Os novos-velhos donos da América

A Copa América do equilíbrio e dos empates terminou com superioridade incontestável do Uruguai. Uma seleção que, 16 anos depois, volta a conquistar o continente e firma-se, novamente, como a maior campeã da América do Sul. Depois do título esfriado da Colômbia em 2001 e dos times experimentais do Brasil em 2004 e 2007, finalmente a campeã do principal torneio de seleções do continente representa, de fato, o melhor time deste pedaço de chão.

A final foi de um time só. O Uruguai praticamente matou o jogo aos 11 minutos, com o gol de Suárez. Teria matado ainda antes, logo aos 2, quando Ortigoza impediu com a mão um gol celeste. Pênalti e expulsão, ambos não dados por Sálvio Spinola. Vale lembrar: nas quartas de final de 2007, o Paraguai teve Bobadilla expulso também logo na largada, após cometer um pênalti, no jogo contra o México. Aquela partida acabou 6 a 0. A de hoje talvez teria terminado com escore igual ou até maior.

A estratégia de Tabarez foi perfeita. Como o Paraguai é uma equipe que sabe segurar o resultado como poucas, mas não está acostumada a buscar a reversão de uma desvantagem, fazer um gol cedo era fundamental. Suárez, o craque da Copa América, o fez, com imensa categoria. Sua capacidade de limpar o lance e bater lembra Batistuta. Sua força física lembra Tevez. Sua capacidade de servir um companheiro na cara do gol lembra Francescoli. Um jogador que reúne qualidades de três grandes figuras do futebol sul-americano. Um atacante impressionante.

Sem Santa Cruz e Barrios, lesionados, Tata Martino escalou um time especialmente defensivo hoje. Riveros, bom terceiro homem, foi escalado como enganche. Sem característica de chegada e batida a gol, não podia dar certo. Foi anulado por Arévalo, o melhor volante da Copa América. Incansável, bateu a carteira de Ortigoza e serviu Forlán, que nem precisava ter feito o que fez na decisão para ser um dos melhores jogadores da Copa América. Mesmo assim, o chute seco calou os polemistas que preferiam destacar seu jejum de gols pela seleção que seu ótimo desempenho nos gramados argentinos. Outro monstro.

O erro de Martino foi ter ignorado Estigarribia, de boas atuações anteriores, preferindo a trinca de volantes. Não teria sustado a absurda pressão inicial uruguaia, mas talvez desse mais trabalho nos contra-golpes. O Paraguai, a bem da verdade, nunca deu impressão de que reagiria. A maior chance, um arremate belíssimo de Haedo Valdez defendido com maestria por Muslera, que ainda pegou no travessão, foi lance isolado. O controle do jogo foi sempre charrua. O terceiro gol, de Forlán, além de lembrar demais o de Petit na final da Copa de 1998, foi uma pintura pelo passe fantástico de cabeça dado a ele por Suárez. Gol simbólico, que deu ao placar números que sintetizam o que foi o jogo: uma grande superioridade uruguaia.

O Uruguai conquista a Copa América com todos os méritos. Além de ter sido de longe o melhor time da competição e o que jogou melhor futebol, tem hoje a melhor seleção sul-americana. Tem grandes jogadores nos três setores da equipe; mescla a experiência de Forlán e Lugano com a juventude de Coates; tem em Suárez um dos melhores centroavantes do mundo; Pérez e Arévalo formam um rochedo à frente da defesa; Álvaro Pereira e González, se não são tão técnicos, compensam com extremo dinamismo a articulação ofensiva do meio.

Oscar Tabarez foi, com toda a justiça, um dos mais aplaudidos no Monumental de Nuñez: reergueu, com um ótimo trabalho, um gigante que parecia adormecido. Fez aquilo que dezenas de antecessores seus não conseguiram: um time. O Uruguai teve, nos últimos anos, bons jogadores. Faltava alguém que conseguisse fazê-los funcionar como equipe. Países maiores e com mais condições de formar muito mais jogadores de alto nível, como os vizinhos Brasil e Argentina, têm muito o que aprender. Pena que quando um técnico brasileiro ou argentino tenta fazer isso é vilipendiado. Fica bem mais difícil de dar certo.

