Fortim inglês

O roteiro é fascinante, e instiga historietas do tipo "Davi venceu Golias". Mas não é o caso. O Chelsea não é um time pequeno que foi ao Camp Nou e surpreendeu um gigante. É um time milionário, cheio de astros. Embora não se compare em qualidade técnica ao Barcelona, um dos melhores times de todos os tempos, é uma grande equipe. E provou isso dentro de campo, não apenas hoje, mas também na semana passada.

A história de que o Chelsea surpreendeu o planeta é cômoda, pois satisfaz o ideário de que um time "pequeno" só consegue vencer não jogar futebol. E isso é uma grande bobagem. O que o Chelsea fez foi jogar futebol, sim, dentro do que ele poderia fazer para parar um time superior. Foi uma equipe aplicada como raríssimas vezes se pôde fazer. É inútil e infrutífero encarar o Barcelona de igual para igual. Ninguém consegue, nem mesmo o milionário Real Madrid de José Mourinho, Cristiano Ronaldo e tantos outros astros.

A equipe inglesa entrou num 4-5-1 contra um ultraofensivo 3-3-4 catalão, esquema que seria extravagante em qualquer equipe do mundo, menos no Barcelona. Guardiola preferiu não iniciar com Daniel Alves. O brasileiro entrou após a lesão de Piqué e iniciou a jogada do Busquets, que igualava o 1 a 0 de Stamford Bridge. Aí, o experiente Terry, 31 anos, cometeu uma infantilidade de juvenil e foi expulso. Veio o 2 a 0, de Iniesta. E a certeza de que haveria uma goleada histórica.

Diante de tantos problemas, o Chelsea passou a atuar num 5-4-0. Mesmo quase sem forças para atacar, o time inglês conseguiu um gol que parecia impossível, com Ramires, então lateral direito, mas que concluiu como o mais qualificado atacante. O gol devolvia a classificação ao time inglês, que voltou para o segundo tempo ainda miais fechado: era um 6-3-0. Ao lado da linha defensiva de quatro homens, dois ilustres laterais extras: Ramires e Drogba, este um gigante pela esquerda. Marcou, deu carrinho, quase fez gol do meio-campo, saiu extenuado. Fez até pênalti, mas como Messi não faz gol no fantástico Petr Cech, a bola bateu no travessão.

Com dez homens e sem nenhum atacante, o Chelsea resistiu a todo o tipo de pressão. Quando Di Matteo colocou o famigerado e esquecido Fernando Torres, que mal sabe cercar, no lugar do aguerrido Drogba, ninguém entendeu. Mal sabíamos que seria justo Torres quem entraria sozinho na frente de Valdés para empatar o jogo. O Barcelona transformou o segundo tempo em um jogo de 30 metros. Os outros 75 ficaram livres. Na chance que teve de aproveitar o latifúndio, o Chelsea conseguiu o improvável e heroico empate.

Foi, possivelmente, o jogo mais dramático dos últimos anos, desde a Batalha dos Aflitos. Este não é o melhor Chelsea dos últimos tempos, mas foi o mais honrado e valente de todos. Eliminou o melhor time do mundo sem perder nenhum dos dois jogos, mesmo se defendendo o tempo todo. É preciso ser muito bom para não perder do Barça, empatar no Camp Nou com um homem a menos e despachar uma equipe que segue sendo a melhor do planeta, mesmo que perca a Liga dos Campeões e o Campeonato Espanhol. Muitos se apressarão em dizer que o supertime de Guardiola está chegando ao fim, mas e precipitado. No ano que vem, será favorito a tudo de novo. Ainda bem que no futebol nem sempre o Dream Team ganha. Que o diga o Chelsea, que fez história hoje.

Liga dos Campeões 2011/12 - Semifinal - Jogo de volta
BARCELONA (2): Valdés; Puyol, Piqué (Daniel Alves) e Mascherano; Busquets, Xavi e Iniesta; Cuenca (Tello), Messi, Sánchez e Fábregas (Keita).
Técnico: Pep Guardiola
CHELSEA (2): Cech; Ivanovic, Cahill, Terry e Ashley Cole; Mikel, Raul Meireles, Mata, Lampard e Ramires; Drogba.
Técnico: Roberto Di Matteo

Local: Camp Nou, Barcelona (ESP); Data: terça-feira, 24 de abril de 2012, 15h45; Árbitro: Cuneit Çakir (TUR); Público: 95.845; Gols: Busquets 34, Iniesta 42 e Ramires 45 do 1º; Torres 46 do 2º; Cartão amarelo: Iniesta, Messi, Cech, Ivanovic, Ramires, Lampard, Mikel e Raul Meireles; Expulsão: Terry

PRÓXIMOS JOGOS
Rayo Vallecano x Barcelona - Espanhol - sábado, 28/04, 16h30 - Teresa Rivero, Madrid (ESP)
Chelsea x Queens Park Rangers - Inglês - domingo, 29/04, 9h30 - Stamford Bridge, Londres (ING)


Comentários

Igor Natusch disse…
O esquema 6-3-0 do Chelsea era impressionante. Pelo menos quatro defensivos estavam PERMANENTEMENTE dentro da área. Um ferrolho como poucas vezes se viu - feito, diga-se, com competência total e absurda dedicação dos jogadores em campo.

