Faltou tranquilidade
Faltou tranquilidade ao Grêmio em tudo ontem à noite. Tranquilidade na hora de criar, de definir, de ter paciência, de enfrentar a previsível cera argentina. Faltou tranquilidade aos 47 mil torcedores que foram à Arena, que apoiaram o time antes do jogo e em seus primeiros 20 minutos, mas começaram a se enervar a cada erro de passe, mesmo que no primeiro tempo - muito mais reflexo do longo jejum de títulos e da ansiedade em encerrá-lo do que em relação à partida em si, onde a equipe fez um bom segundo tempo e se entregou o tempo todo. Ao San Lorenzo, por sua vez, sobrou tranquilidade - mesmo que sua ansiedade clubistica por ganhar a Libertadores seja infinitamente maior que a do persistente jejum gremista. Este detalhe fez toda a diferença nos pênaltis, que definiram o equilibrado confronto entre o vice-campeão brasileiro e o campeão argentino.
Fazer dois gols no San Lorenzo não era uma tarefa impossível, ao contrário, desde que o primeiro gol fosse pensado antes do segundo. Mas não: o time de Enderson Moreira foi ansioso, refletindo em campo o clima das arquibancadas. Começou até bem: aos 10 minutos, Barcos quase fez um golaço por cobertura salvo em cima da linha por Buffarini. Um bom início que não se prolongou num primeiro tempo no qual a equipe teve dificuldades em criar situações. Zé Roberto jamais se encontrou na nova função que lhe foi atribuída. Luan, por sua vez, não teve a vitória pessoal costumeira e foi visto muito mais no meio que na ponta direita, que é onde ele rende mais. Aliás, afunilar o jogo foi uma péssima tendência executada pelo Grêmio em toda a etapa inicial.
Tudo isso facilitou a vida do San Lorenzo, que conseguiu neutralizar as investidas gremistas e ainda levar perigo em alguns poucos contra-ataques. Se Barcos levava vantagem sobre Gentiletti em determinados momentos, se Dudu superava Buffarini em outros, sempre havia Valdés, Más, Mercier e Ortigoza se desdobrando na marcação. E Piatti, ao contrário de Buenos Aires, fez um partidaço, puxando o time de trás em velocidade e sempre distribuindo o jogo com categoria. Se Blandi tivesse atuado, e não Matos, talvez o time argentino tivesse aberto o placar em um contra-ataque surgido após erro crasso de Pará, ainda na metade da etapa inicial.
Enderson insistiu um pouco mais em Luan e Zé Roberto no segundo tempo, com correção, mas não deu resultado. O jeito foi mudar, e as trocas foram boas: Maxi Rodríguez e Rodriguinho entraram muito bem no jogo, cada um em um lado do campo. Lucas Coelho, mais tarde, foi muito bem jogando como meia, uma novidade. O Grêmio passou a ter jogadas pelos dois lados, encurralou o San Lorenzo e criou uma chance atrás da outra. Algumas foram salvas por Torrico, outras pela zaga, outras batiam na trave. Mas uma haveria de entrar. E quando tudo levava a crer que mais uma eliminação num 0 a 0 frustrante viria, o baixinho Dudu se esticou todo, aproveitou um chute de Rodriguinho para enfiar com coragem a cabeça na bola e fazer o 1 a 0. Um gol de pura raça do melhor jogador gremista em campo, que inflamou a Arena como nunca antes em sua curta história. Nos descontos, Lucas Coelho quase fez o segundo. Um desvio providencial de Valdés impediu a classificação no tempo normal.
Nos pênaltis, faltou tranquilidade e, também, sorte. Claro que levar para os penais o que parecia uma desclassificação certa é algo maravilhoso e que deu um impulso psicológico importante, mas o mau aproveitamento do Grêmio nos treinos de terça e a grande forma do goleiro Torrico deixavam claro, de antemão, que as coisas não seriam fáceis. O erro do capitão Barcos (lembram de Grêmio x Corinthians, ano passado?) logo de cara intranquilizou todos os demais batedores. A bola de Maxi foi tocada por Torrico, bateu no travessão e não entrou; as de Blandi e Buffarini tocaram a trave e entraram. Sobrou sorte ao time argentino, também.
