Caça-fantasmas


Desde seu primeiro jogo, o Atlético-MG dava pinta de que era um sério candidato ao título da Libertadores. Ainda assim, várias dúvidas, mitos e estigmas pairavam sobre o Galo: o de que Cuca e Victor eram "pé-frio", a falta de títulos internacionais do clube e até mesmo a liderança geral da equipe na fase de grupos, já que nenhum líder desta primeira etapa da Libertadores havia conseguido conquistar o título desde 2005, quando este novo formato da competição passou a ser adotado. O Atlético-MG superou tudo isso, superou grandes adversários, clubes gigantescos. Foi sempre o melhor time da competição, do início ao fim - às vezes não em termos de atuações, mas ao menos tecnicamente. Difícil um título ser tão merecido quanto este.

Se havia dúvida a respeito de o Mineirão funcionar como um caldeirão, ela se dissipou antes mesmo de a bola rolar. O Mineirão foi um Independência em tamanho gigante, com 59 mil pessoas fazendo muito barulho, com relativa proximidade do campo e uma renda recorde de R$ 14 milhões, a maior da história do futebol brasileiro. Em campo é que as coisas não iam tão bem assim. Bem postado num 5-3-2, o Olímpia não apenas amarrava o Atlético-MG, se defendendo com competência, mas contragolpeava com perigo.

Ainda assim, o Galo não se desesperou, não tentou atacar desorganizadamente no primeiro tempo. Pressionou, teve mais chances de marcar que o Olímpia, mas sem a contundência que todos aguardavam. O final da etapa inicial em 0 a 0 era ótimo para os paraguaios, que se soltavam quando o ótimo Alejandro Silva tinha a bola nos pés. Mas uma furada de Pittoni após cruzamento do predestinado Rosinei deixou Jô, o maior de todos os nomes do Atlético-MG nesta decisão, livre para fuzilar o goleiraço Martín Silva e abrir o placar. Não deu para fazer no início do primeiro tempo, mas deu no comecinho do segundo tempo. Era como se os times voltassem do intervalo com vantagem mineira por 1 a 0, sem que o Olímpia tivesse a chance de conversar no vestiário para ajeitar a casa.

O segundo tempo teve provavelmente os 45 minutos mais longos da história para os torcedores do Olímpia. Além do gol, o Galo teve nada menos que oito chances claras. Cuca encaixava substituições cada vez mais ofensivas, enquanto Ever Almeida, desta vez, se equivocou gravemente: tirou Alejandro Silva, o homem que segurava a bola e poderia dar o gás extra ao time paraguaio, e colocou Gimenez. Virou ataque contra defesa.

Bernard causava transtornos pelo lado direito, Jô era um monstro no jogo de corpo, sempre perigoso, mas foi pelo alto que o Galo tentou achar o caminho da prorrogação. Cuca dispõe de diversas armas: além de um timaço do 1 ao 11 e um banco invejável, seu time sabe envolver o adversário por baixo e se impor por cima, com Leonardo Silva, Réver e Jô sempre perigosos no jogo aéreo. Foi assim que Leonardo Silva fez o segundo, aos 41, minutos após o Olímpia perder, com Ferreyra, a grande chance de matar o jogo, depois de driblar Victor e ficar com o gol vazio. 

Cansado, cheio de zagueiros, com um a menos (Manzur fora expulso), diante de um time fortíssimo e de um Mineirão lotado, o Olímpia via, naquela cabeçada de Leonardo Silva, a Libertadores escorrer de suas mãos. Seria preciso segurar a pressão na prorrogação com todas essas adversidades para tentar a sorte nos pênaltis. Para sorte dos paraguaios, Bernard se lesionou no tempo extra, o que deixou a partida praticamente num 10 contra 10. O Galo não conseguiu pressionar tanto, e o jogo foi de fato para os pênaltis, onde desta vez os cobradores foram muito bem, e Victor seguiu implacável, com mais uma defesa decisiva. O ex-gremista está para este Atlético-MG como Marcos esteve para o Palmeiras em 1999.

Quando um time tem a faca nos dentes para ganhar a Libertadores, é difícil segurar. Foi o caso recente do Inter em 2006, do Estudiantes em 2009, do Corinthians no ano passado e do Atlético-MG agora. A campanha teve de tudo: goleadas, grandes e más atuações, muito drama contra o Tijuana, contra o Newell's e contra o Olímpia. O Galo, em todos os jogos que disputou, foi sempre o time mais qualificado tecnicamente, mas não necessariamente ganhou na qualidade. Este entendimento que só a qualidade não é suficiente é fundamental para ganhar a Libertadores. Bateu assim o São Paulo, mas passou pelo Tijuana de forma até cruel para os mexicanos, que foram melhores; virou para cima do ótimo Newell's com muita garra; e não desistiu nunca de superar o tricampeão Olímpia na decisão. Ninguém quis mais esta Libertadores que o Galo, um time que joga muito, mas também é unido e todos correm pelos companheiros na hora difícil. O excepcional trabalho de Cuca e seus jogadores é premiado com toda a justiça do mundo. Ou da América, melhor dizendo.

Copa Libertadores da América 2013 - Final - Jogo de volta
24/julho/2013
ATLÉTICO-MG 2 x OLÍMPIA 0
Decisão por pênaltis: Atlético-MG 4 x Olímpia 3
Local: Mineirão, Belo Horizonte (BRA)
Árbitro: Wilmar Roldán (COL)
Público: 58.620
Renda: R$ 14.176.146,00
Gols: Jô 1 e Leonardo Silva 41 do 2º
Cartão amarelo: Bernard, Luan, Benítez, Salgueiro, Martín Silva, Ferreyra e Gimenez
Expulsão: Manzur 39 do 2º
ATLÉTICO-MG: Victor (7), Michel (6,5) (Alecsandro, 27 do 2º - 5), Leonardo Silva (9), Réver (6,5) e Júnior César (7); Pierre (5,5) (Rosinei, intervalo - 7), Josué (6,5) e Ronaldinho (6,5); Diego Tardelli (6,5) (Guilherme, 34 do 2º - 5,5), Jô (9) e Bernard (7,5). Técnico: Cuca
Cobranças: Alecsandro (gol), Guilherme (gol), Jô (gol) e Leonardo Silva (gol)
OLÍMPIA: Martín Silva (8,5), Manzur (5), Miranda (6) e Candía (7); Mazacotte (5,5), Aranda (5,5), Pittoni (4,5), Alejandro Silva (6) (Gimenez, 25 do 2º - 4,5) e Benítez (4,5); Salgueiro (5,5) (Baez, 37 do 2º - 5,5) e Bareiro (5) (Ferreyra, intervalo - 6). Técnico: Ever Hugo Almeida
Cobranças: Miranda (defendido), Ferreyra (gol), Candía (gol), Aranda (gol) e Gimenez (trave)

Comentários

Paul disse…
"Quando um time tem a faca nos dentes para ganhar a Libertadores, é difícil segurar."

É isso aí mesmo.
Lourenço disse…
Acho que campeões novos desvalorizam a competição. Hoje, não é mais distinção no Brasil ganhar a Libertadores. Claro que, com o passar dos anos, mais campeões virão, é uma constatação lógica. Mas há de ser feita.
Fiquei feliz pelo Cuca, sempre gostei dele e dos seus times gostosos de assistir, mas hoje parece que me roubaram esse gosto. É a mesma sensação daquela banda que tu acha que só tu conhece, daí ela começa a tocar na rádio e fica famosa, e então perde a graça. Nunca mais elogio o Cuca.
Vicente Fonseca disse…
Como tu tá purista hoje, Lourenço! heheh