15 dias de evolução, 90 minutos de show



Não foi um jogo com ares de troca de bastão: a Espanha segue sendo a melhor seleção do mundo, e o Brasil segue sendo um time em construção. Mas mais que o resultado, o que impressiona é o futebol apresentado pela seleção na final da Copa das Confederações. Já que neste torneio, o que sempre importou, mesmo, foi observar o crescimento brasileiro. O resultado é acessório, mas é espetacular que tenha vindo, ainda mais da forma que veio.

A Itália deu a luz na quinta-feira: para desestabilizar a Espanha, há que jogar como ela. Tudo começa por uma marcação adiantada, algo que o Brasil fez especialmente no primeiro tempo. A seleção sufocou a Fúria. É claro que o gol a 90 segundos facilitou demais as coisas, mas o Brasil soube aproveitar-se dele para se impor. Xavi e Iniesta não conseguiam receber a bola sem que houvesse dois ou três ferozes marcadores em cima. Erravam passes, mais do que de costume. Isso dificultava demais o processo criativo espanhol. A seleção dos 77% de posse de bola na estreia, contra o Uruguai, teve só 52% hoje no Maracanã.

O ritmo intenso do começo era impossível de manter, mas o Brasil em nenhum momento afrouxou a marcação. Tocou a bola sempre com objetividade, e o principal, com muita aproximação entre os jogadores. É um conceito tão simples, tão básico e tão esquecido: aproximar facilita a marcação, a imposição tática e a criação a partir de triangulações. Tendo Hulk e Neymar como verdadeiros parceiros criativos (fora as subidas de Paulinho), Oscar cresceu. Foi dele a jogada para o 2 a 0, num lance onde demonstrou extrema inteligência em segurar a bola até Neymar, espertamente, saísse do impedimento.

Antes disso, a Espanha chegara em chute longo de Iniesta e, na melhor das chegadas, com David Luiz salvando de forma esplendorosa um gol certo de Pedro. Mesmo sem conseguir jogar, a Fúria quase empatou, e se aquela bola tivesse entrado o jogo poderia ter sido outro. A seleção de Del Bosque sucumbiu por não ser uma seleção "pegadora". Foi muito marcada pelo "pegador" de Brasil de Felipão, e por isso criou pouco. Como não é um time de muita contenção, sofreu demais para parar os ataques brasileiros. A "pegada" da Espanha é manter a posse da bola e marcar adiantado, de forma agressiva. Como a seleção anulou isso, a campeã do mundo se viu sem alternativas. E o Maracanã viu o revival do baile de 1950.

No segundo tempo, mais uma vez o Brasil saiu marcando gol de cara, de Fred, em corta-luz genial do gênio Neymar. Sérgio Ramos perdeu o pênalti, mas mesmo que fizesse, dificilmente a Espanha teria forças para reagir. O time da casa manteve o estilo sanguíneo de marcação e abusava, no ótimo sentido, da velocidade nos contragolpes. Num deles, Neymar cavou a expulsão de Piqué. Em outro, Hulk quase encobriu o desesperado Casillas. Um roteiro que pouquíssimos imaginavam.

O Brasil é o justíssimo campeão da Copa das Confederações. Única seleção a ganhar todos os jogos, e só um deles, contra o Uruguai, por diferença inferior a dois gols. O título dá confiança, dá tranquilidade para os jogadores e para Felipão seguirem o trabalho e ajudam a aproximar a seleção da torcida há um ano de uma Copa do Mundo no próprio país. O próprio clima a favor do torneio pode ficar amenizado. Mas o principal, mesmo, é o fato de a seleção ter encontrado um caminho. Mudanças, claro, podem ser feitas. Sigo entendendo que Hernanes daria uma contribuição maior ao time que Hulk, embora ele tenha tido importante contribuição tática à equipe na Copa das Confederações.

O saldo positivo fica evidenciado pelo fato de o Brasil sair do torneio muito melhor do que quando entrou nele. Luiz Felipe Scolari, 12 vitórias em 12 jogos de torneios da FIFA pela seleção, deu mais um cala-boca nos que ousam chamá-lo de ultrapassado. Tenho restrições ao esquema tático brasileiro, mas isso não me impede de reconhecer que ele funcionou muito bem, e com o tempo pode ser aperfeiçoado. Felipão é muito mais que um mobilizador: tem método, muito conhecimento de causa e mostrou estar atualizadíssimo, montando o Brasil de uma forma moderna e ousada para encarar a atual campeã do mundo, e não armando um retrancão dos tempos de "amarrar cachorro com linguiça", como ele mesmo gosta de dizer. Com pouco tempo de trabalho, transformou um time repleto de justas desconfianças em um dos favoritos ao título para 2014.

Quanto à Espanha, segue sendo o principal time do planeta, e não é esta derrota no Maracanã que lhe diminui de tamanho. O principal ponto negativo para os espanhóis, no entanto, não é o vice-campeonato: é o fato de que finalmente seus adversários descobriram um modo de pará-la. Itália e Brasil já conseguiram. Mas até 2014 muita água vai passar sob esta ponte...

Copa das Confederações 2013 - Final
30/junho/2013
BRASIL 3 x ESPANHA 0
Local: Maracanã, Rio de Janeiro (BRA)
Árbitro: Bjorn Kuipers (HOL)
Público: 73.531
Gols: Fred 1 e Neymar 43 do 1º; Fred 1 do 2º
Cartão amarelo: Arbeloa e Ramos
Expulsão: Piqué 22 do 2º
BRASIL: Júlio César (6,5), Daniel Alves (6,5), David Luiz (7,5), Thiago Silva (7) e Marcelo (6); Luiz Gustavo (6,5), Paulinho (7) (Hernanes, 42 do 2º - sem nota) e Oscar (7); Hulk (6,5) (Jadson, 27 do 2º - 5,5), Fred (8) (Jô, 34 do 2º - sem nota) e Neymar (9). Técnico: Luiz Felipe (10)
ESPANHA: Casillas (6), Arbeloa (4) (Azpilicueta, intervalo - 4,5), Ramos (4), Piqué (4) e Alba (4,5); Busquets (5,5), Xavi (5,5) e Iniesta (6); Pedro (6), Torres (4,5) (Villa, 13 do 2º - 5,5) e Mata (6) (Navas, 6 do 2º - 5,5). Técnico: Vicente del Bosque (5)

Comentários

Marcelo disse…
Que atuação da seleção! Felipão é um monstro!
O gol cedo facilitou, mas foi consequência da blitz enlouquecida do Brasil. A Espanha não viu a cor da bola nos primeiros minutos.
Anônimo disse…
Que análise bacana. Estou virando leitor diário. Texto bom, que passa longe (muito longe!) do lugar comum. Parabéns!
Máximo Neto, Igrejinha(RS).
Vicente Fonseca disse…
Máximo, é um orgulho receber um comentário como este teu. Espero poder manter o nível pra que tu sigas acessando o Carta na Manga diariamente. Muito obrigado e um grande abraço!