Sorteio ou azareio?

Cada tipo de grupo de Copa do Mundo tem seu lado bom e ruim. Enfrentar um grupo da morte prepara a seleção favorita preparada para qualquer parada mais adiante, mas é óbvio que o risco de ser eliminado de cara aumenta, fora o desgaste para passar da primeira fase. Pegar um grupo fácil é quase uma garantia de classificação, mas pode trazer avaliações irreais sobre o potencial de uma equipe que não pegou nenhuma seleção que realmente possa incomodar.

Para 2014, o Brasil pegou um grupo quase que ideal. Enfrentará Croácia, México e Camarões, três seleções médias, nenhuma realmente forte a ponto de ser candidata a uma semifinal, mas todas com potencial para complicar jogos, sem que a classificação fique realmente em risco. Porém, o caminho das oitavas em diante deve ser terrível, a começar por Espanha ou Holanda no primeiro mata-mata. E só vai piorar até a decisão.

Muitos falam que a Argentina deu sorte e o Uruguai deu azar. Incontestável, dados os adversários que caíram em suas respectivas chaves. Os argentinos devem passar fácil por Bósnia, Irã e Nigéria, e depois podem pegar Suíça ou Equador nas oitavas, nada que realmente assuste. Trajetória que deve começar a complicar nas quartas. Muito semelhante ao Brasil de 2002. Já o Uruguai, com o temível emparceiramento contra Itália, Inglaterra e Costa Rica, corre sério risco de cair de cara. Porém, hoje joga mais que a Inglaterra e tem individualidades superiores às da Itália. Se passar, pega alguém do mediano grupo da Colômbia. Poderá chegar às quartas de final com muita força, portanto.

Talvez o mais equilibrado tenha sido o caminho da Alemanha. Uma primeira fase relativamente difícil, mas sem tirar o sono, contra Portugal, Gana e Estados Unidos. Oitavas de final contra Bélgica ou Rússia, provavelmente. Todos adversários que impõem dificuldades, mas todos batíveis. Nas quartas, sim, o bicho pega. Mas aí pega para todo mundo.

Abaixo, de 1930 a 2010, trazemos em que tipo de grupo o campeão teve de enfrentar na primeira fase, e como foi quem pegou o grupo da morte e quem teve sorte de pegar adversários fracos na etapa inicial. Sete campeãs pegaram um grupo fácil na primeira fase, seis enfrentaram adversários médios e quatro saíram do grupo da morte. Os favoritos ou cabeças (já que eles nem sempre são favoritos) que pegaram o grupo mais complicado da Copa foram eliminados na primeira fase cinco vezes: em 1950, 1966, 1998, 2002 e 2010.

1930: o campeão Uruguai pegou um grupo tranquilo, contra Peru e Romênia. Quem pegou as pedreiras foi a vice-campeã Argentina, que teve de bater França, Chile e México já na primeira fase.

1934 e 1938: Copas disputadas em mata-matas, sem formação de grupos na primeira fase.

1950: numa Copa com desistências de seleções, o Uruguai deu sorte. Teve de enfrentar só a Bolívia na primeira fase, passou fácil com um 8 a 0 e foi campeão a seguir. O grupo da morte caiu no colo da Inglaterra: pegou Chile, Espanha e Estados Unidos e foi eliminada. Os espanhóis chegaram às semifinais.

1954: a campeã Alemanha Ocidental nem cabeça de chave era, mas deu a sorte de cair nu grupo fácil, com Turquia e Coreia do Sul, embora também com a favoritaça Hungria. Havia dois grupos da morte naquela época: Brasil, Iugoslávia, França e México era um, Suíça, Inglaterra, Itália e Bélgica o outro. Ninguém destes oito chegou às semifinais.

1958: mais uma vez, dois grupos da morte. O campeão Brasil caiu num deles, com União Soviética, Inglaterra e Áustria. No outro, tínhamos Alemanha Ocidental, Irlanda do Norte, Argentina e Tchecoslováquia. Argentinos e tchecos sobraram. O grupo mais fácil ficou com os donos da casa, a Suécia, que passou por País de Gales, Hungria e México na campanha do vice-campeonato.

