O fim do jogador-pizza
A mudança determinada ontem pela FIFA é a de maior impacto sobre os clubes brasileiros desde o fim do passe, com a Lei Pelé. A proibição de jogadores fatiados entre clubes e investidores atingirá, na verdade, o mundo todo, mas alterará diretamente o modo como se faz futebol no país que, apesar dos 7 a 1, ainda é o maior exportador de jogadores do mundo.
Será um novo momento de desambiguação, tão importante quanto o ocorrido no começo do século. Entre 1999 e 2001, período entre a aprovação da Lei Pelé e sua consequente aplicação, os clubes brasileiros tomaram dois rumos diferentes no entendimento do que seria a nova realidade. Uns optaram por realizarem parcerias com empresas, relegando as categorias de base a um segundo plano. De que adiantaria formar jogadores se eles tinham liberdade para sair? Parecia mais lógico ter verba para contratações caras e, assim, formar um time competitivo, do que cuidar do atleta desde o infantil, alimentá-lo, treiná-lo para, com 17 anos, vê-lo sair para um clube do segundo escalão europeu. Era um entendimento que fazia sentido na época, mas essencialmente no curto prazo. Tanto que os clubes que adotaram este modelo se deram bem num primeiro momento, mas penaram a seguir.
Outros foram além da leitura imediatista, realizando um projeto de longo prazo. Optaram justamente por fortalecer suas categorias de base. Parecia uma loucura: não dispunham de parceiros para formar equipes caras e competitivas, apostando num modelo que lhes retiraria os jogadores formados em poucos meses. Na primeira proposta era melhor vender o jovem, ou então ele corria o risco de sair de graça. Só que cada vez mais jovens eram formados, e cada vez mais clubes europeus se interessavam em disputar esses jovens. Isso aos poucos elevou o preço médio dos jogadores, e foi dando mais fôlego aos clubes brasileiros que optaram por este caminho. Manter jogadores por mais tempo passou a ser menos impossível do que parecia. Em 2005, Robinho foi vendido por cerca de R$ 53 milhões, um valor astronômico ainda nos dias de hoje em termos de transferências de clubes nacionais para os de fora. Nenhum clube entendeu melhor aquele momento do futebol brasileiro do que o Santos.
Enquanto isso, quem optou pelas parcerias tinha apenas contas a pagar e estava só começando a investir de forma mais efetiva na base. Havia pelo menos meia década de distância entre os clubes que escolheram pelos modelos diferentes. O exemplo mais gritante foi entre os rivais Corinthians e São Paulo: com um elenco estrelado em 2005, quando foi campeão brasileiro, o Timão em dois anos se viu rebaixado, já sem Tevez e Mascherano, mas com Zelão, Bruno Octavio e Clodoaldo. O Tricolor, depois de revelar nomes como Júlio Baptista e Kaká, depois de passar uns anos sem grandes taças, foi campeão da Libertadores, Mundial e tri brasileiro consecutivo, até hoje um recorde. A diferença entre o começo de século do Internacional para o do Grêmio também se deve bastante a isso.
Agora, os dirigentes dos nossos clubes terão sua segunda prova de interpretação de texto no século XXI. E ela é similar à primeira: o impacto inicial da medida será forte, e, para a grande maioria dos clubes, negativo. Muitos tem percentual ínfimo dos direitos econômicos de vários de seus principais jogadores. Como a medida tem quatro anos para entrar em vigor, isso significa que em breve todos estes jogadores-pizza, fatiados entre clubes e empresários, terão de deixar suas equipes, para que os fundos recebam o investimento que fizeram de volta antes de serem oficialmente proibidos. E os clubes não receberão quase nada em troca em termos financeiros, já que não possuem percentuais dos passes. E, sem a ajuda de tais investidores, terão também mais dificuldades em contratar nomes caros e formar equipes competitivas num primeiro momento. Viveremos uma fase de crise técnica no Campeonato Brasileiro semelhante à que vivemos entre 2002 e 2005, quando os clubes ainda se adaptavam à Lei Pelé e nossos craques saíam daqui com 18 ou 19 anos de idade.
