Desgaste

Esta é a palavra que define a saída de Luiz Felipe do comando do Grêmio.

Felipão se desgasta a cada entrevista em que pede reforços. Com a direção, claro, por pressioná-la; com o elenco, por dar a entender que ele é insuficiente (e é mesmo, embora externar isso repetidamente seja um erro); e com os torcedores, que não aguentam mais o discurso. O desgaste com os atletas não se dá apenas por isso, mas também por problemas de temperamento. Romildo Bolzan Jr. negou em sua coletiva hoje pela manhã que o estilo cobrador tenha causado conflito com os atletas, mas é claro que algumas cobranças mais duras nem sempre caem bem. A simples menção a Cristóvão Borges como seu possível substituto já deixa isso claro: o ex-treinador do Flu é reconhecidamente tranquilo, paciente. Tudo que Felipão deixou de ser, e nunca foi, aliás, em sua terceira passagem pelo Tricolor.

O principal desgaste em todo esse processo, porém, não tem a ver com a relação entre Luiz Felipe e o Grêmio, mas de Felipão consigo mesmo. Já disse aqui em 2013: ele não é um técnico ultrapassado, e provou isso ao fazer o Brasil anular a Espanha na final daquela Copa das Confederações de um modo que nenhuma outra seleção era capaz de realizá-lo até então. O que parece, porém, e há bastante tempo, é que Luiz Felipe não é mais um técnico apaixonado pelo que faz. Ele é trabalhador, sim: nunca se reclame de que falta treino ao Grêmio, e o fato de ele cobrar os atletas já sinaliza isso. Mas, para usar uma expressão de fácil entendimento, ele parece mesmo de saco cheio. E encheu o saco de vez após a derrota no Couto Pereira.

Felipão não tem mais a paciência de aglutinar um vestiário como fazia em seus melhores tempos. Não tem paciência de insistir em uma formação que vinha dando certo até o Gre-Nal, nem de buscar outra que pudesse melhorar o time: apostou em algo que não funcionou no começo do ano, seu maior erro em nove meses de Grêmio. Não tem mais paciência também com a falta de qualidade de seu time e externa isso escancaradamente, seja abandonando o banco de reservas ou repetindo tal discurso a cada mau resultado. Seu trabalho no Grêmio não foi ruim a ponto de motivar uma demissão - tanto que o clube não o demitiu, ele é que pediu para sair. Mas tirar de leite de pedra, como fez no Criciúma, na seleção portuguesa e em tantos outros lugares, ele não aguenta mais. Cansou. E por isso pediu para sair.

A apatia dos jogadores nos últimos jogos do Grêmio talvez se explique por isso, talvez não. É facílimo colocar a culpa em quem sai. O fato é que o Grêmio, sim, precisava de uma correção de rumo, mas a saída da comissão técnica resolve só parte do problema, se é que resolve. César Pacheco é um homem experiente e de vestiário, mas quando fala em "poção mágica" se inviabiliza com as palavras mais do que qualquer ato intempestivo de Felipão, pois mostra o quanto está perdido na função que executa. Rui Costa, por sua vez, é um empregado do clube, e não o vice de futebol (cargo vago há um bom tempo, que precisa ser ocupado o quanto antes). Tem menos culpa que dirigentes do próprio clube na situação.

Resta saber que rumo tomará o Grêmio na escolha do novo treinador. Se pacificar o vestiário for a prioridade, Cristóvão é de fato um profissional adequado. Se a ideia é apostar em alguém novo, com sangue por vitórias, o nome de Rogério Zimmermann desponta - um excelente técnico, embora talvez o momento não seja o melhor, por ainda não ter a vivência de pressão num clube deste porte. Se o que o Tricolor é quer buscar é a volta de uma boa relação com a torcida, Renato Portaluppi é o cara óbvio - o problema, porém, vai muito além disso (em 2013, se adequava porque o elenco era forte, e o que faltava era tranquilidade, diferente de agora). Se a ideia é não arriscar tanto, mas apostar em alguém com retorno "garantido", Mano Menezes está sem trabalhar desde dezembro, e já fez bastante sucesso no clube - de fato, é uma excelente opção. Agora, se o diagnóstico for o de evitar a queda, Celso Roth será contratado. Não duvido que ele venha mais adiante, mas é muito cedo para se fazer um diagnóstico tão negativo. O Grêmio já mostrou em 2015 que, embora tenha seus problemas, é capaz de obter um desempenho que não o deixe próximo dos rebaixados.

Portanto, o que não falta é opção - e isso que não falamos em treinadores estrangeiros. Não valerá, portanto, o discurso de que "tal treinador veio porque era o que tinha para o momento". A saída de Felipão indica que os rumos precisavam ser corrigidos e a fadiga dos metais era uma realidade. A chegada do novo profissional, por sua vez, indicará qual o caminho que a direção imagina que o Grêmio deva tomar. A decisão precisa ser tomada rapidamente, e de preferência com convicção.

Comentários

Anônimo disse…
A impressão é que o Felipão foi pro tudo ou nada com a troca do esquema depois do grenal. O que achei um erro, porque foi uma final apertada contra um adversário com muito mais recursos hoje. E como o resultado saiu ainda pior, sentiu que não tinha mais de onde tirar.

Convicção é tudo o que falta na direção. O presidente só fala em sanear as contas, e delega o futebol a quem por sua vez só alega falta de dinheiro. Se as declarações do Felipão desgastaram, o discurso dos dirigentes não fica por menos. E o próprio Felipão falou em facções, o que deve ter pesado bastante na decisão.

Há nomes disponíveis, mas qual o objetivo da diretoria? No financeiro parece claro, mas no futebol ninguém se pronuncia sem dar margem a dúvidas. Assim não adianta chamar o torcedor pra abraçar a causa se nem eles sabem dizer direito no que consiste.

Sei que me estendi demais, mas costumo ler o blog e é sempre um bom espaço.

Vicente Fonseca disse…
Também tenho essa impressão de que ele apostava tudo no Gauchão. Terminou o Gre-Nal dizendo que era só um jogo, que sua carreira no Grêmio não havia acabado, mas na prática a coisa foi outra. Tanto que mudou o time inteiro quando não precisava, se perdeu de vez e se desestimulou de vez.

Muito obrigado pelo comentário e pela leitura! Se tu puder/quiser te identificar pra enriquecermos ainda mais os diálogos, melhor ainda.

Grande abraço!
Diogo Terra disse…
O problema não é o vestiário, é a "economia interna". CATORZE grupos políticos mais empenhados em trocar farpas e picuinhas (sigam no twitter essas nabas pra ver).

O Fernando Carvalho começou uma limpa no conselho do Inter, lá por 2002. Os resultados dentro e fora de campo estão aí para quem quiser ver.
Vicente Fonseca disse…
Pois é, Diogo, eu também acho que o Grêmio precisa de uma conciliação interna. Saudades da economia interna dos velhos tempos - democracia é ótimo, mas raivosa não.