No país do 7 a 1, não tem defesa ruim (ou ataque bom?)

Sábado, acompanhando o jogo entre Palmeiras e Internacional, a transmissão do Premiere chamou a atenção para um dado, logo após Jorge Henrique ter marcado aquele que seria o único gol da partida: o time paulista tinha a pior defesa do Campeonato Brasileiro. Fiquei curioso na hora, pois não lembrava de ver o Palmeiras tomar tantos gols assim, apesar da péssima campanha. Fui à tabela e conferi: a equipe palestrina tinha o pior desempenho defensivo da competição (Criciúma e Atlético Paranaense lhe tomariam este posto no dia seguinte), mas o número de gols sofridos era relativamente baixo: 24, em 18 jogos.

Se é curioso para quem é de dentro, imagina para quem chega de fora: no país do 7 a 1, 45 dias depois de ver o Brasil sofrer com sua pior defesa na história da Copa do Mundo, não há sequer uma defesa realmente ruim no Campeonato Brasileiro. Criciúma e Atlético Paranaense são os reis dos gols tomados neste certame de 2014. Levaram 25, em 18 partidas. A média, de 1,38 por jogo, projetaria um total de 53 gols sofridos ao final da competição. Nunca na história do campeonato por pontos corridos este índice, o de gols sofridos, foi tão baixo. Ser vazado 53 vezes em um campeonato de 38 rodadas é um desempenho fraco, mas longe de catastrófico.

Mérito das defesas? Também. Mas igualmente, há uma grande colaboração da ineficiência dos ataques neste caso. Deixando o implacável Cruzeiro e seus 38 gols marcados de lado (média de 2,11 por jogo), só São Paulo (1,61) e Fluminense (1,56) possuem ataques realmente prolíficos. Nada menos que 11 dos 20 times, mais da metade, portanto, têm média igual ou inferior a 1,00 gol marcado por partida, um índice ridículo. Nesta conta estão equipes com atacantes e meias reconhecidamente qualificados, como Grêmio e Santos. O Criciúma, dono da pior defesa, tem o mais ridículo dos ataques: 9 gols em 18 jogos, ou média de 0,50 por jogo. O América de Natal de 2007, tido como o pior time da elite nos últimos 11 anos, marcava 0,63 por partida.

A verdade é que, embora nunca tenhamos tomado tão poucos gols, também nunca fizemos tão poucos. Ao menos nestes anos de turno e returno. Talvez seja pelo sucesso dos sólidos times de Muricy Ramalho que a mentalidade tenha mudado: "defesas fortes ganham campeonatos", virou o mantra. Desde 2011, a média de gols do Brasileirão só tem caído: 2,68 naquele ano, 2,47 em 2012, 2,46 em 2013. Neste ano, é de 2,11. E aí surgem as estatísticas de que Ricardo Goulart e Marcelo Moreno, juntos, têm mais gols que 11 dos 20 times da Série A. Nunca atacamos tão mal.

Mas também nunca nos defendemos tão bem quanto em 2014. Afinal, uma projeção de 53 gols sofridos para a pior das 20 defesas bateria qualquer recorde recente de gols tomados. Em 2013, a pior retaguarda tomou 79, e outros três clubes sofreram 54 ou mais tentos; em 2012, a defesa mais vazada tomou 72, e outras quatro equipes levaram 54 ou mais; em 2011, foram 75 gols sofridos pelo Avaí, e seis equipes sofreram mais do que 54 gols. Isso só para pegar os últimos três anos. Se recuarmos até 2003, os índices serão bem semelhantes.

O Brasil, na verdade, está reproduzindo em 2014 uma lógica que acompanha o futebol europeu há uma década, pelo menos: defender-se bem não é mais o diferencial de uma equipe, como ocorria nos anos 1980 e 1990. A lógica se inverteu: agora, tomar poucos gols é a obrigação mínima de qualquer time de primeira divisão que se preze. Atacar com qualidade e marcar muitos gols é o diferencial. Ter consistência defensiva é a base. Saber furar a consistência defensiva do adversário com qualidade e aproveitar as chances criadas com eficiência é o que torna um time campeão e outro mediano. Não percebeu isso ainda, caro leitor? Basta olhar o próximo jogo do Cruzeiro. É uma bela aula.

O suicídio da Geral
Há tempos a Geral deixou de ser um "movimento", como gosta de se autodefinir, e se transformou em uma organizada. O envolvimento de seus líderes com a política do Grêmio é bem sintomático neste sentido. No caso de domingo, foi visível que os cantos utilizando a palavra "macaco" foram usados como provocação e com a intenção de prejudicar a direção atual, a qual cortou benefícios, como custeio de ingressos e viagens para seus integrantes. Tais músicas foram gritadas com mais entusiasmo e vigor que qualquer outro cântico durante a sonolenta partida contra o Bahia, para que todos pudessem ouvir em alto e bom som. A resposta foi duríssima, de todos: os demais torcedores a vaiaram, repudiando a atitude; Homero Bellini Jr., candidato à presidência, reiterou que não quer saber de apoio do grupo político da Geral nas próximas eleições; e a direção gremista impõe medidas que colocam a organizada na clandestinidade. A proibição de venda e usufruto de produtos com a marca Grêmio praticamente a inviabilizam financeiramente.

Mesmo que não tenham sido torcedores ligados à Geral que cometeram o ato racista contra a Aranha, e mesmo que ela não seja uma torcida deliberadamente racista, a insistência infantil em cantar músicas com a palavra "macaco" num momento em que o Grêmio é réu por racismo é inapropriada, e mostra um comportamento absolutamente infantil da organizada. As sanções foram duras: hoje a Geral não tem a simpatia da imensa maioria dos demais torcedores do Grêmio, perdeu apoio político, tem a imagem definitivamente manchada no país inteiro e ainda sofre com sanções pesadíssimas da direção. Cometeu suicídio, em suma. Não vai acabar de uma hora para outra, mas, se não mudar de comportamento, está caminhando para isso.

Comentários

Lique disse…
impressiona a quantidade de gols de cabeça, tanto de escanteio quanto em jogadas de linha de fundo, do time do cruzeiro. e isso sem um centroavante classico, ninguém muito alto.

enquanto isso o grêmio, que tem barcos, werley e rhodolfo, não consegue cabecear a gol mesmo com 17 escanteios a seu favor contra o santos.
Vicente Fonseca disse…
É a velocidade do Cruzeiro que torna o time assim, tão mortal no jogo aéreo. Porque os gols não nascem de meros chuveirinhos, mas normalmente em contragolpes. É impressionante o tempo de bola pelo alto do Ricardo Goulart, por exemplo. Já fez vários gols de cabeça quase idênticos, subindo por trás da zaga.