1962: nesta Copa, nenhum grupo foi fácil, mas o que tinha o anfitrião Chile, mais Alemanha Ocidental, Itália e Suíça é um dos mais fortes da história dos Mundiais. Ninguém aí chegou à final. O Brasil pegou uma chave igualmente complicada, com a Tchecoslováquia (vice-campeã daquele ano), Espanha e México. Quase caiu fora, mas passou e foi campeão.

1966: anfitriã, a campeã Inglaterra pegou só pedreira na primeira fase: Uruguai, México e França. O grupo mais fácil caiu no colo da Itália, com União Soviética, Coreia do Norte e Chile, mas a Azzurra decepcionou e não passou de fase.

1970: o campeão Brasil pegou um grupo médio. Havia a favorita e atual campeã Inglaterra, mas também a média Romênia e uma Tchecoslováquia já decadente. Quem se deu bem foi a Alemanha Ocidental, pegando Peru, Bulgária e Marrocos na primeira fase, chegando ao 3º lugar no fim do torneio. A Itália, vice-campeã, ficou com a dureza: Uruguai, Suécia e Israel.

1974: a campeã e anfitriã Alemanha Ocidental se deu bem. Bateu Chile e Austrália e se deu ao luxo de perder para os conterrâneos orientais para escapar de um grupo difícil na segunda fase. O grupo mais duro caiu no colo da Itália, com Polônia, Argentina e Haiti.

1978: a anfitriã e campeã Argentina pegou um dos grupos mais duros da história na primeira fase, com França, Hungria e Itália. As barbadas vieram para a Holanda, vice-campeã: Peru, Escócia e Irã.

1982: o grupo da campeã Itália era bem médio e distribuído, com Camarões, Polônia e Peru. O grupo fácil foi o da vice-campeã Alemanha Ocidental, com Argélia, Áustria e Chile - ainda assim, os alemães perderam para os argelinos e por pouco não caíram fora. A dificuldade no sorteio veio para os ingleses, com França e Tchecoslováquia na chave, além do fraco Kuwait.

1986: o grupo da morte reunia a sensação Dinamarca, os bicampeões Alemanha Ocidental e Uruguai e a Escócia. Os alemães foram vice-campeões. A Argentina, campeã, pegou um grupo médio: havia a atual campeã Itália, mas também as fracas Bulgária e Coreia do Sul. O grupo mais fácil veio para o anfitrião México, que recebeu Bélgica, Paraguai e Iraque, mas parou nas quartas de final.

1990: o Brasil pegou o grupo mais tranquilo, com Suécia, Costa Rica e Escócia. A chave da campeã Alemanha Ocidental era média, com Iugoslávia, Emirados Árabes e Colômbia. Vida dura teve a vice-campeã Argentina, que quase caiu fora diante de Camarões, Romênia e União Soviética.

1994: mais uma vez, um campeão com um grupo médio. O Brasil teve Rússia, Camarões e Suécia na primeira fase. O grupo mais duro acabou sendo o da vice-campeã Itália, onde houve quádruplo empate em pontos na chave com Irlanda, Noruega e México. A barbada veio para a Alemanha, que pegou a difícil Espanha e as fracas Bolívia e Coreia do Sul, mas não passou das quartas de final.

1998: a campeã França pegou uma chave tranquila, com África do Sul, Arábia Saudita e Dinamarca. O grupo mais duro foi o da Espanha, que pegou Nigéria, Paraguai e Bulgária e foi eliminada de cara.

2002: campeão, o Brasil pegou o grupo mais fraco da Copa, com Turquia, China e Costa Rica. Enquanto isso, a Argentina se estrebuchou com Inglaterra, Suécia e Nigéria e foi eliminada antes dos mata-matas.

2006: grupo médio para a campeã Itália, com República Tcheca, Gana e Estados Unidos. A brabeza veio novamente para a Argentina, com Holanda, Sérvia e Costa do Marfim - os argentinos caíram nas quartas. Vida fácil teve a Espanha, com Ucrânia, Tunísia e Arábia Saudita. Nas oitavas, a Fúria caiu.

2010: a Espanha pegou uma chave relativamente tranquila, com Suíça, Chile e Honduras. O grupo da morte vitimou pela primeira vez uma seleção anfitriã, com a África do Sul sendo a primeira na história a não passar de fase ao enfrentar França, México e Uruguai.

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