Pintou a primeira mudança

A melhor notícia do jogo de hoje em Brasília nem foi tanto a já esperada vitória brasileira sobre Camarões. Foi a descoberta da mudança que pode fazer o Brasil crescer como time e, enfim, virar um candidato confiável a esta Copa do Mundo. A exemplo de 2002, Felipão achou a mexida que pode dar uma nova vida à equipe. Se no Oriente Juninho Paulista deixou o time e a entrada de Kleberson trouxe novo dinamismo ao Brasil, agora a saída de Paulinho impera, e Fernandinho correspondeu à altura, fazendo no segundo tempo tudo o que o (talvez antigo) titular não conseguiu na Copa toda.

O primeiro tempo brasileiro foi assustador. A classificação não chegou a estar de fato ameaçada porque a Croácia não esteve nunca perto de vencer o México, mas uma derrota para Camarões era bem possível pelo que estava pintando. O começo foi até promissor: a Seleção teve aproximações, jogadores se achando uns aos outros no ataque, marcação-pressão na saída de bola. Aos poucos, porém, os africanos foram recuperando algumas bolas no meio e criando perigo. Quando Neymar tirou seu primeiro coelho da cartola e fez 1 a 0, foi um alívio: estávamos diante de uma impensável e constrangedora dominação camaronesa.

O pior é que o gol não melhorou o Brasil. O time africano seguiu levando a melhor no meio, e via no lado direito defensivo do Brasil a mesma avenida que Croácia e México já haviam utilizado. A atuação de Daniel Alves, especialmente no primeiro tempo, foi um desastre. O lance do gol de empate ilustra bem isso: Nyom é o lateral direito reserva de Camarões, mas, mesmo torto e tropeçando na bola, conseguiu envolver o ala do Barcelona e criar a jogada do gol de Matip.

A tendência era de um desastre, pelo andar da carruagem. O Brasil não tinha sequer uma jogada decente de ataque. Com Oscar em mais uma tarde anêmica e Paulinho sumidaço, a bola não passava nunca pelo meio. A única jogada eram balões de trás procurando Neymar. Para sorte da Seleção, ele estava em uma tarde tão inspirada que chegou a lembrar Romário em 1994. Recebeu um desses lançamentos, se virou sozinho contra a defesa e contou a falha na saída de Itandje para fazer o 2 a 1 que era tão salvador quanto injusto. Impossível, ele fez uma jogada espetacular no final do primeiro tempo, desperdiçada por Hulk, que mais uma vez marcou demais e chutou de menos a gol.

A paciência de Felipão com Paulinho se esgotou no intervalo, e a entrada de Fernandinho melhorou demais o Brasil. É claro que o gol de Fred, em ótimo cruzamento de David Luiz, facilitou as coisas. Porém, é inegável que tudo melhorou na equipe a partir da entrada do volante do Manchester City. Houve o elemento-surpresa, como o quarto gol sugere; houve mais vitalidade na marcação; houve mais tabelamentos buscando o gol, embora Oscar seguisse fora do jogo; e houve muito mais tranquilidade: Camarões jamais ameaçou na etapa final, ao contrário da inicial.

A entrada de Fernandinho, porém, não é ainda a tábua de salvação do Brasil na Copa do Mundo. É só o primeiro passo para ajeitar a casa. Há diversos outros problemas a corrigir. Daniel Alves, Oscar e Hulk já foram citados. Marcelo, sem a qualidade que se esperava no apoio, obriga Neymar a jogar sozinho, parecendo longe de editar a bela dupla da Copa das Confederações. Fred, ao menos, desencantou hoje. Não há reserva à altura, de todo modo.

Seja como for, diante do Chile será preciso jogar muito mais futebol. Vulnerável pelos lados, o Brasil tende a ter problemas com Sánchez e Vargas. Precisará estar preparado para as boas infiltrações de Vidal e Aránguiz. Será o quarto confronto entre ambos em Copas. E, 52 anos depois de ser eliminado pelos brasileiros na semifinal quando jogavam em casa, os chilenos têm uma chance única e histórica de devolver na mesma moeda. E não é uma hipótese tão remota assim: jogando o que jogou em quase toda a primeira fase, o Brasil corre risco, sim, de ser eliminado no sábado. O Chile não é o favorito, mas o Brasil precisa melhorar, e bastante. Se Camarões colocou a Seleção na roda no primeiro tempo, é melhor nem pensar o que pode fazer o ótimo de Sampaoli no Mineirão.

Ficha técnica
Copa do Mundo 2014 - Grupo A - 3ª rodada
23/junho/2014
BRASIL 4 x CAMARÕES 1
Local: Mané Garrincha, Brasília (BRA)
Árbitro: Jonas Eriksson (SUE)
Público: 69.112
Gols: Neymar 16, Matip 25 e Neymar 33 do 1º; Fred 3 e Fernandinho 38 do 2º
Cartão amarelo: M'Bia, Enoh e Salli
BRASIL: Júlio César (5,5), Daniel Alves (4), Thiago Silva (6), David Luiz (6,5) e Marcelo (5,5); Luiz Gustavo (6), Paulinho (4) (Fernandinho, intervalo - 7) e Oscar (4,5); Hulk (5) (Ramires, 17 do 2º - 5,5), Fred (6) e Neymar (8,5) (Willian, 25 do 2º - 5,5). Técnico: Luiz Felipe
CAMARÕES: Itandje (5), Nyom (6,5), N'Koulou (4), Matip (5,5) e Bedimo (4,5); N'Guemo (5,5), M'Bia (5,5) e Enoh (5); Choupo-Moting (5,5) (Makoun, 35 do 2º - sem nota), Aboubakar (6) (Webo, 26 do 2º - 5,5) e Moukandjo (5) (Salli, 12 do 2º - 5). Técnico: Volker Finke

Comentários

Franke disse…
Estava agora vendo o VT e fiquei impressionado com como o Brasil, desde o início, só dava chutão em tentativa de ligação direta. Os gols do Neymar maquiaram e salvaram a pior parcial de 45 min de toda a Copa do Brasil até agora.

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Não achei o Oscar tão mal. Criou muito menos do que pode, mas pelo menos me parecia ajudar na marcação ou na disputa de bola.

Já nossas laterais são UNA PESADILLA. Se o Brasil fosse jogar agora contra a Holanda, o Robben faria uns 368 gols puxando pelo meio e abrindo pela esquerda.

Ainda assim, concordo muito com a puxada do texto: achamos pelo menos o início da mudança. Contudo, concordo ainda mais com o final: nunca antes o Chile teve tanta chance. E sinceramente: em termos de bola jogada, o Brasil não é favorito.
Vicente Fonseca disse…
Quanto ao Oscar, concordo que se aplicou na marcação, mas a função dele é criar, e isso ele só fez na estreia contra a Croácia. Queria crer que os amistosos ruins tinham sido a exceção na trajetória dele em 2014, mas pelo jeito a exceção foi diante dos croatas. Tomara que cresça, o Brasil precisa do futebol dele.