Dez milhões de vencedores

Talvez muitos não tenham se dado conta disso, mas o Rio Grande do Sul fez história ontem à tarde. A iniciativa do Gre-Nal com torcida mista vai muito além de uma jogada de marketing: ela serve como um exemplo de que uma rivalidade extremamente acirrada como a entre Internacional e Grêmio não precisa ter violência. Televisões de diferentes países foram ao Beira-Rio não por causa de um clássico pouco empolgante, válido pela primeira fase do campeonato estadual, mas por conta do setor onde 2 mil pessoas fizeram história, e orgulharam outras 10 milhões. Há muito tempo o Rio Grande não produzia uma façanha que servisse de modelo à toda terra, como diz seu hino. Demos um passo importantíssimo e maravilhoso para acabar com a violência em nossos estádios. O próximo clássico na Arena, por exemplo, já terá 5,5 mil colorados, um recorde nos últimos dez anos.

Uma façanha tão grande, tão espetacular, que o que ocorreu em campo fica em segundo plano. É verdade que o clássico não ajudou muito. Não chegou a ser um Gre-Nal pobre em emoções, mas sim em qualidade técnica. Não dava para esperar muito mais: o time misto do Internacional e o time que o Grêmio colocou a campo (chamá-lo de titular seria uma bondade) não seriam mesmo capazes de produzir muito mais.

O Tricolor fez um bom primeiro tempo. É verdade que sofreu com boas tramas de Anderson, Valdívia e Nilmar nos 15 minutos iniciais, mas, passada a correria do começo, impôs sua forte marcação. A estratégia de Luiz Felipe era clara: marcar forte e sair nos contragolpes. A escalação surpreendente de Lincoln e Yuri Mamute se revelou um grande acerto: abastecidos por Douglas, os dois deram dores de cabeça à defesa do Inter sempre que pegaram na bola. Com mais explosão, bom jogo de corpo e capacidade de concluir com força após dribles curtos, Mamute se credencia para a titularidade nos próximos jogos. Mostrou grande evolução nos últimos meses.

O Grêmio terminou o primeiro tempo bem superior, ganhando todos os rebotes, pressionando o Inter contra o seu campo e criando uma chance atrás da outra de marcar. O intervalo veio em péssima hora, portanto. E a mexida de Felipão também: Giuliano precisa jogar em um time tão limitado, mas sua entrada desarticulou a boa transição ofensiva que tinha o Tricolor e abriu mais espaços atrás, já que o seguro Araújo deixou o campo. O Colorado dominou a maior parte da segunda etapa mais por isso que pelo ingresso de Vitinho, que passou a noite tentando jogadas de efeito fora de hora e se atirando, rindo ironicamente para o trio de arbitragem a cada falta pretextada não concedida. Razões que explicam seu insucesso na Europa.

O Inter também melhorou com a saída de Alex, mas não por causa dele, e sim da boa entrada de Luque. Ele e Alisson Farias deram velocidade e agudez, algo que Vitinho não conseguiu nunca. Aí entram os méritos gremistas do segundo tempo: o empate se deu porque Marcelo Grohe fez ao menos uma defesa muito difícil, Matías Rodríguez foi surpreendentemente implacável na marcação a quem caísse pelo seu lado, Erazo e Rhodolfo tiraram tudo da área, Walace e Fellipe Bastos mandaram no meio de campo e Marcelo Oliveira, apesar de alguns erros, foi sólido na esquerda.

Portanto, o Grêmio, embora não tenha sido superior (nem inferior) no geral, mostrou qualidades na frente no primeiro tempo e atrás no segundo. Ou seja: evoluiu. E só assim mesmo seria capaz de empatar com o bom mistão do Internacional, que vai melhor que os titulares em 2015. Ainda assim, não haverá grandes legados táticos do clássico para o Tricolor. Luiz Felipe montou um esquema para não perder o jogo, algo natural na situação em que seu grupo se encontra. Este esquema não será utilizado no restante do Gauchão por duas razões: Giuliano tem que jogar para dar qualidade à criação e jogar no contra-ataque só é possível em Gre-Nal no estadual, não contra times do interior. O que fica, mesmo, é a boa partida de Lincoln e o merecimento de uma sequência para Yuri Mamute, que foi o melhor dos três centroavantes testados por Felipão após a saída de Barcos e Marcelo Moreno.

Para o Inter, como para o Grêmio, o 0 a 0 é um resultado aceitável. No caso azul, a crise dá uma leve trégua de uma semana; no caso vermelho, não há uma derrota que desestabilize o ambiente para a Libertadores. Fora de campo, as duas torcidas venceram; dentro dele, nenhum dos dois times perdeu. O saldo, apesar dos pesares, ficou positivo para todo mundo.

Em tempo:
- Houve brigas, sim, dos mesmos imbecis de sempre. Mas elas não mancham o clássico: são o gol de Oscar nos acréscimos, quando a Alemanha (no caso, todos nós) já vencia por 7 a 0.

- Única ressalva à torcida mista: não tivemos o teste do gol. Em momentos de comemoração, os ânimos poderiam se exaltar. Fica pro próximo Gre-Nal.

Comentários

Sancho disse…
Minha Manchete:

"Grê-Nal 404 - Inter Humilhado: 0 a 0"

Que fase, a nossa...
Sancho disse…
Convenha-se que é melhor setor mistos separando as torcidas que aqueles espaços vazios.