Copa América 2011 - Final
24/julho/2011
URUGUAI 3 x PARAGUAI 0
Local: Monumental de Nuñez, Buenos Aires (ARG)
Árbitro: Sálvio Spinola Fagundes Filho (BRA)
Público: 45.000
Gols: Suárez 11 e Forlán 41 do 1º; Forlán 44 do 2º
Cartão amarelo: Pérez (URU), Cáceres (URU), Maxi Pereira, Coates, Cáceres (PAR) e Vera
URUGUAI: Muslera (7), Maxi Pereira (6,5), Lugano (7), Coates (7) e Cáceres (6) (Godín, 43 do 2º - sem nota); Pérez (6,5) (Eguren, 25 do 2º - 6,5), Arévalo (8), González (6,5) e Álvaro Pereira (6) (Cavani, 18 do 2º - 6); Forlán (8,5) e Suárez (9,5). Técnico: Oscar Tabarez (9)
PARAGUAI: Villar (6,5), Verón (5), Da Silva (5,5), Marecos (4,5) e Piris (4,5); Vera (5) (Estigarribia, 19 do 2º - 5), Ortigoza (4), Cáceres (4,5) (Pérez, 20 do 2º - 4,5) e Riveros (4); Haedo Valdez (5) e Zeballos (4) (Barrios, 31 do 2º - sem nota). Técnico: Gerardo Martino (4,5)


Comentários

Mário disse…
Não sou nenhum fanático pelas teorias táticas, mas não pude deixar de notar a perfeição da execução da linha de quatro defensiva no meio-campo do Uruguai. Quando o Paraguai tinha a bola, era sempre possível ver enfileirados Gonzales, Perez, Arévalo e Alvaro Pereira. Ocupação de todos os espaços possíveis. Os extremos dessa linha (Gonzales e Pereira) faziam o recuo até a posição dos laterais se necessário (laterais que, por sua vez, compunham a linha ainda mais recuada com os zagueiros).

Infelizmente, ao ver isso, constatei da impossibilidade de isso ser posto em prática aqui no Grêmio (como dizem que deseja O Julinho). O Douglas não tem cacoete para ficar em qualquer um dos lugares da linha.

No mais, seguindo o paralelo Uruguai-Grêmio, sou só eu que vejo semelhanças (físicas e de estilo de jogo) entre Diego Perez e Rochemback e entre Alvaro Pereira e Lúcio (nos seus bons momentos no meio-campo)?
Vicente Fonseca disse…
O paralelo Álvaro Pereira - Lúcio eu tenho feito.

Também acho que não tem como dar certo no Grêmio. Douglas só sabe jogar centralizado. Não tem dinamismo nem cacoete para jogar pelo lado.
Igor Natusch disse…
É justamente por isso, imagino, que Julinho está tentando o 4-4-1-1, com Leandro fechando no meio e Douglas mais solto como meia atacante. Não acho que vá dar certo, de qualquer modo. O meu Grêmio seria um 4-2-3-1, e acho que o Julinho, se tiver juízo, vai acabar indo nessa direção também.

Quanto ao Uruguai, tenho que chover no molhado e destacar Suárez. Que jogador! Time nenhum em nosso arrogante Brasil tem um jogador sequer razoavelmente próximo dele em termos de qualidade. E não vou falar mais porque amanhã tem Carta na Mesa, então CALOME (VdeP que mandou)!
samir disse…
Acrescento as características elencadas a Suárez, professor, mais uma: jogador que cresce nos momentos decisivos. Assim como todo time uruguaio, fez uma primeira fase apagada, mas já no jogo contra argentina, ele e Forlán infernizaram a vida dos zagueiros argentinos.

Aliás, essa dupla de ataque é uma das melhores do futebol mundial!

Lugano foi outro monstro. Cabeceou todas as bolas alçadas na área uruguaia durante a copa américa.

Os melhores campeões que a copa américa poderia ter!
Vicente Fonseca disse…
Muito bem lembrado, Samir. Aliás, foi uma característica de todo o time uruguaio: cresceu nos momentos decisivos nesta Copa América. A cada jogo foi melhorando. Quando eliminou a Argentina, todos vimos, pintou o campeão.
Lique disse…
esqueceu uma caracteristica do suarez: defende com as maos como um jorge campos.
André Kruse disse…
Achismo puro, mas me parece que esse discurso do Julinho de "duas linha de quatro" é feito muito mais pra agradar os jornalistas passando a ideia de um tecnico moderno.

Na pratica é um 4-2-3-1. o Leandro jamais fica na mesma "linha" do Gilberto Silva.

Em tempo, merecida a conquista do Uruguai. Eu gostaria de ter mais acesso ao que Tabarez prega. Interessante que tanto na Copa de 2010 e na Copa America ele mudou de esquema durante a competição. No Brasil correria o serio risco de ser chamado de professor pardal, ou de ser acusado de nao ter convicção
Que análise, professor.
BEIJO.
Joel disse…
Olha, torci muito pela celeste na copa do mundo no ano passado, pois o futebol aguerrido e a aplicação de seus jogadores em campo são de arrepiar. Aliado ao grande trabalho de Oscar Tabarez, existem grandes jogadores nessa seleção, e um não citado no comentário por não ter jogado foi Cavani, que arrebentou na temporada passada na Itália.
Nenhuma seleção no mundo tem um trio como Forlán, Suarez e Cavani em termos de qualidade e nem Lugano, Godin, Coates e Perez na defesa. Tivesse Recoba nascido 5 ou 6 anos depois, a Espanha continuaria virgem.