Steaua campeão da Europa - 25 anos

Esq. para a dir. - De pé: Bölöni, Belodedici, Iovan, Piţurcă, Bumbescu e Duckadam. Agachados: Majearu, Lăcătuş, Bălan, Balint e Bărbulescu
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No próximo dia 07, os apreciadores do fotbal romaniei em todo o mundo terão um motivo como poucos para comemorar. Nessa data, completar-se-ão 25 anos da maior glória do futebol da Romênia em toda sua história: a conquista do Steaua Bucureşti na Liga Campionilor de 1985-1986. Um título diante do poderoso Barcelona, em pleno território espanhol, em um jogo no qual sustentou uma difícil igualdade sem gols e conquistou, nos pênaltis, um título antes tido como impossível. Com direito a um herói todo especial: Helmuth Duckadam, o Herói de Sevilha, o homem que pegou quatro pênaltis em sequência e estabeleceu um recorde mundial - em plena final de Liga dos Campeões.
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Por questões de espaço, não vamos nos aprofundar na campanha do Steaua naquela temporada - para quem quiser saber como foi a coisa toda, pode conferir aqui, no post que fiz sobre o assunto nos bonitos tempos de Bola Romena. Do mesmo modo, vou declinar de explicar em detalhes tudo que faz de Duckadam o goleiro mais sensacional da história do futebol mundial - clique aqui e leia mais sobre os feitos do homem. Restringiremos nosso olhar ao jogo fatal, ao momento que banhou o futebol romeno em eterna glória, o confronto entre Steaua e Barcelona no verdejante e superlotado Ramón Sánchez Pizjuán de Sevilha. Felizmente, graças aos bons fluidos da generosa deusa História, esse humilde digitador teve a chance de adquirir um DVD com a íntegra do cotejo, e é essa análise que faremos a seguir, tentando dar uma ideia do que foi essa partida bastante especial.
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O Barcelona era uma equipe eminentemente ofensiva, apostando em um 4-4-2 de intensa movimentação pelos lados do campo, onde Pedraza (esquerda) e Marcos Alonso (direita) tocavam o terror sem constrangimentos, o último atuando quase como ponteiro e fazendo o Barça oscilar às raias do 4-3-3. Conhecida pela força de ataque, a equipe espanhola contava também com uma boa zaga em Migueli e Alexanko, mas sofreu com alguns ajustes de validade duvidosa, como a escalação do escocês Archibald como centroavante, em detrimento de Pichi Alonso, que havia feito três gols na semifinal contra o Gothemburg. Além disso, o treinador Terry Venables demonstrava incerteza sobre as condições físicas do alemão Bernd Schuster, que mal retornava de um estiramento muscular. De qualquer modo, o Barcelona foi a campo com Urrutia; Gerardo, Migueli, Alexanko e Julio Alberto; Marcos Alonso, Schuster, Víctor Muñoz e Pedraza; Carrasco e Archibald. O Steaua Bucureşti, por sua vez, era e seguiu sendo uma equipe de proposta muito mais cautelosa. Seu esquema era praticamente um 5-3-2, com o uso bastante acentuado de Belodedici como líbero e os alas Iovan e Barbulescu bem recuados, quase como laterais defensivos, avançando só na boa mesmo. Como ambos jogavam menos abertos do que o normal, ao mesmo tempo que os meias Balint e Majearu abriam bem nos flancos, o desenho aparente do Steaua lembrava um 1-3-4-2 em vários momentos, ainda que o constante recuo de Bölöni para dar suporte a Bumbescu (único zagueiro típico do time) recuperasse o desenho tático tradicional. Na frente, a movimentação de Marius Lăcătuş e Victor Piţurcă era intensa, com constante troca de posições. Assim esquematizado por Emerich Jenei, os Roş-Albaştrii foram para a batalha com Duckadam; Iovan, Bumbescu, Belodedici, Bölöni e Barbulescu; Balint, Bălan e Majearu; Piţurcă e Lăcătuş.
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Desde o início do jogo, ficou muito claro que os dois times seguiriam fiéis a suas respectivas propostas: o Barça buscando o jogo, o Steaua frustrando os oponentes sempre que possível. Na campanha dos militarii, talvez apenas na partida de volta contra o Anderlecht, nas semifinais, tenhamos visto uma demonstração de futebol intenso e propositivo - não por acaso, muitos registram esse jogo como uma das atuações máximas de toda a história do clube. Assim sendo, o Steaua ficou sempre mais atrás, esperando, neutralizando as ações do time espanhol de forma incansável. Nos primeiros movimentos de jogo, um lance explica bem o que será a partida: Bumbescu, totalmente ensandecido, dá um encontrão que arremessa Carrasco nas placas de publicidade - e, demonstrando irritação, recolhe um objeto do gramado e atira de volta para a torcida que havia acabado de arremessá-lo em campo...
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A partida como um todo foi uma reversão de expectativas. O Barcelona aproveitou que a decisão da Champions seria em seu país e mandou mais de 300 ônibus para Sevilha, esperando um título que os tiraria um pouco da sombra do arqui-rival Real Madrid, que já tinha erguido seis vezes o caneco continental. Mas desde os primeiros movimentos ficou muito claro que o Barcelona não teria liberdade alguma para desenvolver seu estilo de jogo. Muito compactados, os jogadores do Steaua submeteram o Barça a uma marcação sistemática e incansável, frustrando todas as iniciativas do adversário.
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Com o miolo de ataque bloqueado pelos romenos, o time espanhol tentou bastante pelas pontas, com Marcos Alonso chegando o tempo todo na frente, Gerardo apoiando com força pela direita e Schuster fazendo boas participações também. A tática, porém, esbarrava nas ótimas atuações de Barbulescu e Belodedici, dois gigantes na defesa dos Roş-Albaştrii. As duas melhores chances do Barça foram aos 29mins, com cabeceio perigoso de Schuster para fora, e aos 37mins, quando Barbulescu desarmou Marcos no instante em que o meia ia empurrar para as redes. Fora isso, os espanhóis tiveram posse de bola, buscaram ser insinuantes na frente, mas encontravam uma muralha sempre que tentavam uma ação mais incisiva. O Steaua, por sua vez, correu poucos riscos atrás, mas chegava sem nenhuma inspiração quando tinha a chance de atacar, resumindo-se a alguns chutes de longa distância de Piţurcă e Lăcătuş. No meio-campo, o grande nome romeno era Balint, sempre tentando distribuir a bola com sabedoria, enquanto Duckadam passava grande segurança atrás, fazendo intervenções com seriedade e eficiência.
