Já pegou o espírito

É inegável: faltou bola ao Internacional ontem à noite. Mas Libertadores não se ganha só com isso - um velho chavão que ontem teve evidência na realidade. Porque, se é verdade que o time de Diego Aguirre foi envolvido pelo toque de bola do Emelec em boa parte do jogo, ficou claro também que o espírito de Libertadores esta equipe já adquiriu, contando com um Beira-Rio pulsante a seu lado. E o espírito, ao menos neste momento, é o fundamental, pois bom futebol todos sabemos que este elenco é capaz de jogar, e, mais ou cedo ou mais tarde, a tendência é que jogue. Não ganha esta Copa quem não o tiver.

Ainda não foi desta vez. Em relação à partida contra a Universidad de Chile, o Inter de certa maneira repetiu aquele futebol no primeiro tempo. Suficiente para bater os chilenos com um pênalti achado, mas não para sequer empatar com o Emelec. O começo foi promissor: com muita imposição a partir da muralha formada por Nílton e Freitas, o Internacional ocupou o campo equatoriano e desmontou as duas linhas de quatro homens de Gustavo Quinteros logo aos dez minutos, num lindo passe de D'Alessandro para o inspirado Nilmar. Tudo perfeito: amassar o adversário mais forte do grupo no começo, abrir o placar bem cedo. A noite parecia ser tranquila - ao menos para quem desconhece o poderio do Emelec.

O problema foi o que se seguiu a partir daí: em vez de seguir no ritmo forte e tentar ampliar a vantagem, aproveitando também o clima favorável das arquibancadas, o Inter começou a administrar o jogo cedo demais. O jogo parecia sob controle mesmo, mas o campeão equatoriano é assim: toca a bola aparentemente sem objetividade, até que surge algum espaço para alguém de trás se infiltrar. Foi assim que Bolaños e Mena, dando razão ao conterrâneo Frickson Erazo, infernizaram a zaga vermelha com suas trocas de posições. O primeiro recuou, passou a ser armador, e deste modo achou o ingresso liberado de Burbano com um toque genial, que pegou toda a defesa fora de lugar. O gol de empate esfriou o estádio e escancarou as fragilidades de uma defesa que segue sendo o ponto fraco, pra lá de preocupante, da equipe gaúcha.

O que se seguiu a isso foram os piores momentos do Inter na partida: controlado pelo Emelec, que chegava com perigo sempre que passava da intermediária com bola dominada, dependia, por outro lado, de iniciativas individuais de Nilmar em velocidade para levar perigo. O camisa 7 só fez isso uma vez. Para piorar, D'Alessandro sentiu a coxa - hoje se saberá a gravidade do problema. Cinco minutos mais tarde, logo antes do intervalo, Mena fez 2 a 1 em gol de treino, aproveitando um latifúndio entre Fabrício e o pessimamente posicionado Réver. O panorama para o segundo tempo era complicado: uma derrota em casa comprometeria as chances de classificação para as oitavas de final.

Aí começam os méritos de Diego Aguirre, que não são muitos, mas pesaram no resultado de ontem. Se é verdade que o uruguaio segue dando a seu time a consistência defensiva de uma gelatina derretida, é inegável que o papo com o grupo foi decisivo para a virada. O ânimo foi outro, mas os problemas atrás seguiam os mesmos: nos primeiros dez minutos, o Emelec teve duas chances claras de fazer 3 a 1 e matar o jogo. Mas não o fez, e sofreu o empate, em nova iniciativa individual de Nilmar, que lançou Alex livre. A partir da nova igualdade, o jogo foi outro: o Inter foi para cima na base da raça, e os equatorianos se encolheram, temendo seguir com 0% de aproveitamento em território brasileiro. O lance que Nilmar quase fez de cobertura explicita o pânico do experiente Achilier, por exemplo.

