A Copa América foi mais um choque de realidade para a Seleção



De uma coisa não está dando para se queixar nesta que provavelmente é a maior crise da história do futebol brasileiro: os choques de realidade têm sido fartos, constantes e generosos conosco. A corrupção na CBF nunca foi tão escancarada, a nas federações estaduais começa a sair de debaixo do tapete e os resultados em campo, de quase todas as seleções, é pífio. Tudo indica que a hora é de uma faxina geral. O que tira a esperança de que algo possa mudar é que nem mesmo tomar 10 a 1 nos dois jogos finais de uma Copa do Mundo em casa teve esta força. Mas uma hora a casa vai cair.

Talvez o preço a se pagar seja tão ou ainda mais duro que o fiasco de 2014: não participar da Copa de 2018. Isso representaria uma perda comercial gravíssima para o Mundial da Rússia. Sabe como é, as entidades que """"""comandam""""""" o futebol se preocupam muito com dinheiro. Ver o Brasil fora de uma Copa do Mundo pela primeira vez seria sinônimo de incompetência, seja de qual esfera falemos, a esportiva ou a comercial.

O temor após o fracasso do ano passado, aliado ao fato de que a América do Sul conta com boas seleções em quase todos os seus países, se acentuou nesta Copa América. Porque não basta o Brasil apresentar o futebol ridículo que mostrou em gramados chilenos, o que por si só já seria um problemão em relação às eliminatórias: é preciso ver, por exemplo, que o Paraguai está voltando a jogar o futebol competitivo que sumiu entre 2011 e 2014, ou que o Peru está na semifinal de novo - à frente do Brasil de novo, portanto. 

O perigo de não ir à Copa pela primeira vez é real. E justamente por estas questões é que ele será tratado como prioridade, quando, na verdade, ele é só a ponta do iceberg, o resultado de um processo equivocado em todos os sentidos. Disso tudo a gente já sabia: quando Dunga foi colocado como técnico, a CBF deixou claro que não iria mudar absolutamente nada: apenas chamaria o gaúcho de Ijuí para ajeitar a cozinha e não fazer feio com esta safra insuficiente que temos. Não vou fazer mais um tratado aqui sobre como o futebol brasileiro precisa ser inteiramente repensado, é cansativo. Só digo que ele será mudado apenas, talvez, com boa dose de otimismo, se vermos a Seleção fora de uma Copa - e isso nunca esteve tão perto de acontecer como agora.

O perigo é real: nem Dunga conseguiu limpar a cozinha. Neste sentido, ser eliminado da Copa América foi algo muito positivo. É claro que perder nunca é bom, e que é sempre mais fácil renovar tudo o que é necessário se o ambiente for bom, vitorioso. Mas isso em uma situação ideal, com comandantes interessados em fazer um bom trabalho, não em obter vantagens pessoais. Diante de um status quo tão fortemente arraigado, como uma erva-de-passarinho que suga todas as energias de uma bela árvore, os fracassos são necessários. O 10 a 1, infelizmente, não serviu para nada. E a eliminação para o Paraguai também não servirá. O elogio de Dunga à participação da Seleção no Chile não é nem sintomático: é definitivo.

E há munição para quem quiser tapar o sol com a peneira: afinal, o Brasil caiu "na loteria dos pênaltis", algo que quase ocorreu com a tão poderosa Argentina na sexta-feira. Foi "por detalhe" a eliminação, "faltou sorte". Nos amistosos, contra seleções fortes, "fomos muito bem". Isso tudo poderia ser alegado, mas em outro contexto. Um contexto no qual o Brasil não teria jogado muito mal em três das quatro partidas que disputou na Copa América; um contexto no qual não teria sido dominado pelo Paraguai, o pior time das últimas eliminatórias, a noite inteira; um contexto no qual a Seleção teria criado mais do que três chances ao longo do confronto, contra nove dos paraguaios, que, por sinal, jogaram sem seu principal meio-campista, o volante Néstor Ortigoza, do San Lorenzo; um contexto no qual a Argentina, que sempre rivalizou conosco em termos de qualidade, não fosse indiscutivelmente superior em termos técnicos; um contexto no qual (com todo o máximo respeito) jogadores do nível de Douglas Costa, Fernandinho, Diego Tardelli e Éverton Ribeiro não seriam solução, e sim, no máximo, aqueles reservas de luxo, que poderiam se encaixar muito bem numa equipe com jogadores do nível que tornaram a Seleção Brasileira indiscutivelmente a melhor do mundo um dia - um dia, diga-se, que cada vez mais faz parte do passado.

Nossos dirigentes, para se perpetuarem no poder, adoram acomodar, dar um jeitinho, fazer de conta que não é com eles. Precisamos de uma renovação completa em tudo no futebol brasileiro - eu sei, é batido dizer isso, mas é mais necessário que nunca que se diga. A Copa América já deixou claro: do jeito que a coisa anda, disputaremos pau a pau lugar com times como Equador, Paraguai e Peru na repescagem das eliminatórias, que começam em outubro, diga-se. O risco de não irmos à Rússia, tão citado após 8 de julho de 2014, de fato existe. O que aconteceu neste um ano desde aquele fiasco? Perdemos mais um ano.

Comentários

Acho que a melhor forma de contextualizar a decadência da seleção é que desde a Copa América de 93 não ficávamos atrás da seleção argentina na classificação de um torneio oficial(Copa do Mundo, Copa America, Copa das Confederações, etc). Em 2014, essa marca foi quebrada. Agora, foi quebrada de novo.

Isso mostra que, mesmo com os bons times que os hermanos formaram, tínhamos força para rivalizar com eles, mesmo nos piores momentos desses últimos vinte anos. Esse momento passou, e se passou, é hora de rever conceitos.
Ah sim: não contei eliminatórias aí, por entender que elas fazem parte da Copa do Mundo.
Anônimo disse…
Nas eliminatórias de 2002, o Brasil teve Luxemburgo, Leão, Candinho (interino) e Felipão pra classificar na última rodada. E as opções de grupo eram absurdamente melhores que hoje.

É bem capaz que o Dunga caia ainda este ano, o que seria conveniente inclusive pra cbf. Mas duvido que façam a mínima ideia de quem pôr no lugar, inclusive porque toda uma geração de treinadores anteriores já não é mais cogitada. Só duvido que chamem um estrangeiro, porque a cbf não vai trazer ninguém que eventualmente possa se chocar com quem a sustenta.

Tiago
Anônimo disse…
Fora a ausência de autocrítica: Elias falando em eliminação "acidental", Dunga dizendo que a experiência foi "ótima", Tiago Silva dizendo que a bola não tocou na mão dele...
Vicente Fonseca disse…
A ausência de autocrítica é o mais grave de tudo. Foi o que eu falei no penúltimo parágrafo: há desculpa e atenuante pra tudo. Os discursos pós-jogo foram tristes.
Vicente Fonseca disse…
Fred, o detalhe é que desde 2006 não temos um time melhor que o da Argentina. É verdade que o Brasil foi campeão em 2007 em cima deles e chegou na mesma fase nas Copas de 2006, 2010 e na Copa América de 2011. Mas é visível como os argentinos sempre chegam com equipes tecnicamente bem superiores. Mesmo aquele time que quase não foi à Copa, treinado pelo Maradona, tinha jogadores MUITO melhores.