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No começo da segunda etapa, a postura do Steaua mudou um pouco. Dispostos a surpreender os espanhós e marcar um gol que poderia ser o do título, os militarii adiantaram a marcação, comprimindo o Barcelona na sua metade de campo. Durante cerca de vinte minutos, foi o Steaua quem jogou melhor. O antrenor Emerich Jenei liberou Majearu, antes mais confinado às tarefas de marcação, e a meia-chanca romena passou a distribuir a bola com muito mais agudez. Um lindo lance de Bölöni aos 17mins foi o destaque desse momento do jogo: driblou dois espanhóis, tabelou com Majearu e chutou com muito perigo. Não acredite no que dizem por aí, amigos - durante pelo menos um quarto do tempo normal, foram os guerreiros romenos que tiveram as ações no Ramón Sánchez Pizjuán.
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No entanto, aproximando-se o jogo do quarto final, e como se o gol do Steaua não tivesse saído, Emerich Jenei optou por retomar a estratégia anterior, resguardando o time e consolidando posições no campo defensivo. O Barça retomou a posse de bola, mas fez com ela ainda menos do que na primeira etapa - além de ter uma pequena crise interna, com Schuster sendo substituído por Moratalla e, furioso, simplesmente indo embora do estádio em seguida, com o jogo em andamento... No Steaua, entrou o veterano Iordanescu no lugar do cansado Balan, e o meia-atacante de 36 anos teve lá algumas boas iniciativas. Em resumo, mesmo que o empate sem gols seja condizente com um jogo de pouco brilhantismo, se teve um time que esteve mais perto de vencer na segunda etapa, esse time foi o Steaua Bucureşti.
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Sobre os acontecimentos da prorrogação, pouco nos resta a lembrar - especialmente porque quase nada aconteceu nos trinta minutos de tempo extra. Seguiu tudo na mesma: o Barça carregando a bola, o Steaua esperando pacientemente, os dois times incapazes de qualquer real iniciativa de gol. A consequência acabou sendo a única que se poderia esperar: decisão nos pênaltis, depois de um 0 a 0 que nunca deu sinais convincentes de que poderia sair do placar. Como a prioridade de não perder cabia ao Steaua, podemos dizer sem medo que os romenos acabaram sendo bem-sucedidos em seu intento – sucesso que se transformaria em triunfo nas penalidades subsequentes, graças ao heroísmo impressionante do portar Helmut Duckadam.
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A bem da verdade, poucas vezes se viu tamanho nervosismo e incompetência em uma disputa de pênaltis. Das oito cobranças efetuadas, apenas duas foram para as redes e, para sermos bem sinceros, nenhuma dela foi de fato bem realizada. Nervosos com a inesperada dificuldade contra um adversário tido como azarão, os jogadores do Barcelona sentiram nas pernas o peso da ansiedade que emanava das arquibancadas lotadas. Já os romenos sentiam-se tão próximos da glória antes tida como impossível que também tremeram nas bases, atingidos por inevitável nervosismo. O único que não tremeu foi Duckadam. O arqueiro do Steaua entrou em campo sentindo desconforto no braço direito, mas calou sobre a dor que sentia, temendo que o departamento médico vetasse sua participação no jogo decisivo. Tentando manter a serenidade, Duckadam procurou adivinhar as ações de cada batedor adversário, e acabou conseguindo o impensável: defender todas as cobranças. Sim, senhoras e senhores: Helmuth Duckadam pegou quatro pênaltis consecutivos, em plena final de Liga Campionilor – coisa que seria suficiente para transformar alguém em lenda até mesmo no futebolzinho de fim de semana, que dirá na decisão do mais badalado campeonato de clubes do planeta...
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O vídeo logo abaixo mostra todas as cobranças, bem como a entrega da taça e um bom pedaço da festa posterior. As duas primeiras cobranças do Steaua, a cargo de Majearu e Bölöni, foram desperdiçadas, o mesmo se dando com os batedores Alexanko e Pedraza, do Barcelona. Antes da próxima cobrança, o narrador do vídeo diz, em romeno, algo do tipo “Lăcătuş precisa fazer, e Lăcătuş VAI fazer!” Dito e feito: chute forte, no meio do gol, que bateu na trave e por pouco não some no infinito, mas acabou indo parar no fundo das redes. Duckadam pegou o terceiro chute espanhol, a cargo de Pichi Alonso, que entrou em campo durante a prorrogação – e sua comemoração ensandecida, chutando a bola para o céu, demonstra claramente a euforia diante da proximidade da glória máxima. Gavril Balint fez talvez a melhor cobrança de todas, o que pouco significa – chute rasteiro, mal colocado, mas que ao menos tirou Urrutia da foto e garantiu o 2 a 0 na decisão. Sobre os ombros de Marcos Alonso, pesava o silêncio e a expectativa de mais de 70 mil espanhóis. E o silêncio seria rompido não pela comemoração de um breve alívio, mas pelos brados triunfantes de alguns poucos heróis: Duckadam defendeu o quarto chute consecutivo e deu ao Steaua Bucureşti o maior triunfo de sua história. “Nós triunfamos na final! A Copa da Europa irá para Bucureşti!”, grita o narrador, extasiado, quase sem acreditar no que tinha acabado de ver. Assista tu, amigo/a leitor/a, e acredite.
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Foi, em resumo, uma jornada vitoriosa em uma verdadeira batalha de Davi contra Golias. Mais tarde, soube-se o que era a dor no braço de Duckadam: uma preocupante trombose, que levou o portar para o hospital e por pouco não provocou uma amputação. Duckadam não pôde sequer disputar a decisão do Mundial Interclubes, em dezembro daquele ano, quando o Steaua foi superado pelo River Plate por 1 a 0. De qualquer forma, foi uma festa intensa e um desafogo para a sofrida população romena, que vivia sob o jugo sanguinolento do severo ditador Nicolae Ceausescu. E um momento de gala para o fotbal mais incrível do planeta – que, 25 anos depois, nosso mui humilde blog se põe a descrever em prosa, verso e pontapé na canela. Muito obrigado a todos que nos seguiram até aqui, e nos vemos em breve por aí.

