A corda estourou

Jogar pela classificação em território colombiano é uma das maiores chagas do Grêmio em competições sul-americanas. Ontem foi a quinta vez que a equipe disputou vaga lá, e a quarta derrota. Os mais antigos certamente se lembraram da eliminação de 1996, para o América de Cali, quando o time abriu o placar no começo do jogo e cedeu o 3 a 1 nos minutos finais.

Muito se dizia que, talvez, o cansaço fosse um adversário até mais duro para o Grêmio que o próprio Millonarios. De fato, o time de Vanderlei Luxemburgo não conseguiu superar seus limites físicos. A maratona de jogos, a exigência de manter o alto nível em duas competições que afunilavam ao mesmo tempo, aliadas ao fato de a equipe ter jogado na altitude de Bogotá - por mais que 2.600 metros não sejam tão terríveis como 3.600 - minaram a classificação. A queda de ritmo no segundo tempo, como o próprio placar atesta, é muito nítida.

Nada disso, porém, invalida a grande classificação do Millonarios e erros cometidos pelo próprio Grêmio. A equipe de Luxemburgo começou o jogo muito bem, mandando no jogo. Nem os colombianos esperavam isso. O Millonarios nitidamente temeu o Grêmio nos primeiros 20 minutos. Todas as bolas eram gremistas, todas as divididas eram vencidas. Quando Werley abriu o placar, três chances já haviam sido criadas. Zé Roberto passeava seu esplêndido futebol comandando o time, Marcelo Moreno fazia ótima participação como pivô. Tudo dava certo.

Procurando dosar o ritmo, o Grêmio já deu sinais de recuo no primeiro tempo, um erro, pois era cedo demais. O Millonarios passou a explorar a fragilidade defensiva de Anderson Pico, em boas enfiadas de Candelo para os perigosos Cosme e Rentería. Mesmo assim, o Grêmio tinha o jogo à sua feição. E bastava trocar três passes no campo de ataque para chegar com perigo. Poderia ter matado o jogo e a classificação. Faltou força, como disse Luxemburgo.

O segundo tempo seguia panorama parecido. O Millonarios, porém, jogou-se mais para a frente. Cosme empatou quando a equipe da casa já criara três chances só nos 14 minutos iniciais da etapa complementar. Só que não houve qualquer tipo de pressão depois do gol. O Grêmio já sentia o desgaste físico, atacava cada vez menos, mas amorcegava bem a partida. Manteve o time colombiano longe de sua área por muito tempo. Tanto que o gol de Rentería, aos 35, ocorreu na primeira chance após o empate. Eis o ponto de virada do jogo. A classificação tranquila virava dramática.

Com jogadores desgastados, a bola não ficava mais retida na frente. Atrás, a marcação era cada vez mais à distância. Mesmo assim, o Millonarios só entrou na área do Grêmio uma vez depois do segundo gol. Foi o lance do pênalti, para lá de duvidoso, que decretou a dura derrota, que encerra a 11ª temporada seguida da equipe sem grandes títulos.

Luxemburgo faz bem em não reclamar da arbitragem, e fez melhor ainda ao afastar seus jogadores ao fim da partida, os quais tomavam satisfações do trio apitador. O lance que definiu a desclassificação foi mesmo muito discutível, a arbitragem foi sim caseira (como a grande maioria é na América do Sul), mas a derrota não passa só pelo juiz. O Grêmio, mais uma vez, caiu diante de um time pior que ele próprio no mata-mata. As razões para esta eliminação são diferentes das do jogo com o Palmeiras: lá, houve um cochilo no fim do jogo; ontem, faltou perna e, por isso, faltou também bola. Foram muitos passes errados, falhas individuais de jogadores que não costumam errar lances assim. Faltou força ao Grêmio, em suma, tanto física como mental, para manter a classificação.

A decepção é grande, mas não pode jogar fora o belo trabalho feito em 2012. Vanderlei Luxemburgo deve renovar contrato, e é o modo mais fácil de o Grêmio manter o rumo certo e buscar o título da Libertadores. Quem investe muito precisa de resultados, e é claro que as eliminações na Sul-Americana e na Copa do Brasil são decepcionantes neste sentido. No entanto, a avaliação de um trabalho precisa levar em conta muitos outros aspectos. É evidente que o Grêmio termina o ano muito melhor do que começou. Achar que o trabalho foi ruim porque não vieram títulos é enganar-se redondamente, deixando-se levar pela tristeza e irritação de uma eliminação dolorida.

