Rompeu de vez



A imagem de Vanderlei Luxemburgo com um esparadrapo na boca, como se estivesse amordaçado, é o símbolo da luta feroz de Flamengo e Fluminense contra a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro. Luxa pode ter feito isso também por marketing, já que é tão bom no media training quanto nos treinamentos, mas nada isso anula o fato de ele ter completa razão. A Ferj acumula absurdos desde os tempos de Caixa d'Água, mas agora o rompimento de dois dos quatro grandes do estado parece colocar seus desmandos em xeque de uma forma bem mais significativa.

Os absurdos são vários. Ontem, em entrevista ao Bate Bola, da ESPN Brasil, Peter Siemsen, presidente do Flu, e Eduardo Bandeira de Mello, do Fla, não chegaram a anunciar uma liga de clubes, mas chegaram perto disso. O presidente da Federação, Rubens Lopes, entrou por telefone para tentar defender o indefensável, sempre de forma tão áspera quanto evasiva: os percentuais abusivos de renda dos jogos que a federação recebe a cada jogo do estadual, o fato de a Ferj ter lucrado sete vezes mais que todos os clubes do campeonato somados, as constantes mudanças de regulamento em meio à competição... Só não entrou em detalhes quanto à lei da mordaça, pois essa o próprio Lopes não teve a cara de pau de lembrar. Cada fala sua ontem equivalia a uns dez gols da Alemanha.

Luxemburgo entra nessa história por conta de dois dos abusos praticados pela forma ditatorial com que a Ferj rege o futebol carioca. Primeiro, a regra que impede que os clubes usem mais do que cinco jogadores sub-20 na competição. O objetivo da medida é evitar com que os grandes escalem times reservas no estadual, o que poderia ser feito de modo mais civilizado e inteligente diminuindo o número limite de jogadores inscritos, como acontece em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Além disso, a regra desestimula clubes pequenos, muitos deles formadores de atletas, a usarem suas categorias de base. Isso sem falar na limitação de poder observar atletas novos, algo comum em começos de ano. Por criticar tal burrice, Luxa caiu na lei da mordaça e foi punido pelo TJD-RJ com dois jogos de suspensão. Em ditadura é assim mesmo: as coisas são decididas de cima para baixo e ninguém pode falar mal, ou sofrerá sanções.

A reclamação do técnico flamenguista não é à toa: para o clássico deste final de semana, justamente diante do agora aliado Fluminense, são nada menos que dez desfalques, e o clube não pode apelar para sua base por conta do estúpido limite imposto pela federação. Mas isso é apenas o estopim, a fagulha que iniciou o incêndio: há questões muito mais graves, especialmente as financeiras, que desencadearam esta briga.

Este é mais um indicativo de que está se criando um clima por mudanças no futebol brasileiro. Nem todas têm a profundidade que deviam ter, e muitas sequer estão ligadas a este caso, como a questão da volta do mata-mata ao principal campeonato do país, que mudaria quase nada em termos estruturais. Mas o descontentamento de tricolores e rubro-negros com a Ferj é um passo importante para que ao menos os deficitários e inchados estaduais mudem, ou sejam no mínimo repensados. Na CBF, o clima a favor da volta do Torneio Rio-São Paulo e da Copa Sul-Minas já existe, e falamos nisso semana passada. Nada enfraquece mais as federações estaduais que o retorno dos torneios regionais.

Tudo isso se reflete no Fla-Flu deste domingo, um clássico que será disputado por dois rivais que nunca estiveram tão próximos fora de campo. E é assim mesmo o caminho para o nosso futebol caminhar: com dirigentes responsáveis, que não aceitem desmandos dos coronéis da bola e tentem, a partir deste tipo de contestação, criar uma união que pense em um modelo de futebol melhor. E mais: que deixem as diferenças históricas de lado para pensarem no bem comum. Em ano de Gre-Nal com torcida mista e de Atle-Tiba com jantar amistoso entre os dois presidentes nada melhor do que um Fla-Flu com clubes unidos por uma mesma boa causa.

Comentários

Vine disse…
"Cada fala sua ontem equivalia a uns dez gols da Alemanha."

Mitou! Fechem a internet por hoje!