Comentários

mardruck disse…
Nunca havia percebido que o Duckadam levou um amarelo após a terceira defesa.
Vicente Fonseca disse…
Sensacional.

O melhor momento dessa história toda é saber o raciocínio de Duckadam a respeito de onde seria feita cada cobrança. Transcrevo-a, diretamente do Bola Romena:

Estava tudo nas minhas mãos na hora das penalidades. Alexanko bateu o primeiro pênalti. Eu decidi ir para a direita e ele chutou para a direita, então consegui evitar o gol. A segunda cobrança foi menos simples. Eu tentei pensar como Pedraza. Ele deveria estar pensando que, já que eu tinha defendido uma bola na direita, eu dessa vez tentaria pular para a esquerda. Então ele chutou na direita e eu consegui defender a segunda cobrança também. A terceira cobrança, de Pichi, foi mais fácil. Qualquer goleiro que defenda duas bolas à sua direita irá certamente para a esquerda na terceira cobrança. Então ele optou pela direita e eu fui para a direita e defendi a terceira penalidade. Com a quarta cobrança, eu tinha um problema. Eu tinha sérias dúvidas sobre o que Marcos iria fazer – se ele ia copiar o terceiro ou tentar chutar na esquerda. Eu decidi mudar de lado e optar pela esquerda dessa vez. E Marcos também escolheu esse lado.
Rodrigo Cardia disse…
Eu também nunca tinha reparado no cartão amarelo do Duckadam...
Sandro disse…
O cartão de visitas de Adrian Bumbescu mostra o espírito daquela equipe, Miodrag Belodedici teve uma atuação beirando a perfeição. Lacatus, Duckadam, que jogadores.....
bons tempos, assombramos a Europa por 5 anos

cu steaua pana la moarte