Grêmio ou "macacos", quem mata quem?

A melhor notícia desta sexta-feira cheia de atrocidades partiu da Torcida Jovem, do Grêmio: retirar os termos "macaco" e "macacada" de todas as suas músicas. Uma atitude mínima, infelizmente ainda não acompanhada pela principal organizada do clube, mas que já sinaliza uma pequena mudança de pensamento entre torcedores gremistas, e parte de uma questão gravíssima, que é preciso evitar a qualquer custo: que o Grêmio e sua torcida fiquem marcados como racistas.

Muitos ainda não se deram conta, mas estamos caminhando, infelizmente, para isso. Sim, eu sei que se trata de uma generalização imbecil; sei também que é uma meia dúzia que não representa os 99% restantes dos torcedores do clube, muito menos o clube; igualmente sei que já há veículos de comunicação fazendo uma simplificação grotesca, ofensiva, injusta e abominável, como toda generalização. Mas o fato é que os casos de insultos raciais de quinta-feira não foram os primeiros, nem neste ano. E eles geram repercussão, uma repercussão grande, imensa, a ponto de alguns imbecis apedrejarem a casa de uma das racistas, conseguindo ser mais imbecis que ela própria. E, gerando esta imensa repercussão, estes fatos prejudicam, e muito, a imagem do Grêmio e de sua torcida perante o resto do país.

Muito já se argumentou que os gremistas não são racistas ao chamarem os colorados de "macacos". Pode até ser verdadeira a história de que o termo tenha sugido do fato de o Inter "imitar" o Grêmio, ou do fato de que torcedores seus subissem em árvores para acompanhar jogos nos Eucaliptos. Pessoalmente, não acredito em nenhuma destas versões, mas nem vou entrar nesse mérito, pois não é o ponto a que quero chegar. A questão é que a origem não interessa mais. Afinal, talvez 1% das pessoas no Brasil sabem dessas histórias, mas 99% sabem que o termo "macaco" é racista. Adivinhem o que esses 99% que não conhecem as historinhas, mas sabem o quanto a palavra é ofensiva, vão pensar, ainda mais depois de repetidas notícias de insultos raciais em jogos do Grêmio? Que os torcedores do Grêmio são racistas. Assim, no geral. Assim, injustamente. Mas infelizmente é o que vai acontecer, e já vem acontecendo. A conclusão é óbvia. E se o clube não pune exemplarmente quem comete estes crimes, a imagem que vai ficando é a de que ele faz vista grossa para isso.

Em Gre-Nais, havia a desculpa de que o "macaco" era para designar o colorado de forma pejorativa, como no caso dos "leprosos" e dos "canalhas", no clássico de Rosário, por exemplo. Apesar disso, só jogadores negros eram ofendidos pessoalmente: foi assim com Paulão e com Zé Roberto (aquele ex-Inter, no Gre-Nal de 2011). Quinta-feira, a prova de que o termo é usado por certos torcedors com conotação racista veio em definitivo. Afinal, Aranha nunca sequer passou perto de jogar no Internacional. Mas é negro, como Paulão e Zé Roberto.

Talvez alguns gremistas (cada vez menos, suponho) ainda acreditem que não há problema em usar o termo "macaco" para se referir ao Internacional, pois acreditam fazê-lo sem intuito racista. Talvez eles façam isso e condenem os atos dirigidos a Aranha, afinal, foi uma ofensa pessoal e claramente guiada pelo preconceito racial, e não um xingamento generalizado a milhões de pessoas, como no caso dos Gre-Nais. Mas já não basta mais ser honesto, é preciso parecer honesto. O torcedor pode achar que não está sendo racista ao chamar a torcida adversária de "macacada", mas à imensa maioria das pessoas o termo soa, sim, racista, nojento, asqueroso. E tudo isso só prejudica, e muito, a imagem do Grêmio e de sua torcida, pois só reforça episódios como o ocorrido com Aranha. A repetição de casos como o de quinta requer que se repense seriamente essa conduta, pois ela pode ganhar uma conotação bem diferente do que muitos torcedores acham que ela de fato tem e merece.

Se a questão humanitária em relação aos negros infelizmente não sensibiliza, que estes gremistas pensem, ao menos, em sua própria imagem como torcedores e na imagem do clube que amam. Para quem não se diz e de fato não é racista, ter carimbada a marca de racista é pesado demais. Muito mais pesado que exclusão de torneio, que rebaixamento forçado, que perda de mando de campo. Sei que não chegamos nem perto do ponto daqueles torcedores da Lazio que promoveram atos racistas de forma organizada e hostilizaram jogadores do próprio clube, mas também não somos mais o Villarreal, que teve um caso isolado, mas de grande repercussão. Já são alguns casos, que se repetem e precisam ser coibidos antes que a marca grude e não tenha mais volta. Ainda dá tempo. Abolir o "macaco" das músicas seria a primeira resposta a qualquer ligação que se possa fazer entre o Grêmio e o preconceito. A outra vem do Grêmio, como instituição: a promoção de campanhas muito mais massivas e punições duras a quem descumprir esses termos. Afinal, é o clube quem mais tem a perder com isso tudo. E o clube não é racista. Eu jamais torceria por um clube racista.

Não interessa mais se a pecha é justa ou não, se os gritos têm origem racista ou não, se tu é racista ou não. Ou a torcida do Grêmio extirpa o "macaco" ou o "macaco" vai ajudar a matar a imagem da torcida do Grêmio. É como um duelo numa cidade fantasma do Velho Oeste: alguém vai morrer, resta saber quem. A escolha correta me parece óbvia. Deixar de usar tais termos é só o primeiro passo, mas que precisa ser dado. Os gremistas darão uma imensa prova de grandeza se conseguirem mudar sua mentalidade e gritarem para o mundo todo que abominam racismo e injúrias raciais, e provarem isso na prática. Ou será que gritar "macacada" no estádio é tão bom que vale à pena fazê-lo mesmo vendo o time ficar com uma pecha injusta e cruel jogando um bom tempo com portões fechados na segunda divisão?

Punições à vista
A suspensão do jogo de volta entre Santos e Grêmio e a expulsão do Icasa da Série B sinalizam que vem chumbo grosso por aí. Possivelmente a exclusão do Tricolor da Copa do Brasil. Como o clube já expulsou dois dos sócios pelos insultos de quinta-feira, acredito que seja injusto expulsá-lo do torneio, mas ao mesmo tempo é educativo para os idiotas: racismo pode não tirar mando de campo, mas tirar o teu time do campeonato. As pessoas vão pensar duas vezes antes de falarem asneiras. E, neste caso não se trata da maldita "punição exemplar", apenas: o Grêmio, infelizmente, é reincidente. São muitos casos isolados, que já não configuram mais uma exceção.

Em tempo:
- Nada disso isenta os gritos homofóbicos de torcedores do Internacional, tão graves quanto os racistas que partem do Grêmio. A questão é que, no caso do Tricolor, a marca está ficando cada vez mais forte. A luta contra a homofobia nos estádios está muito mais atrasada que a contra o racismo, e precisaria ocorrer de forma generalizada. Afinal, são tantas as torcidas que utilizam cantos homofóbicos (inclusive a do Grêmio), que fica impossível taxar apenas uma delas com esta pecha.

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