A vontade de chutar tudo para o alto e recomeçar do zero é natural por parte do torcedor, mas o que o Grêmio mais precisa agora é de calma, ou seja, tudo o que não teve ontem à noite. O desempenho na Libertadores foi bom, apesar da eliminação antes da hora. O Tricolor enfrentou apenas adversários fortes, e caiu ontem diante de uma equipe de nível, o atual campeão argentino, no detalhe. A eliminação, diante de tantas complicações, era possível de acontecer até mesmo na fase de grupos. Veio na etapa seguinte.
Duas coisas pesam para que se queira fazer terra-arrasada: o fiasco na decisão do Gauchão e os 13 anos sem títulos de grande porte. Estes dois fatores não deveriam entrar em campo, mas acabam pesando no clima da torcida e dentro do clube. Porém, é preciso ter frieza na análise e ver que o desempenho, as atuações do time dentro da competição continental, foram satisfatórios em sua grande maioria. Começar tudo do zero o Grêmio já fez dezenas de vezes nesta última década, e os resultados são sempre os mesmos. A hora é de baixar a começa, mudar algumas peças inevitáveis (Pará é a primeira delas), buscar reposições, não necessariamente caras, para gol, lateral, zaga e comando do ataque, e trabalhar. Jogar tudo pela janela é puro retrabalho.
Em tempo:
- Que se deixe claro: embora tenha faltado tranquilidade, o Grêmio não sucumbiu por causa dos jovens. Luan decepcionou, mas Zé Roberto também rendeu pouco, Barcos errou pênalti e Pará foi um desastre. Dudu fez ótima partida, Wendell cumpriu o seu papel e Lucas Coelho entrou bem. Fritar a gurizada não dá.
- A entrevista de Fábio Koff não garantiu a permanência de Enderson Moreira, o que pode ser definido hoje. Chamou a atenção seu discurso forte de desprezo ao Campeonato Gaúcho. A impressão que passa é que o presidente não queria a escalação de titulares na maior parte dos jogos do estadual, mas foi voto vencido e tratou de jogar a merda no ventilador.
- Recorde de público da Arena batido. Basicamente, o que se viram foram alguns camarotes e cadeiras gold vazios, além do espaço para separar a torcida do Grêmio da visitante. De resto, tudo lotado.
Ficha técnica
Copa Libertadores da América 2014 - Oitavas de final - Jogo de volta
30/abril/2014
GRÊMIO 1 x SAN LORENZO 0
Decisão por pênaltis: Grêmio 2 x San Lorenzo 4
Local: Arena do Grêmio, Porto Alegre (RS)
Árbitro: Roberto Silvera (URU)
Público: 47.244
Renda: R$ 2.394.936,00
Gol: Dudu 38 do 2º
Cartão amarelo: Pará, Zé Roberto, Edinho, Barcos, Gentiletti e Buffarini
GRÊMIO: Marcelo Grohe (5,5), Pará (3,5) (Lucas Coelho, 34 do 2º - 6), Werley (6), Geromel (6) e Wendell (6); Edinho (6), Riveros (5,5) e Zé Roberto (5) (Rodriguinho, 14 do 2º - 6,5); Luan (4,5) (Maxi Rodríguez, 18 do 2º - 5,5), Barcos (5,5) e Dudu (7). Técnico: Enderson Moreira
Pênaltis: Barcos (defendido), Riveros (gol), Maxi Rodríguez (defendido) e Rodriguinho (gol).
SAN LORENZO: Torrico (8), Buffarini (6), Valdés (6,5), Gentiletti (6) e Más (6); Mercier (7), Ortigoza (6,5), Villalba (5,5) (Prósperi, 24 do 2º - 5) e Piatti (7); Correa (5,5) (Elizari, 28 do 2º - sem nota) (Blandi, 46 do 2º - sem nota) e Matos (5). Técnico: Edgardo Bauza
Pênaltis: Ortigoza (gol), Matos (gol), Blandi (gol) e Buffarini (gol).
Fazer dois gols no San Lorenzo não era uma tarefa impossível, ao contrário, desde que o primeiro gol fosse pensado antes do segundo. Mas não: o time de Enderson Moreira foi ansioso, refletindo em campo o clima das arquibancadas. Começou até bem: aos 10 minutos, Barcos quase fez um golaço por cobertura salvo em cima da linha por Buffarini. Um bom início que não se prolongou num primeiro tempo no qual a equipe teve dificuldades em criar situações. Zé Roberto jamais se encontrou na nova função que lhe foi atribuída. Luan, por sua vez, não teve a vitória pessoal costumeira e foi visto muito mais no meio que na ponta direita, que é onde ele rende mais. Aliás, afunilar o jogo foi uma péssima tendência executada pelo Grêmio em toda a etapa inicial.
