Ponderando as ponderações

É claro que várias ponderações devem ser colocadas a respeito da derrota do Grêmio para o Aimoré. Porém, paradoxalmente, todas precisam ser relativizadas: porque, por mais que seja só o segundo jogo da temporada, que a equipe ainda não tenha o preparo físico ideal, que não tenham jogado Erazo, Geromel, Ramiro, Walace, Araújo e Giuliano, que a partida tenha começado de forma atípica, com um gol sofrido aos 90 segundos, e que Luiz Felipe ainda esteja fazendo testes, nada justifica o futebol paupérrimo do Tricolor no Cristo Rei. Um futebol tão mínimo que a imensa maioria dos lances de gol veio na bola parada, e que o tento alcançado foi ao acaso. Gauchão pode ser parâmetro, sim, e principalmente se o futebol apresentado é abaixo da crítica, caso de ontem.

A primeira consideração a se fazer é que a ausência de Barcos não foi determinante para a má partida tricolor. É claro que o Pirata tem mais poder no ataque que Lucas Coelho, mas o erro é de origem, não de nomes: está na formação do setor ofensivo. Se com o argentino a escalação de dois centroavantes já tendia ao fracasso, sem ele isso é mais que evidente. Felipão, porém, insiste numa formação que nunca deu certo em lugar algum, nem com os fenomenais Adriano e Ronaldo - na Copa de 2006, Gilardino e Toni foram campeões do mundo, mas fracassaram como dupla (3 gols em 7 jogos) e foram o ponto fraco da Itália de Lippi. Ontem, Moreno era obrigado a sair da área, seu habitat natural, para não bater cabeça com o colega. Os dois juntos só devem ser utilizados em último caso, no final de um jogo onde a bola aérea seja um recurso indispensável.

É preciso dizer, porém, que desta vez o treinador gremista tentou fazer o time jogar pelos dois lados. Luan atuou um pouco mais adiantado, como uma espécie de ponta direita. Pela esquerda, a tentativa era fazer o jovem Júnior subir, e deu certo, pois ele foi o único que se salvou na noite de ontem. O que Felipão não contava era com a eficiência do Aimoré. A marcação era feroz: a partir dela, a inversão errada de Luan para Júnior resultou no contragolpe que Mikael finalizou com extrema categoria e uma dose de sorte. O 1 a 0 contra, logo no começo, dificultava demais as coisas para um time cheio de guris.

Com os volantes em má noite e Douglas muito marcado, Luan e Júnior eram obrigados a buscar jogo o tempo todo, o que dificultava demais a chegada ao ataque diante de um rival fechado. O Aimoré passou o primeiro tempo inteiro marcando muito forte, seja no campo de defesa ou na saída de bola. Constragedoramente, o Grêmio só levava perigo em bolas aéreas. O time de São Leopoldo, ao contrário, nas raras vezes em que estava com posse no ataque, era sempre insinuante. O segundo gol, de Rennan, em falha de Marcelo Grohe, veio num momento de equilíbrio, no qual o Tricolor começava a melhorar.

E foi a senha para um segundo tempo horroroso. Mesmo que Luan tenha passado para a esquerda (e melhorado), e Everton entrado na direita, a equipe só começou a crescer a partir da saída do estático Douglas para o ingresso do inquieto Lincoln. Galhardo piorou demais atuando no meio, Matías Rodríguez entrou mal atrás e ineficaz como sempre na frente. O gol de desconto veio ao acaso, e nem mesmo as duas justas expulsões do Aimoré melhoraram a situação. Porque time desorganizado, mesmo com dois a mais, sofre para criar. E o Grêmio sofreu a noite toda. Errou passes fáceis, pareceu bem pior do que realmente é. De arrepiar a torcida, no pior sentido.

Não dá para dizer que o ano todo será assim - contra o União Frederiquense, o time fez jogo tranquilo - mas a atuação de ontem assusta com razão o torcedor. O Grêmio tem muitas peças a acrescentar nesse time, mas muitos erros a corrigir também. A previsível lerdeza de Douglas atrapalha o setor criativo, o esquema com dois centroavantes deixa o time sem nenhum de fato, a entrada atrapalhada do jovem Arthur (menos por culpa dele, mais pela falta de coordenação tática da equipe) deixou o time sem cobertura para os laterais ultraofensivos, a insistência de Fellipe Bastos em arriscar chutes sem direção irrita. Há muito trabalho para Luiz Felipe realizar. Tempo ainda não falta, mas desafios também não.

Em tempo:
- A possível saída de Felipão para o Japão, por mais improvável que seja, seria trágica. Mesmo que algumas de suas escolhas devam ser questionadas, é ele quem conduz o trabalho de profunda renovação do elenco Grêmio. Perdê-lo em fevereiro seria deixar nas mãos de um outro profissional um carro difícil de dirigir, e andando. Esta peça o Tricolor não pode deixar sair. E nenhuma outra, aliás, pois já foram embora nomes demais.

- O heroísmo e a qualidade de atuação do Aimoré devem ser saudados. Excelente trabalho de Paulo Porto até agora. Mais um dele, aliás.

Ficha técnica
Campeonato Gaúcho 2015 - 1ª fase - 2ª rodada
4/fevereiro/2015
AIMORÉ 2 x GRÊMIO 1
Local: Cristo Rei, São Leopoldo (RS)
Árbitro: Roger Goulart
Público: 2.758
Renda: R$ 116.680,00
Gols: Mikael 1 e Rennan 46 do 1º; Luan 25 do 2º
Cartão amarelo: Marcelo Pitol, Toto, Fellipe Bastos e Luan
Expulsão: Mikael 38 e Viana 44 do 2º
AIMORÉ: Marcelo Pitol (7), Toto (6), Diego Rocha (5,5), Lacerda (6,5) e Pavone (5,5); Álvaro (6,5), Faísca (6), Mikael (7) e Rennan (7) (Gian, 30 do 2º - 5,5); Viana (5,5) e Diego Pereira (6,5) (Moacir, 42 do 2º - sem nota). Técnico: Paulo Porto (7)
GRÊMIO: Marcelo Grohe (4,5), Galhardo (5,5), Rhodolfo (5,5), Marcelo Oliveira (5) e Júnior (6); Arthur (4,5) (Matías Rodríguez, intervalo - 4), Fellipe Bastos (4,5), Douglas (4,5) (Lincoln, 17 do 2º - 5,5) e Luan (5,5); Lucas Coelho (4,5) (Everton, intervalo - 5) e Marcelo Moreno (5). Técnico: Luiz Felipe (3,5)

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