A desculpa útil da Sul-Americana

A teoria da conspiração, sempre ela, anda espalhando por aí que Internacional, São Paulo e Fluminense perderam de propósito na Copa do Brasil para disputarem a Sul-Americana. Sabe como é: caminho teoricamente menos complicado, prêmios maiores, visibilidade maior... Valeria a pena cair cedo na Copa do Brasil. Alguns torcedores mais orgulhosos destes três clubes adoraram: disputar a Sul-Americana virou desculpa útil para quem dá fiasco na Copa do Brasil, competição, aliás, que historicamente protagoniza esse tipo de situação envolvendo grandes times.

É tudo balela. Ou, como chamamos aqui no Rio Grande, trova. E das brabas.

Primeiro, vamos aos fatos: a Copa Sul-Americana dá premiações em dinheiro ao seu campeão equivalentes às da Copa do Brasil. E quem ganha o torneio conquista vaga na fase preliminar da Libertadores, ao contrário do torneio nacional, que classifica direto para a etapa de grupos. O caminho, além disso, é mais longo: são 10 jogos até o título, contra 8 que faltariam para quem chegasse às oitavas da Copa do Brasil. Tirando a visibilidade, ou a possibilidade de um título inédito (que destes três só o Flu poderia alegar), não há vantagem nenhuma disputá-la.

Fora ser mais longo, é um torneio mais complicado do que parece: afinal, além de Boca, River, Estudiantes, Sport, Universidad de Chile, Lanús, Peñarol, Universidad Católica, Deportivo Cali, Emelec, Millonarios, Cerro Porteño e Libertad, entre outros, há agora Inter, São Paulo e Fluminense na parada. A Copa do Brasil, por sua vez, tem apenas Corinthians, Cruzeiro e Atlético-MG entre equipes fortes que estão na ponta de cima do Brasileiro. Com três dos mais cotados favoritos caindo na disputa, o caminho se abre para os demais. Equipes como Atlético-PR e Grêmio, que disputaram a Libertadores mas não vivem momento tão bom quanto esses citados, crescem na parada também.

Na prática, o que ocorreu ontem foram dois fiascos de São Paulo e Fluminense e a confirmação do que já se esperava, no caso colorado. Abel Braga alega problemas físicos dos titulares. A colocação de um time misto em Fortaleza pode sim sinalizar o foco no Brasileirão, mas nunca um desprezo à Copa do Brasil. Seria uma injustiça com o Ceará, que ganhou no Beira-Rio com sobras (chegou a perder pênalti) e repetiu a dose no Castelão, fazendo 3 a 1 ao natural, sem precisar jogar a mesma bola que jogou em Porto Alegre. Ganhou, em suma, porque foi melhor, nos dois jogos. Se o Inter eventualmente tirou o pé (algo que sua postura ontem não sinaliza, apesar do fracasso), foi porque acabou suplantado no jogo de ida. Quando quis jogar, e não conseguiu. É bem mais nobre admitir que o adversário foi melhor do que dizer que houve entregada, quando não houve.

O caso do Fluminense é o mais fiasquento e provavelmente o menos plausível de que tenha havido corpo-mole. Se a equipe de Cristóvão Borges quisesse mesmo ser eliminada, para que golear o América-RN por 3 a 0 com tamanha superioridade no jogo de ida? Não seria mais fácil levar time reserva a Natal, se o objetivo era ir para a Sul-Americana? Ontem, o Flu chegou a estar vencendo por 2 a 1, e só quatro gols potiguares no segundo tempo o eliminariam. O que houve foi um grande apagão na etapa final, o mesmo apagão que acometeu outro carioca, no caso o Flamengo, diante de outro América, no caso o mexicano, em 2008. Desta vez, Pimpão foi o herdeiro de Cabañas. Os 5 a 2 são tão históricos para o time de Natal quanto desastrosos para os cariocas. E mais: se o Santos não eliminar hoje o Londrina (perdeu fora de casa na ida por 2 a 1), nem Sul-Americana o Fluminense vai pegar. Mau negócio, não?

Quanto ao São Paulo, embora é claro que o 3 a 1 do Bragantino surpreenda, também não é nada que seja fora da rotina. O time de Muricy Ramalho é bom, mas instável, e vem acumulando maus resultados contra equipes menores em casa. Neste Brasileiro, para pegarmos apenas jogos realizados após a Copa do Mundo, perdeu para a Chapecoense e empatou com o Criciúma em casa. No ano passado, assim como ontem, saiu ganhando da Ponte Preta na semifinal da Copa Sul-Americana e tomou os mesmos 3 a 1 de virada. É bem mais provável que o time não tenha funcionado do que entregado, principalmente porque a integridade é uma das grandes qualidades do seu treinador.

Ser eliminado na Copa do Brasil de propósito para disputar a Copa Sul-Americana é coisa de clube pequeno ou médio, sem visibilidade fora do país. Náutico, Ponte Preta e Portuguesa, por exemplo, estão cansados de jogar a competição nacional, mas raramente figuram em gramados internacionais. Para eles, sim, a Sul-Americana é uma novidade que valoriza suas marcas continentalmente - e que lhes foi negada em 2014, por conta das zebras de ontem. Já Inter, Flu e São Paulo são frequentadores assíduos das canchas argentinas, uruguaias, chilenas e por aí vai. São clubes grandes, que entram em todas as competições de grande porte para ganhar. Seria muito pequeneza da parte dos três caírem fora de propósito. Seria burrice criar uma crise gratuitamente, em prol de um torneio de importância e dificuldade equivalente à Copa do Brasil. Os três perderam na bola, deram fiasco, amarelaram, usem o termo que quiser. O resto é desculpa útil.

Em tempo:
- Porém, se é para mudar o esdrúxulo regulamento de classificar quem vai mal na Copa do Brasil à Sul-Americana, entoarei o discurso de que houve entrega-entrega. Neste caso, viva a teoria da conspiração!

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