Tudo isso facilitou a vida do San Lorenzo, que conseguiu neutralizar as investidas gremistas e ainda levar perigo em alguns poucos contra-ataques. Se Barcos levava vantagem sobre Gentiletti em determinados momentos, se Dudu superava Buffarini em outros, sempre havia Valdés, Más, Mercier e Ortigoza se desdobrando na marcação. E Piatti, ao contrário de Buenos Aires, fez um partidaço, puxando o time de trás em velocidade e sempre distribuindo o jogo com categoria. Se Blandi tivesse atuado, e não Matos, talvez o time argentino tivesse aberto o placar em um contra-ataque surgido após erro crasso de Pará, ainda na metade da etapa inicial.
Enderson insistiu um pouco mais em Luan e Zé Roberto no segundo tempo, com correção, mas não deu resultado. O jeito foi mudar, e as trocas foram boas: Maxi Rodríguez e Rodriguinho entraram muito bem no jogo, cada um em um lado do campo. Lucas Coelho, mais tarde, foi muito bem jogando como meia, uma novidade. O Grêmio passou a ter jogadas pelos dois lados, encurralou o San Lorenzo e criou uma chance atrás da outra. Algumas foram salvas por Torrico, outras pela zaga, outras batiam na trave. Mas uma haveria de entrar. E quando tudo levava a crer que mais uma eliminação num 0 a 0 frustrante viria, o baixinho Dudu se esticou todo, aproveitou um chute de Rodriguinho para enfiar com coragem a cabeça na bola e fazer o 1 a 0. Um gol de pura raça do melhor jogador gremista em campo, que inflamou a Arena como nunca antes em sua curta história. Nos descontos, Lucas Coelho quase fez o segundo. Um desvio providencial de Valdés impediu a classificação no tempo normal.
Nos pênaltis, faltou tranquilidade e, também, sorte. Claro que levar para os penais o que parecia uma desclassificação certa é algo maravilhoso e que deu um impulso psicológico importante, mas o mau aproveitamento do Grêmio nos treinos de terça e a grande forma do goleiro Torrico deixavam claro, de antemão, que as coisas não seriam fáceis. O erro do capitão Barcos (lembram de Grêmio x Corinthians, ano passado?) logo de cara intranquilizou todos os demais batedores. A bola de Maxi foi tocada por Torrico, bateu no travessão e não entrou; as de Blandi e Buffarini tocaram a trave e entraram. Sobrou sorte ao time argentino, também.
A vontade de chutar tudo para o alto e recomeçar do zero é natural por parte do torcedor, mas o que o Grêmio mais precisa agora é de calma, ou seja, tudo o que não teve ontem à noite. O desempenho na Libertadores foi bom, apesar da eliminação antes da hora. O Tricolor enfrentou apenas adversários fortes, e caiu ontem diante de uma equipe de nível, o atual campeão argentino, no detalhe. A eliminação, diante de tantas complicações, era possível de acontecer até mesmo na fase de grupos. Veio na etapa seguinte.
Duas coisas pesam para que se queira fazer terra-arrasada: o fiasco na decisão do Gauchão e os 13 anos sem títulos de grande porte. Estes dois fatores não deveriam entrar em campo, mas acabam pesando no clima da torcida e dentro do clube. Porém, é preciso ter frieza na análise e ver que o desempenho, as atuações do time dentro da competição continental, foram satisfatórios em sua grande maioria. Começar tudo do zero o Grêmio já fez dezenas de vezes nesta última década, e os resultados são sempre os mesmos. A hora é de baixar a começa, mudar algumas peças inevitáveis (Pará é a primeira delas), buscar reposições, não necessariamente caras, para gol, lateral, zaga e comando do ataque, e trabalhar. Jogar tudo pela janela é puro retrabalho.
Em tempo:
- Que se deixe claro: embora tenha faltado tranquilidade, o Grêmio não sucumbiu por causa dos jovens. Luan decepcionou, mas Zé Roberto também rendeu pouco, Barcos errou pênalti e Pará foi um desastre. Dudu fez ótima partida, Wendell cumpriu o seu papel e Lucas Coelho entrou bem. Fritar a gurizada não dá.
