Señoras y señores...
No dia de ontem completaram-se duas décadas de um dos maiores jogos da história do futebol sul-americano. Quem viu aquele Argentina 0 x 5 Colômbia ao vivo, como eu, até hoje não compreende exatamente como a histórica goleada sofrida pela então bicampeã continental e vice-campeã mundial ocorreu. Porque olhando time por time, jogador por jogador, todos entendíamos que a Argentina tinha mais recursos. E, revendo as escalações hoje, 20 anos e 1 dia depois, eu chego a exatamente essa mesma conclusão.
O que pesou, senhores, foi o momento. De um lado, uma Argentina desacostumada a perder, mas que vinha tropeçando além da conta nas eliminatórias. Era uma geração vencedora e brilhante: conquistara a Copa de 1986, fora vice em 1990 e ganhara duas Copas América, em 1991 e no próprio ano de 1993 (a final, contra o México, ocorreu apenas 63 dias antes deste fiasco). De outro, uma Colômbia que crescia cada vez mais: chegara, em 1990, pela primeira vez a uma segunda fase de Copa do Mundo. No ano seguinte, com vitória sobre o Brasil na fase de grupos, foi semifinalista da Copa América. Naquele mesmo 1993, foi terceira colocada no torneio continental, invicta. Disputou duas partidas com a campeã Argentina e não perdeu nenhuma. Caiu só nos pênaltis para a albiceleste, após um duríssimo 0 a 0. Era um time que aliava a experiência de Valderrama à relativa juventude de Asprilla e Valencia, isso sem falar na qualidade de Rincón e no então menino Aristizábal, na época só uma promessa. Uma geração como nenhuma outra na história do país, cheia de confiança.
Para fechar o cenário explosivo, as eliminatórias eram de tiro curto, e não como hoje, em turno e returno. De um lado havia um grupo com cinco seleções (Brasil, Uruguai, Equador, Bolívia e Venezuela), e duas passavam. De outro, um quadrangular (Argentina, Colômbia, Paraguai e Peru), onde só um se classificava para o Mundial e outro disputaria a repescagem contra a Austrália. Vale lembrar que o Chile havia sido suspenso pela FIFA devido ao Caso Rojas, ocorrido em 1989.
Portanto, era um mini Copa do Mundo que levaria à Copa em si - afinal, em Copas, o momento pesa demais. No grupo argentino, os jogos foram de 1º de agosto a 5 de setembro, um intervalo de 35 dias, minúsculo se comparado aos dois anos que temos hoje. E os argentinos começaram bem, ganhando do Peru e do Paraguai fora de casa. Mas levaram 2 a 1 da Colômbia em Barranquilla na 3ª rodada, dia 15 de agosto de 1993, uma derrota que pesou decisivamente para o jogo do dia 5 de setembro. Naquele duelo, os colombianos não só assumiram a liderança do grupo como impuseram ao time de Alfio Basile sua primeira derrota em 33 jogos. Sabem qual era a última? A final da Copa de 1990, 1 a 0 para a Alemanha, com aquele pênalti extraduvidoso convertido por Brehme.
Naquele momento, começava a aumentar cada vez mais pressão para a convocação de Diego Maradona para defender a albiceleste, algo muito semelhante ao que ocorria com Romário no Brasil naquele mesmo período. Envolvido com drogas dois anos antes, Dieguito nunca mais vestira a camiseta argentina em competições oficiais. Já tinha 32 para 33 anos, e Basile preferia apostar na renovação. Deixar o maior craque da história do país de fora era duro, mas convenhamos, ainda havia um timaço mesmo sem ele: Ruggeri, 31 anos, desfilava categoria na zaga; Redondo, Simeone e Batistuta, entre os 23 e os 24 anos, mostravam que o país teria uma grande seleção por muito tempo; e Léo Rodríguez, 26, era o centro técnico do meio-campo. Quem quiser uma mostra do que o cabeludo era capaz de fazer, é só olhar essa partidaça que ele fez contra o Brasil, pela Copa América de 1991. Sabia muito.
Era, porém, um time rejuvenescido em relação ao vice-campeão do mundo em 1990, e renovações dão certo com vitórias, não com a pressão de chegar a uma Copa do Mundo sem o maior astro do país e com tropeços. Depois de perder em Barranquilla, a Argentina jogaria três partidas em casa, só um pontinho atrás da Colômbia (eram dois por vitória), mas a pressão seria imensa. Primeiro, uma vitória apertada sobre o fraco Peru, 2 a 1, enquanto os colombianos empatavam fora com o Paraguai, 1 a 1. Os argentinos voltavam à liderança pelo saldo, mas o 0 a 0 em casa com o Paraguai, na penúltima rodada, em Buenos Aires, foi decisivo. Ao mesmo tempo, os colombianos aplicavam 4 a 0 no Peru, dando mostras de que viriam confiantes para o jogo decisivo. Com um empate, a Colômbia chegaria à Copa e mandaria a Argentina para a repescagem.