Aguirre sentiu o bom momento e abriu de vez o time, arriscando tudo. A saída de Freitas para o ingresso de Jorge Henrique era o fim do pouco de consistência defensiva que sua equipe ainda possuía. Temerário, mas foi uma boa leitura do momento do jogo: naquele instante, o que importava à equipe de Guayaquil era segurar o empate fora de casa. E teve estrela, a mexida: foi Jorge Henrique quem cavou o escanteio que resultou no gol de Réver, o pior jogador do primeiro tempo, o que falhara nos dois gols do time visitante. Festa de arrepiar, copeira, no Beira-Rio. Quem lembra de 2006 talvez tenha se recordado de Inter x Pumas, quando o time de Abelão conseguiu uma virada mais ou menos deste modo, ganhando por 3 a 2 apesar de todos os problemas apresentados. E, certamente, a lembrança traz bons fluidos aos mais supersticiosos.

Ainda assim, é preciso ir com calma. Se Diego Aguirre leu bem o momento do jogo, pedindo raça no intervalo e ousando nas trocas quando seu time empatou no segundo tempo, é verdade que o Internacional, em termos práticos, teve quase nada além de iniciativas individuais para ganhar o jogo. Achou um empate quando o jogo era desfavorável, contando com uma atuação iluminada de Nilmar - outro mérito do uruguaio, que apostou nele quando a maioria já o pedia no banco. É preciso melhorar bastante para que este time chegue ao nível que vêm apresentando Corinthians, Racing e Boca Juniors, por exemplo. A boa notícia é que todos no Beira-Rio sabem disso: em vez de se empolgar com a justificada festa da galera, D'Alessandro e Nilmar deixaram o campo reconhecendo que o Inter precisa jogar mais se quiser ser candidato ao título. Isso, sim, foi o mais positivo de toda essa noite épica que a beira do Guaíba testemunhou.

Ainda vice-líder
O Internacional quase complicou definitivamente suas chances de classificação ontem. Quando perdia para o Emelec, ficava nos 3 pontinhos, contra 9 dos equatorianos. Poderia ser ultrapassado hoje pelo Strongest, que visita a Universidad de Chile, ou ficaria empatado com chilenos e bolivianos, com uma evidente desvantagem: jogará as próximas duas partidas fora de Porto Alegre. Ganhar era mesmo fundamental. A liderança é que não foi possível ser obtida. Hoje, a torcida é por La U em Santiago. Quanto mais pontos os dois adversários trocarem, melhor.

A força do Timão
Com torcida, teria sido certamente mais difícil. Mas o Corinthians venceu, e foi uma vitória fundamental. Com o imparável Elias inspirado, marcando outro golaço, o time de Tite bateu o San Lorenzo no Nuevo Gasómetro vazio, 1 a 0, e assume a liderança do grupo da morte. No dia 18 tem São Paulo x San Lorenzo, no Morumbi. Obrigação tricolor de ganhar para obter a classificação - até porque, na Argentina, desta vez terá de enfrentar a torcida do Ciclón.

Complicou de vez
Péssimo resultado para o Atlético Mineiro, a vitória do Colo Colo de 2 a 0 sobre o Atlas. Com 6 pontos, o time chileno já abre uma vantagem considerável na... vice-liderança. Claro, afinal, o Santa Fé já tem os mesmos 6 pontos, e recebe o Galo em Bogotá. Trocando em miúdos: só uma vitória dos mineiros na capital colombiana os mantém realmente vivos na briga por uma vaga às oitavas de final. A derrota em casa para o Atlas foi, como prevíamos, desastrosa.

Saída
Fábio Koff, na prática, nunca assumiu a vice-presidência de futebol do Grêmio em 2015. Problemas particulares o afastaram de forma oficial e definitiva ontem. César Pacheco, experiente, deve assumir a função. Pouca coisa muda de fato, mas os gremistas têm o direito de fazer ao menos duas perguntas bem relevantes: terá Koff anunciado que seria o vice apenas para trazer votos a Romildo Bolzan nas eleições do ano passado? Outra: será ele que seguirá tratando da finalização do contrato de compra da gestão da Arena?

Em tempo:
- Com mais uma atuação apagada de Vitinho, terá Jorge Henrique se credenciado de vez para a titularidade no Inter?

Comentários

Vine disse…
Pois lembrei justamente daquele jogo contra o Pumas, um dos mais emocionantes, também de virada, também em casa, também na terceira rodada.
Paul disse…
Báh professor, que belissíma leitura da partida. De arrepiar.
Vicente Fonseca disse…
Valeu, Paul! Grande abraço.