Risco zero

Fazer tudo ao contrário do estava sendo feito: esta costuma ser a filosofia da CBF em relação à seleção brasileira quando ela fracassa. Foi assim quando Dunga foi chamado, em 2006: era preciso extinguir tudo o que remetesse a quadrados mágicos e dar seriedade ao escrete canarinho. Dunga perdeu a Copa e Mano Menezes chegava com uma ordem: era preciso mais alegria e menos sisudez, para esquecer o fracasso diante da Holanda em 2010. Mano fracassou e deve chegar Felipão, com confirmação por vir amanhã. Tudo ao contrário outra vez?

Sim, embora não pareça. Que Mano e Felipão têm estilos parecidos, todos sabem - ainda mais nós, gaúchos, que os vimos de perto por anos no Grêmio. A diferença está na experiência: Dunga foi uma aposta, nunca havia sido técnico. Era uma tentativa de renovar, começar do zero. Mano já tinha alguns anos de experiência, mas não deixava de ser uma aposta também, pois havia técnicos com currículos mais ricos para assumir em 2010. Foram apostas, e toda aposta envolve risco.

Felipão é o risco zero. E Carlos Alberto Parreira, se for mesmo o coordenador técnico, chega a ser risco negativo. O Brasil troca dois treinadores de pouca ou nenhuma experiência comandando equipes em partidas internacionais pelos dois últimos técnicos campeões do mundo com a seleção. Nenhuma outra seleção no mundo dispõe de uma dupla tão vitoriosa no comando da equipe. Extingue-se o novo cargo de coordenador de seleções a partir da saída de Andrés Sánchez e reabilita-se o de coordenador técnico, ocupado por Zagallo em 1994 e 2006, Zico em 1998, Antônio Lopes em 2002 e Jorginho em 2010. Talvez esta figura fosse mais necessária com Mano na casamata do que com Felipão. Mas a ordem agora é não arriscar.

Quem se arrisca com tudo isso é o próprio Luiz Felipe, que pode colocar em risco sua condição de técnico com 100% de aproveitamento em Copas do Mundo para se tornar o segundo treinador que perdeu uma Copa disputada no Brasil. Mas o fato é que poucos teriam o peito de encarar esta situação e esta responsabilidade que Felipão tem. Parreira fracassou em 2006, mas será sempre mais lembrado por 1994. Renato, Andrade, Falcão e Fernandão não deixaram de ser ídolos em seus clubes por eventuais fracassos como técnicos. Ídolo é ídolo. Eventuais derrotas, por maiores ou mais doloridos que sejam, não apagam grandes vitórias. Felipão, inclusive, receberá o apoio que poucos treinadores de seleção ganham no Brasil ao assumirem a equipe. Por ser de reconhecida capacidade, contará com um pouco mais de paciência de torcedores e até da imprensa que outros treinadores. Mas precisará mostrar serviço, e em prazo razoavelmente curto. Currículo grande acalma só no começo.

A situação de agora se assemelha à de 2001 pelo prazo curto. A diferença é que, há 11 anos, a seleção tinha mais jogadores diferenciados que agora. O desafio era transformá-los em um time, e assim ganhar a Copa. Agora, não há tanto material humano acima da média, mas Felipão terá seis meses a mais para trabalhar. Com ele, a CBF sabe: um time "alegre", abertinho, faceiro, está descartado. Felipão tem bem mais personalidade que Mano Menezes para impor sua filosofia e não se deixar levar pelo discurso fácil do malabarismo que acabou derrubando Mano na última sexta-feira. 

Que o Brasil terá um time montado em 2014, não resta mais nenhuma dúvida. Ainda não sabemos se será o suficiente para ganhar a Copa do Mundo, mas é, ao menos, uma parte do caminho até o hexa.

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