Injustiça é a vovozinha.
Lique disse…
a meu ver, chelsea deu uma aula de futebol nesses 180 minutos (exceçao à inexplicável cagada do terry). conscientes de que o barcelona é mais time, foram humildes e ganharam como prêmio a classificaçao. símbolo disso foi o ramires (para nossa alegria).

quando a coisa aperta, barcelona tem que entender que futebol é um jogo, nao é uma disputa de quem tem mais honra, mais fair play, mais posse de bola, mais chutes a gol. o barcelona SEMPRE vai ter a maior posse de bola, ganhando ou perdendo. mas o que conta é o placar.

nunca tu vai ver um time ganhar o jogo e ao final dizer "é, mas infelizmente eles tiveram a maior posse de bola, precisamos trabalhar nisso".
Vicente Fonseca disse…
Na verdade, Lique, o Barcelona ganha justamente por ter maior posse de bola. Vêm sendo vencedores assim e não vejo porque mudar. A única coisa que eles pecaram nesta semana foi pela soberba, que nunca tiveram. Essa do Guardiola dizer que já se via em Munique foi meio arrogante...
André Kruse disse…
Eu achei que o Guardiola foi bastante infeliz.

Colocou o Cuenca no lugar do Daniel Alves e perdeu o "over-laping" que brasileiro faz e cria espaço pro Messi.

Não sei se foi ordem dele, mas o Keita entrou de centrovante. É inútil, uma vez que o Barcelona não cruza bola na área e não tenta chute de fora pra pegar rebote.

E vi o Chelsea num 4-5-0 ou 4-4-1 depois da expulsão
Igor Natusch disse…
Faltou, em termos futebolísticos, um GRAFITE para o Barça vencer o Chelsea. Falo muito sério. Quando o FERROLHO FATAL foi instituído, o negócio era alçar bolas na área - o que ninguém no Barça tem característica de fazer e que, com a ausência de um centroavante, seria eternamente improdutivo. Longe de mim querer que o Barcelona mude seu modo de jogar em nome dessa derrota (ao contrário de alguns malucos por aí que ousaram falar em "farsa"), mas talvez seja caso dos espanhóis somarem algumas opções a seu plantel - perdidas desde que o Ibrahimovic foi dispensado, diga-se.
Igor Natusch disse…
Vou discordar da tua leitura tática, meu caro Kruse. Para mim, a linha de seis homens à frente do goleiro era bem escancarada, com quatro homens permanentemente na área. À frente, três homens na linha da meia-lua e um outro levemente mais adiantado.

Quanto ao resto, concordo. Keita entrou mesmo para ser centroavante, mas não foi reconhecido pelos companheiros como tal e, portanto, acabou sendo inútil.
Igor Natusch disse…
DOIS homens na linha da meia-lua. Perdão.
Bernardo Nunes disse…
Uma vitória do futebol efetivo.
Vicente Fonseca disse…
Não discordo da leitura do André. É muito fácil ver, em vez de um 6-3-0, um 4-5-0 mesmo. Afinal, Ramires e Drogba compunham os lados, e eram às vezes meio-campistas, de fato. Falei em 6-3-0 porque, quando o time se defendia, eles eram mais laterais defensivos que meio-campistas abertos. Na minha visão, claro.
Vine disse…
O pessoal do Impedimento deve ter tido DELÍRIOS vendo esse jogo. Só tenho algumas breves considerações:

Ramires melhor LATERAL DIREITO!

Drogba melhor LATERAL ESQUERDO DA CHAMPIONS! Parou o Daniel Alves.

Lampard eterno! Craque de bola! Bom no apoio, ótimo na defesa e nos desarmes, e com uma pitada da BRUTALIDADE inglesa, exemplificado naquele carrinho desnecessário no campo de ataque no segundo tempo.

Torres melhor VOLANTE com chegada ao ataque! O drible dele no Valdes foi típico de quem sabe que não tá jogando NADA e tem todo o espaço e tempo do mundo pra driblar um elefante (pelo tamanho da manobra) e tocar pras redes.
E se eu fosse o Abramovich (?) dispensaria o Terry logo após o jogo... Burrice de jogador sulamericano aquela...

E o Raul Meireles se superou na marcação ao Messi: mantinha uma certa distância, mas sempre fazia o guri cortar pra direita. Aí não tinha perna pra chutar. Magnífico!
Sancho disse…
As duas linhas variavam entre 4-4 e 6-3. Usaram todas.

Aula de futebol do Chelsea contra um mais do que afobado Barça. O gol do Ramires acabou com o time de Messi e Cia.

Chelsea fez retranca, catimbou e jogou bola. Está pronto para disputar uma Libertadores...
Sancho disse…
P.S.: Eu contei, não poucas vezes, um 5-4-0.

Com a entrada do Torres é que o x-x-1 apareceu mais.
Sancho disse…
P.P.S.: O que jogou o Drogba! Mamita...
Vicente Fonseca disse…
O primeiro lance do Torres foi aquele em que o Messi puxou para dentro e chutou na trave, numa defesa de ponta de dedo maravilhosa do Cech. Ali, se viu que ele não poderia fazer o que o Drogba fazia, de ser um segundo lateral esquerdo. Fez-se o 5-3-1, ou 4-4-1, e ele deu muito mais resultado na dele, como atacante.
Samir disse…
Se o Barcelona não quisesse entrar em TODOS os lances dentro da área, teria mais chances... chegavam com uma facilidade monstruosa até a entrada da área, que chutassem então, pq não havia como ir além.

Agora, como bem disseste, Vicente, segue sendo o Barça, mto a frente dos demais, o maior time do mundo. Futebol se define em 90min, o melhor pode perder, mas segue jogando o melhor futebol, tendo os melhores jogadores...
André Kruse disse…
Uma ferramenta interessante é o average position do Gamecast da ESPN

http://soccernet.espn.go.com/gamecast?id=340835&cc=3888
Vicente Fonseca disse…
Bah, grande dica, André! Não conhecia essa ferramenta no site da ESPN.