Chegou então o fatídico 5 de setembro de 1993. A Argentina partiu com tudo para cima, criou várias chances de marcar, mas parou na imprecisão de seus atacantes (Batistuta perdeu gols como nunca) e no goleiraço Oscar Córdoba, então com apenas 23 anos, que faria história no Boca Juniors anos depois. A Colômbia sentiu o golpe e cometeu erros bobos, mas como o gol não saía a pressão psicológica pendia cada vez mais para o lado dos jogadores argentinos, que sentiam o peso da responsabilidade. O nervosismo aumentou aos 41 minutos, quando Valderrama genialmente aproveitou a zaga argentina fora do lugar, no afã de atacar, para servir Rincón, que driblou Goycochea e fez um golaço.
A goleada, mesmo, só veio no segundo tempo. A Argentina tentou a pressão no comecinho da etapa final, mas completamente desorganizada, tanto que Asprilla recebe a bola só com um marcador no segundo gol, e não foi um lance de contragolpe. Eram quatro minutos, faltavam 41, mas voltar do intervalo disposto a pressionar até obter a virada e levar 2 a 0 foi um baque terrível. Aí sim, o desespero tomou conta de vez. Completamente escancarada, a defesa argentina levou mais três gols entre os 27 e os 39 minutos. Não foi um baile da Colômbia do 1º ao 90º minuto: foi uma atuação extremamente inteligente de uma equipe que soube se postar atrás e jogar nos erros motivados pelo desespero argentino, que contou com ótimos jogadores em uma jornada inspirada e que teve, também, alguma sorte de não levar gols quando ela própria, Colômbia, cometeu erros bobos no primeiro tempo, sofrendo com a pressão rival.
E o drama argentino não ocorria só em Buenos Aires. Em Lima, o Paraguai empatava em 2 a 2 com o Peru e, se marcasse mais um golzinho, tiraria os argentinos até mesmo da repescagem, já que, devido aos 5 a 0, o saldo da bicampeã do mundo já era inferior ao dos guaranis. A Argentina teve muito mais sorte que juízo: os peruanos eram os lanternas da chave, com zero ponto, mas seguraram o empate que tirou os paraguaios da Copa. Como em 1978, um favorzinho inca salvou a albiceleste.
Os 5 a 0 entraram para a história de Colômbia e Argentina e, curiosamente, marcaram o fim de uma era dourada para ambos os países. A Argentina reabilitou Maradona para a repescagem, passou raspando pela Austrália, chegou aos Estados Unidos com um timaço, mas o novo doping de Dieguito encerrava suas chances de título e forçava uma renovação definitiva em sua seleção, que vive um jejum de títulos com seu time principal que dura até hoje.
Já a Colômbia passou a ser encarada como favorita ao título mundial após a goleada em Nuñez. Em vez de apostar nos contragolpes, como no histórico 5 de setembro de 1993, quis propor o jogo diante da Romênia e levou 3 a 1 com autoridade, caindo na real. Na segunda rodada do Mundial, jogou como a Argentina diante da própria Colômbia no ano anterior: atirou-se para cima dos Estados Unidos e perdeu por erros próprios e no contragolpe, sendo eliminado prematuramente da Copa por uma equipe visivelmente mais fraca, ainda que fosse a anfitriã. Chegaria ao Mundial de 1998, mas já sem o mesmo brilho.
Os 20 anos do histórico duelo de 1993 coincidem com o dia em que tanto Argentina quanto Colômbia podem praticamente se classificar à Copa de 2014. Os colombianos, com a melhor geração desde o timaço de 1990-93, recebem o Equador hoje, às 17h, e podem encaminhar de vez a vaga com uma vitória, podendo carimbá-la matematicamente na próxima terça, contra o Uruguai, no Centenário. Os argentinos, liderados novamente pelo maior jogador do mundo, desta vez Messi, também podem matematicamente chegar à Copa na próxima terça, quando visitarão o lanterna Paraguai, que quase foi seu algoz há 20 anos, no Defensores del Chaco. Situação bem mais tranquila que a de 1993, convenhamos.
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