Complexo de pedigree



O Corinthians é campeão do mundo, fundamentalmente, porque jogou mais que o Chelsea. Não há nada de errado nisso. Dissemos aqui, após as semifinais - e mesmo antes de o Mundial começar, que os dois times se equivaliam. O time inglês está longe de ser brilhante, de ser um Barcelona imbatível. Dentro de campo isso ficou provado. E nem o fato de Cássio ter sido o maior nome da decisão invalida isso: o Chelsea não criou tantas chances, mas nas poucas que criou (o que é mérito corintiano), parou no goleiraço (o que também é mérito corintiano).

O grande mérito da equipe de Tite hoje foi ter encarado o Chelsea de igual para igual. Fechar-se atrás não era bom negócio. Contra o Al-Ahly, o Timão fez isso no segundo tempo e se viu dominado. Hoje, sem medo de sair para o jogo, fez um jogo de alternância de domínio com a equipe de Londres. Há mais de uma década não víamos uma final tão equilibrada entre um sul-americano e um europeu. Talvez desde 1998, quando Vasco encarou o Real Madrid, não tínhamos um representante do nosso continente tão seguro de si, confiante e sem medo de tentar propor o jogo. Por isso, foi talvez a melhor final de Mundial dos últimos anos - um jogo aberto e emocionante, entre dois times que, curiosa e paradoxalmente, ganharam seus continentes principalmente por suas consistências defensivas.

Desde o começo, o Corinthians deu mostras de que faria um grande jogo. A marcação foi implacável. A maioria das divididas eram vencidas por corintianos, seja em que lado do campo fosse. Na primeira meia hora de jogo, o Chelsea só chegou uma vez com perigo, com Cássio fazendo defesaça, logo aos 10 minutos, em tentativa de Cahill. O jogo seguiu truncado, mas com controle paulista. Quem jogava especulando era mais o time inglês que o brasileiro, embora sua posse de bola fosse um pouco maior. Faltou a objetividade de Oscar ao Chelsea, um erro de Rafa Benítez, que preferiu Moses, não tão habilidoso e muito bem marcado. Paulinho se soltava bem e se tornava a grande arma vindo de trás, já que Emerson recebia ótima marcação do estupendo David Luiz. Nos minutos finais, duas defesas de Cássio - uma delas espetacular, em chute de Moses.

O Chelsea voltou tentando tomar a iniciativa no segundo tempo. David Luiz, um pouco mais adiantado, confundia os corintianos por ser ora zagueiro, ora volante. Logo, porém, o Corinthians se adonou de novo da partida, e começou a dominar o adversário com muita força, até marcar seu gol - foi seu melhor momento no jogo, dos 10 aos 25 do segundo tempo. A jogada histórica resume bem o time de Tite: muito coletiva, mas com individualidades que fazem também a diferença. Paulinho iniciou, Jorge Henrique devolveu, Danilo chutou na zaga e o predestinado peruano Guerrero aproveitou para marcar 1 a 0. Volantes, meias e atacantes envolvidos nas ações ofensivas, um verdadeiro show coletivo. Só então Rafa Benítez colocou Oscar no lugar de Moses. Talvez não soubesse que teria que enfrentar o time que mais venceu sem sofrer gols no mundo de 2011 para cá.

A equipe inglesa só conseguiu esboçar pressão dos 40 minutos em diante, na base de lançamentos para a área, muito mais no abafa que na criação. Oscar, Hazard e Mata raramente superavam a marcação. Ramires e Lampard foram discretos o tempo todo. O meio aberto de Rafa Benítez foi na maior parte do tempo dominado. Foram basicamente duas chances no fim: aos 40, num raro erro da defesa, Torres ficou livre e Cássio fez milagre. Aos 49, já sobre os descontos prometidos, um chute sem ângulo acertou a trave. Duas chances reais, é verdade, mas nenhuma delas realmente construída, trabalhada. Se o Chelsea era tão melhor tecnicamente, como alguns sustentavam, não deveria ter dominado inteiramente o Timão após sofrer o gol? Foram cinco chances de gol criadas em todo o jogo, mesmo número criado pelo Corinthians.

