. A superação de traumas do passado, da ansiedade de um estádio lotado, de enfrentar um adversário multicampeão e, principalmente, da imensa responsabilidade que se colocava no ombro de cada jogador - lembram de França x Paraguai em 1998? Trata-se de uma situação parecida. A expulsão de Cavani ontem só aumentou esse peso sobre as costas dos atletas chilenos, o que explica o nervosismo e a baixa produtividade da equipe no 11 contra 10.

Melhor lateral direito desta Copa América, Mauricio Isla comemorou seu gol com uma expressão muito mais de alívio que de qualquer outra coisa. A vibração incontida e emocionada de todos os torcedores nas arquibancadas também pareceu andar na mesma direção. Afinal, se a taça vier, esta provavelmente entrará para a história como a vitória mais emblemática e importante da campanha do primeiro título de grande porte do Chile, uma seleção cuja falta de troféus não representa a real importância que possui dentro do cenário do futebol sul-americano.

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