Esperadas dificuldades e placar enganoso

É claro que a Copa do Mundo começar com um gol contra de uma das grandes estrelas da seleção brasileira não estava no script, mas as surpresas na tarde-noite do Itaquerão pararam por aí. O bom futebol da Croácia não surpreende, a vitória brasileira, apesar disso, também não, a má atuação do time de Felipão era relativamente previsível. Aliás, o modo como ela foi construída, pênalti inexistente à parte, também: o Brasil tomou um gol em falha coletiva de sua inconfiável defesa e chegou à virada na base de jogadas individuais, como vimos em praticamente todos os amistosos de preparação.

O placar de 3 a 1 é extremamente enganoso. A Croácia não só não foi inferior ao Brasil como foi a controladora de pelo menos metade da partida. A seleção de Felipão entrou em campo emocionada, alguns jogadores indo às lágrimas pela força do momento, mas também muito tensa. E isso se refletiu na má partida da equipe, especialmente os primeiros 10 minutos. Enquanto a equipe canarinha não conseguia achar espaços, os croatas encaixaram sua eficiente marcação desde o início e saíam para o ataque com muito mais organização e perigo.

Enquanto o Brasil afunilava, a Croácia procurava os lados do campo, e era muito mais perigosa. Primeiro, aos 6 minutos, foi o ótimo Perisic quem achou Jelavic livre em cruzamento perfeito, aproveitando a deficiência brasileira na bola área. Aos 10, numa das tantas avenidas que Daniel Alves deixou abertas a tarde toda, Olic cruzou, David Luiz perdeu para Jelavic e a bola bateu em Marcelo e entrou. A marca de abrir a Copa em casa com um gol contra de cara pesa, mas o lateral esquerdo não foi nem de longe o único, e talvez nem o principal culpado pelo lance.

O Brasil sentiu o gol. Demorou mais alguns minutos até entrar no jogo. Começou a equilibrar quando Neymar veio buscar jogo. Na prática, o camisa 10 foi um meia pela esquerda, com Oscar aberto pela direita. O esperado 4-3-3 de Felipão foi, quase que o tempo todo, um 4-4-2 hoje. Aberto pela destra, Oscar cresceu demais no jogo e passou a ditar o ritmo da seleção, numa grande atuação. Foi ele, aos 22, que quase fez, após jogadaça de Neymar. O craque da seleção, aliás, poderia ter sido expulso por Yuichi Nishimura aos 26 - um lance não de vermelho claro, mas passível de expulsão. Um claro indício do descontrole emocional brasileiro. O gol do próprio Neymar, aos 28, lembrou um pouco o de Rivaldo contra a Dinamarca em 1998: chute no cantinho, rasteiro, sem tanta força. E veio na hora certa.

Com o empate, o Brasil cresceu no jogo. Aproveitou o momento bom para jogar no campo croata, e não era mais tão ameaçado. O intervalo, portanto, vinha numa hora ruim, pois interrompia um período de dominação brasileira. Isso ficou provado na volta do segundo tempo, talvez o pior momento do time da casa no jogo. Os primeiros 15 minutos foram pavorosos: a Croácia era muito mais consciente, ganhava todos os rebotes, trocava passes com naturalidade e via o Brasil só se livrar da bola com chutões e ligações diretas. Muito porque Modric cresceu no jogo, virando o centro distribuidor da equipe. A hipótese de uma derrota amarela nunca ficou tão clara, nem mesmo quando a Croácia fez 1 a 0, quanto no começo do segundo tempo.

Aí, entra a arbitragem. Em 2002, Kim Young-Joo, sul-coreano, marcou um pênalti absolutamente fora da área sobre Luizão, ajudando a garantir uma vitória do Brasil na estreia da Copa contra outra seleção do leste europeu - no caso, a Turquia. Hoje, Nishimura marcou um pênalti totalmente inexistente sobre Fred, que deu ao Brasil uma vantagem não apenas injusta como ilusória pelo que era o jogo, pois a seleção era inferior à Croácia naquele momento da partida. E seguiu assim: daquele instante, aos 25, até o golaço de Oscar, aos 45, o Brasil sofreu demais para segurar o magro e mal construído 2 a 1 que tinha no placar. Os croatas tiveram várias oportunidades de igualar o placar, chegava a ser constrangedora a atuação da seleção, mas o gol no fim garantiu as festas, os aplausos e a ideia de que a vitória era incontestável. Não foi.

Incontestável foi a atuação de Oscar, por exemplo. Eu mesmo reiterei que duvidava de sua capacidade de coordenar a criação da seleção sozinho. Foi o melhor em campo e marcou um gol de quem sabe, com uma conclusão precisa e surpreendente. E aí entra um mérito de Felipão: Oscar não foi o único meia do Brasil. Ao contrário de todos os jogos anteriores, atuou aberto pela direita, com Neymar pela esquerda. Esta mudança de posicionamento foi decisiva para sua boa atuação, e já é uma alternativa tática importante da equipe. Mas não é dia de se derramar em elogios ao técnico brasileiro: a equipe teve grandes dificuldades de criar e marcar a Croácia, falhou defensivamente tanto no miolo de zaga quanto pelos lados e precisou, afinal, de um pênalti inexistente para virar o jogo. Há muito o que melhorar.

Quanto à Croácia, a derrota é amarga pela boa atuação da equipe, mas as perspectivas para a Copa são positivas. Mesmo sem seu principal atacante, a equipe de Nico Kovac encarou o Brasil como um time grande que é, e poderia ter saído com um resultado bem melhor de Itaquera. Diante de Camarões e México, tem tudo para se impor e conquistar os pontos que hoje escaparam por muito pouco.

Ficha técnica
Copa do Mundo 2014 - Grupo A - 1ª rodada
12/junho/2014
BRASIL 3 x CROÁCIA 1
Local: Itaquerão, São Paulo (BRA)
Árbitro: Yuichi Nishimura (JAP)
Público: 62.103
Gols: Marcelo (contra) 10 e Neymar 28 do 1º; Neymar (pênalti) 25 e Oscar 45 do 2º
Cartão amarelo: Neymar, Luiz Gustavo, Corluka e Lovren
BRASIL: Júlio César (5,5), Daniel Alves (4), Thiago Silva (6), David Luiz (5,5) e Marcelo (4,5); Luiz Gustavo (6,5), Paulinho (5,5) (Hernanes, 17 do 2º - 5,5) Oscar (7,5) e Neymar (7) (Ramires, 42 do 2º - sem nota); Hulk (5) (Bernard, 22 do 2º - 5,5) e Fred (5). Técnico: Luiz Felipe
CROÁCIA: Pletikosa (4,5), Srna (6), Corluka (6,5), Lovren (5,5) e Vrsaljko (5,5); Rakitic (6,5), Modric (6) e Kovacic (5,5) (Brozovic, 15 do 2º - 5,5); Perisic (7), Jelavic (5,5) (Rebic, 32 do 2º - 5,5) e Olic (7). Técnico: Nico Kovac

Comentários

Sancho disse…
Oscar foi tudo isso, porém há de se registrar que o Neymar - e olha que eu elogiar o Neymar é difícil – foi o ÚNICO que começou o jogo ligado.