O Corinthians é o merecidíssimo campeão. É coletivamente melhor, individualmente não se mostrou inferior e foi superior nesta equilibrada decisão. Não se trata nem de analisar a trajetória inteira, que começou ainda no ano passado, mas apenas o que ocorreu neste Mundial. E o melhor de tudo é que este título deixa um legado para o futebol sul-americano: é possível, sim, vencer equipes europeias sem atuar com medo, reverência ou covardia, encarando de igual para igual. Nem tudo o que está no Velho Continente é melhor do que o que temos aqui. Ignorando esta mentalidade de colonizado, o Corinthians, sintetizado na figura de seu extraordinário técnico Tite, não só festeja seu merecido título mundial, mas também dá uma aula a todos os que pretendem chegar lá nos próximos anos.

Mundial Interclubes 2012 - Final
16/dezembro/2012
CORINTHIANS 1 x CHELSEA 0
Local: Internacional, Yokohama (JAP)
Árbitro: Cuneit Çakir (TUR)
Público: 68.275
Gol: Guerrero 23 do 2º
Cartão amarelo: Jorge Henrique e David Luiz
Expulsão: Cahill 44 do 2º
CORINTHIANS: Cássio (9,5), Alessandro (7), Chicão (7), Paulo André (7,5) e Fábio Santos (6,5); Ralf (7), Paulinho (7,5), Danilo (8) e Jorge Henrique (6,5); Emerson (7) (Wallace, 45 do 2º - sem nota) e Guerrero (8,5) (Martínez, 40 do 2º - sem nota). Técnico: Tite (10)
CHELSEA: Cech (6), Ivanovic (5,5) (Azpilicueta, 37 do 2º - sem nota), Cahill (4,5), David Luiz (7,5) e Ashley Cole (6); Ramires (5,5), Lampard (6), Moses (5,5) (Oscar, 27 do 2º - 5,5), Mata (6) e Hazard (5) (Marin, 41 do 2º - sem nota); Torres (5,5). Técnico: Rafa Benítez (4,5)

Comentários

Rober disse…
Vicente.
Fico triste por essa vitória corintiana, não por causa de bairrismo ou algo assim, mas sim, porque me parece que isso não é um bom acontecimento para o esporte nacional como um todo. O país me parece será de um time só.
Além disso, os mafiosos do nosso país saem fortalecidos ... O que você acha?
Temo pelo futuro desde a libertadores da américa.
Triste dia.
Marlon disse…
trechos do tite na coletiva:

"equipe, padrao, ideia de futebol"

"A EQUIPE É SUPERIOR AS INDIVIDUALIDADES. NOS POTENCIALIZAMOS AS INDIVIDUALIDADES."
Vicente Fonseca disse…
Rober, eu entendo a tua preocupação, mas acho sempre bom que o futebol sul-americano vença Mundiais. Não acho que o título do Corinthians seja só devido ao maior dinheiro que o clube ganha da TV, por exemplo, mas acima de tudo fruto da competência de quem manteve uma continuidade no trabalho mesmo após uma eliminação tão vexatória quanto aquela para o Tolima.

Outra coisa: há quatro anos, quando o São Paulo ganhou três Brasileiros seguidos depois de ganhar Libertadores e Mundial, muita gente temeu a mesma coisa: a dominação total de um time sobre o resto do futebol brasileiro. E o São Paulo só voltou a ganhar títulos semana passada, 4 anos depois. Era o time grande do Brasil que há mais tempo não levantava uma tacinha sequer. Tudo o que sobe desce. Acho muito difícil um futebol como o brasileiro, com vários clubes de grande expressão, ser inteiramente dominada por uma única equipe, mesmo que tenha o porte do Corinthians. Se isso um dia corresse o risco de acontecer certamente iam modificar o panorama de alguma forma para restabelecer o equilíbrio, que sempre foi a marca do nosso futebol.

Abraço!
Igor Natusch disse…
Acho que, do ponto de vista dos negócios, dessa montanha de dinheiro que cerca o futebol, o temor do Rober tem sua razão de ser. Já está até acontecendo, de certo modo - basta ver o quanto mais de dinheiro e, especialmente, de espaço Flamengo e Corinthians têm em relação aos demais. Acho importante que os demais clubes façam imediatamente pressão para viabilizar mudanças na partilha, mesmo que a médio prazo, justamente para neutralizar esse risco. Mas acho que o Brasil tem tamanho potencial, tanto econômico quanto esportivo, que não vejo isso acontecendo em um futuro próximo. Pelo contrário: acho que o futebol brasileiro, em termos de clubes, seguirá se fortalecendo mais e mais. Sabem qual o país que mais ganhou títulos na atual fórmula do Mundial? Sim, o Brasil. O país que mais vezes disputou a competição? Sim, também o Brasil.