Mas o mercado é criativo. Os investidores, podem ter certeza, não deixarão o futebol. O Caso da Doyen é um bom exemplo. O fundo emprestou ao Santos R$ 40 milhões para tirar Leandro Damião do Internacional. Não tem nem 0,1% do passe do centroavante, ou seja, isso não configura intermediação. Mas receberá todo o dinheiro emprestado ao Peixe de volta, com juros de 10% ao ano. Uma negociação que, como toda deste tipo, é ótima para quem empresta e péssima para quem usufrui do empréstimo. Os R$ 40 milhões o fundo receberá de volta dando Damião certo (o que não tem ocorrido) ou não, mesmo que o Santos o venda por apenas R$ 1 milhão a quem quer que seja. E, se ele der certo e o Peixe vendê-lo por mais do que os R$ 40 milhões investidos, 80% do dinheiro da venda fica com os investidores. Ou seja: uma tragédia financeira que o clube assume apostando tudo num jogador extremamente irregular.
A Doyen saiu à frente da concorrência, já prevendo que a FIFA fosse aplicar esta regulamentação. E o Santos deu a dica para os demais clubes: quem optar pelo caminho curto, de prazo imediato, vai se dar mal, como em 2001. O negócio, mais uma vez, será apostar na base, e não cair nas tentações milagrosas de um empréstimo milionário. Formar jogadores qualificados, mais uma vez, será a saída para qualificar as equipes, melhorar a infraestrutura dos clubes e deixá-los mais saudáveis financeiramente. Essa revolução vai fazer bem para o futebol brasileiro. Mesmo que de início não pareça.
De bom tamanho
O Grêmio discordou da decisão do Pleno do STJD, mas em termos práticos ela ficou de bom tamanho para o clube. A pena de exclusão foi reformada para a perda de pontos. Na prática, dá no mesmo, mas a imagem do Tricolor fica um pouco (mas só um pouco) menos arranhada. E ser recolocado na Copa do Brasil em troca da perda de dois mandos de campo a serem cumpridos em 2015, seria um péssimo negócio. Afinal, o time já está praticamente eliminado do torneio deste ano, e se veria comprometido não podendo jogar dois confrontos em casa na próxima temporada. Poderia comprometer a campanha de 2014 e 2015.
Carta na Mesa
A edição desta quinta-feira está disponível para download. Voltamos na segunda-feira, ao vivo, às 10h (com reprise às 13h), na Rádio Estação Web.
Será um novo momento de desambiguação, tão importante quanto o ocorrido no começo do século. Entre 1999 e 2001, período entre a aprovação da Lei Pelé e sua consequente aplicação, os clubes brasileiros tomaram dois rumos diferentes no entendimento do que seria a nova realidade. Uns optaram por realizarem parcerias com empresas, relegando as categorias de base a um segundo plano. De que adiantaria formar jogadores se eles tinham liberdade para sair? Parecia mais lógico ter verba para contratações caras e, assim, formar um time competitivo, do que cuidar do atleta desde o infantil, alimentá-lo, treiná-lo para, com 17 anos, vê-lo sair para um clube do segundo escalão europeu. Era um entendimento que fazia sentido na época, mas essencialmente no curto prazo. Tanto que os clubes que adotaram este modelo se deram bem num primeiro momento, mas penaram a seguir.
Outros foram além da leitura imediatista, realizando um projeto de longo prazo. Optaram justamente por fortalecer suas categorias de base. Parecia uma loucura: não dispunham de parceiros para formar equipes caras e competitivas, apostando num modelo que lhes retiraria os jogadores formados em poucos meses. Na primeira proposta era melhor vender o jovem, ou então ele corria o risco de sair de graça. Só que cada vez mais jovens eram formados, e cada vez mais clubes europeus se interessavam em disputar esses jovens. Isso aos poucos elevou o preço médio dos jogadores, e foi dando mais fôlego aos clubes brasileiros que optaram por este caminho. Manter jogadores por mais tempo passou a ser menos impossível do que parecia. Em 2005, Robinho foi vendido por cerca de R$ 53 milhões, um valor astronômico ainda nos dias de hoje em termos de transferências de clubes nacionais para os de fora. Nenhum clube entendeu melhor aquele momento do futebol brasileiro do que o Santos.