É claro, também, que o jejum de títulos incomoda e é o que mais faz o torcedor se irritar com uma eliminação como a que ocorreu ontem, e pode fazê-lo exigir mudanças. Mas as eliminações de 2012 nada têm a ver com as eliminações de 2002 e 2003, por exemplo. É preciso enxergar cada ciclo de trabalho de forma separada, e não colocar em um mesmo saco os desempenhos de Tite, Plein, Mano Menezes, Roth e outros com Luxemburgo. Cada um deles teve seu ciclo, encerrado de forma boa ou ruim. Luxemburgo iniciou bem o seu em 2012. E não é por ontem, por mais que ele próprio possa ter cometido erros, que deve abreviar este bom projeto que está em andamento. Começar tudo de novo é voltar para a estaca zero, quando muitos passos já foram dados.

Em tempo:
- Millonarios dá pinta de campeão, a exemplo do São Paulo. Tem tudo para ser a final do torneio, inclusive.

COPA SUL-AMERICANA 2012 - QUARTAS DE FINAL - JOGO DE VOLTA
MILLONARIOS (3): Delgado; Ochoa, Franco, Torres (Henríquez) e Martínez; Ramírez, Ortíz (Tancredi), Otálvaro e Candelo (Vásquez); Cosme e Rentería. Técnico: Hernán Torres
GRÊMIO (1): Marcelo Grohe; Pará, Werley, Gilberto Silva e Anderson Pico; Fernando, Souza, Léo Gago, Marco Antônio (Elano) e Zé Roberto; Marcelo Moreno (Kleber) (André Lima). Técnico: Vanderlei Luxemburgo
Local: El Campín, Bogotá (COL); Data: quinta-feira, 15/11/2012, 22:15; Árbitro: Carlos Vera (Equador); Gols: Werley 12 do 1º; Cosme 15 e Rentería 35 e (pênalti) 48 do 2º; Cartão amarelo: Ramírez, Pará, Anderson Pico e Zé Roberto

Comentários

Lique disse…
se existe uma diferença entre técnico de mata-mata e técnico de pontos corridos, dá pra dizer que o luxemburgo, definitivamente, nao é técnico de mata-mata. felipao é o contrário. a ver o que o grêmio quer, como objetivo, em 2013.
Marcelo disse…
Uma coisa que cansou o Grêmio foi a própria escalação. Com 1 atacante, seguido a bola ia pro ataque e voltava, fazendo o time correr mais.
Vicente Fonseca disse…
Lique, não acredito muito nessa história de "técnico de mata-mata". O próprio Felipão já perdeu uma Sul-Americana em casa para o GOIÁS, em 2010.

Acredito em bom e mau trabalho. Em continuidade do que vem dando certo. Luxemburgo faz um bom trabalho no Grêmio. Já ganhou torneios no mata-mata também. O Abel, no Inter, em 2006, tinha currículo bem inferior.
Igor Natusch disse…
Eu concordo parcialmente com a ideia de treinador de mata-mata. Não acho que seja algo que alguns treinadores possam ganhar e outros não, mas acredito que disputados em ida e volta (especialmente com saldo qualificado) exigem um tipo especial de estratégia. Tenho dito seguidamente que, quando se joga em casa o primeiro jogo, não levar gol é quase mais importante do que vencer a partida, por ex. Há estratégias - e, embora não tenha sido estratégia o que eliminou o Grêmio na quinta-feira, foi boa parte do que eliminou o tricolor contra o Palmeiras.

Dito isso, acho correto manter Luxa (e quem diria que eu estaria dizendo uma coisa dessas?). Não o trocaria pelo Felipão, nesse momento. Luxa me surpreendeu especialmente porque parece PILHADO para conquistas, algo que eu achava que não aconteceria e que, para mim, justifica sua permanência.
Vicente Fonseca disse…
É próprio dos sábios mudar de opinião, meu caro Natusch.