- A entrevista de Fábio Koff não garantiu a permanência de Enderson Moreira, o que pode ser definido hoje. Chamou a atenção seu discurso forte de desprezo ao Campeonato Gaúcho. A impressão que passa é que o presidente não queria a escalação de titulares na maior parte dos jogos do estadual, mas foi voto vencido e tratou de jogar a merda no ventilador.
- Recorde de público da Arena batido. Basicamente, o que se viram foram alguns camarotes e cadeiras gold vazios, além do espaço para separar a torcida do Grêmio da visitante. De resto, tudo lotado.
Ficha técnica
Copa Libertadores da América 2014 - Oitavas de final - Jogo de volta
30/abril/2014
GRÊMIO 1 x SAN LORENZO 0
Decisão por pênaltis: Grêmio 2 x San Lorenzo 4
Local: Arena do Grêmio, Porto Alegre (RS)
Árbitro: Roberto Silvera (URU)
Público: 47.244
Renda: R$ 2.394.936,00
Gol: Dudu 38 do 2º
Cartão amarelo: Pará, Zé Roberto, Edinho, Barcos, Gentiletti e Buffarini
GRÊMIO: Marcelo Grohe (5,5), Pará (3,5) (Lucas Coelho, 34 do 2º - 6), Werley (6), Geromel (6) e Wendell (6); Edinho (6), Riveros (5,5) e Zé Roberto (5) (Rodriguinho, 14 do 2º - 6,5); Luan (4,5) (Maxi Rodríguez, 18 do 2º - 5,5), Barcos (5,5) e Dudu (7). Técnico: Enderson Moreira
Pênaltis: Barcos (defendido), Riveros (gol), Maxi Rodríguez (defendido) e Rodriguinho (gol).
SAN LORENZO: Torrico (8), Buffarini (6), Valdés (6,5), Gentiletti (6) e Más (6); Mercier (7), Ortigoza (6,5), Villalba (5,5) (Prósperi, 24 do 2º - 5) e Piatti (7); Correa (5,5) (Elizari, 28 do 2º - sem nota) (Blandi, 46 do 2º - sem nota) e Matos (5). Técnico: Edgardo Bauza
Pênaltis: Ortigoza (gol), Matos (gol), Blandi (gol) e Buffarini (gol).
Comentários
a pergunta que fica, ainda não me confirmaram:tendo caído cedo, o grêmio ainda tem vaga na copa do brasil deste ano?
Acho que o Grêmio tem que seguir o trabalho com o Enderson, manter a base e trabalhar com a garotada. E dar tchau para alguns jogadores.
A raiva e a tristeza são enormes, mas não podemos ignorar que o Grêmio caiu, no detalhe, para um grande time, um time que poderia estar na final.
(Será que sou conformista ao pensar assim?)
Sobre o Luan, não me surpreendeu a má atuação. Como comentei no Carta há umas semanas, não achava tão ruim ele ficar fora da equipe por um tempo. Acho que não está pronto ainda para a titularidade, tem que amadurecer mais.
Muito obrigado, Franke. Concordo com o teu comentário. Só uma discordância: o Luan está, sim, pronto para ser titular. Talvez não esteja pronto para ser "o cara" do time, mas para jogar desde o início está, sim, na minha opinião. Abraço!
O Koff foi campeão gaúcho em 1993, 1995 e em 1996. Só em 1995, os reservas jogaram o estadual.
Acho que o time tem boas chances de ir bem no Brasileiro, mas falta conseguir se impor nos mata-matas. A falta de qualidade de alguns e a pressão fazem o time "travar" nos confrontos diretos, como vem acontecendo nos últimos anos.
Tiago
Tiago, achei correta a escalação do Zé Roberto, mas também acho que talvez alguém poderia ter entrado antes no seu lugar, talvez no intervalo. O Luan, sim, valia a pena insistir um pouco mais.
E quanto a utilização dos titulares na final do Gauchão, o risco que o time corria era levar um laço do maior rival e criar um falso clima de desconfiança, o que aconteceu e minou a campanha do terceiro melhor classificado na Libertadores. Ao meu ver, é aquele pensamento de time pequeno que afeta muito a dupla Gre-Nal...