Enquanto isso, quem optou pelas parcerias tinha apenas contas a pagar e estava só começando a investir de forma mais efetiva na base. Havia pelo menos meia década de distância entre os clubes que escolheram pelos modelos diferentes. O exemplo mais gritante foi entre os rivais Corinthians e São Paulo: com um elenco estrelado em 2005, quando foi campeão brasileiro, o Timão em dois anos se viu rebaixado, já sem Tevez e Mascherano, mas com Zelão, Bruno Octavio e Clodoaldo. O Tricolor, depois de revelar nomes como Júlio Baptista e Kaká, depois de passar uns anos sem grandes taças, foi campeão da Libertadores, Mundial e tri brasileiro consecutivo, até hoje um recorde. A diferença entre o começo de século do Internacional para o do Grêmio também se deve bastante a isso.
Agora, os dirigentes dos nossos clubes terão sua segunda prova de interpretação de texto no século XXI. E ela é similar à primeira: o impacto inicial da medida será forte, e, para a grande maioria dos clubes, negativo. Muitos tem percentual ínfimo dos direitos econômicos de vários de seus principais jogadores. Como a medida tem quatro anos para entrar em vigor, isso significa que em breve todos estes jogadores-pizza, fatiados entre clubes e empresários, terão de deixar suas equipes, para que os fundos recebam o investimento que fizeram de volta antes de serem oficialmente proibidos. E os clubes não receberão quase nada em troca em termos financeiros, já que não possuem percentuais dos passes. E, sem a ajuda de tais investidores, terão também mais dificuldades em contratar nomes caros e formar equipes competitivas num primeiro momento. Viveremos uma fase de crise técnica no Campeonato Brasileiro semelhante à que vivemos entre 2002 e 2005, quando os clubes ainda se adaptavam à Lei Pelé e nossos craques saíam daqui com 18 ou 19 anos de idade.
Mas o mercado é criativo. Os investidores, podem ter certeza, não deixarão o futebol. O Caso da Doyen é um bom exemplo. O fundo emprestou ao Santos R$ 40 milhões para tirar Leandro Damião do Internacional. Não tem nem 0,1% do passe do centroavante, ou seja, isso não configura intermediação. Mas receberá todo o dinheiro emprestado ao Peixe de volta, com juros de 10% ao ano. Uma negociação que, como toda deste tipo, é ótima para quem empresta e péssima para quem usufrui do empréstimo. Os R$ 40 milhões o fundo receberá de volta dando Damião certo (o que não tem ocorrido) ou não, mesmo que o Santos o venda por apenas R$ 1 milhão a quem quer que seja. E, se ele der certo e o Peixe vendê-lo por mais do que os R$ 40 milhões investidos, 80% do dinheiro da venda fica com os investidores. Ou seja: uma tragédia financeira que o clube assume apostando tudo num jogador extremamente irregular.
A Doyen saiu à frente da concorrência, já prevendo que a FIFA fosse aplicar esta regulamentação. E o Santos deu a dica para os demais clubes: quem optar pelo caminho curto, de prazo imediato, vai se dar mal, como em 2001. O negócio, mais uma vez, será apostar na base, e não cair nas tentações milagrosas de um empréstimo milionário. Formar jogadores qualificados, mais uma vez, será a saída para qualificar as equipes, melhorar a infraestrutura dos clubes e deixá-los mais saudáveis financeiramente. Essa revolução vai fazer bem para o futebol brasileiro. Mesmo que de início não pareça.
De bom tamanho
O Grêmio discordou da decisão do Pleno do STJD, mas em termos práticos ela ficou de bom tamanho para o clube. A pena de exclusão foi reformada para a perda de pontos. Na prática, dá no mesmo, mas a imagem do Tricolor fica um pouco (mas só um pouco) menos arranhada. E ser recolocado na Copa do Brasil em troca da perda de dois mandos de campo a serem cumpridos em 2015, seria um péssimo negócio. Afinal, o time já está praticamente eliminado do torneio deste ano, e se veria comprometido não podendo jogar dois confrontos em casa na próxima temporada. Poderia comprometer a campanha de 2014 e 2015.
Carta na Mesa
A edição desta quinta-feira está disponível para download. Voltamos na segunda-feira, ao vivo, às 10h (com reprise às 13h), na Rádio Estação Web.
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