O campeão que a Libertadores merece
É claro que Santos, Cerro Porteño e Vélez Sarsfield ainda podem ser campeões da Libertadores. A fórmula permite, qualidade eles têm, e sabe-se lá o que acontecerá nos jogos de volta e na eventual finalíssima. Mas o fato é um só: em nome de tudo que existe de melhor no futebol, essas equipes deveriam ter a humildade de abrir caminho imediatamente e permitir que o garboso Peñarol erguesse a taça, comemorando em um Centenário lotado a mais justa conquista já verificada em todos os 51 anos de competição. Porque a vitória de 1 a 0 sobre o Vélez, na partida de ida das semifinais da Libertadores 2011, foi de uma beleza copeira inigualável, contendo todos os elementos que forjam a dignidade de um justo campeão. Pode não ter apresentado as explosões plásticas que o destreinado olhar brasileiro interpreta erroneamente como bom futebol, mas talvez por isso mesmo tenha sido um jogo lindo de se ver.
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Os méritos de um grande campeão surgiram na festa inacreditável da torcida uruguaia, em especial na entrada dos jogadores em campo. Uma visão e uma atmosfera capazes de deixar arrepiado qualquer um que assistisse pela TV, que dirá os felizardos que estavam no Centenário naquele momento. Não surpreende que, depois de semelhante ducha de adrenalina, o Peñarol tenha começado a partida com enorme entusiasmo, assediando a defesa argentina com a mesma volúpia com que qualquer homem heterossexual jogar-se-ia sobre os generosos atributos de uma Scarlett Johannson. Acossado de maneira sôfrega por um adversário babando de tesão, restou ao Vélez resguardar-se de início, transformando seu 4-2-3-1 em duas prudentes linhas defensivas de 4 e 5 até que a sanha uruguaia perdesse um pouco a excitação.
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Depois de cerca de 15mins de abordagem agressiva, o Peñarol sentiu que deveria ser mais comedido, e começou a apostar sem medo na quase infalível fórmula do copeirismo. Cedeu espaços, passou a impressão de estar desarticulado e acabou entregando as rédeas do jogo ao adversário argentino, que passou a avançar com crescente atrevimento. As liberdades eram especialmente evidentes no lado direito de ataque do Vélez, onde Martinéz e Silva caiam o tempo todo para deixar o setor defensivo dos carboneros em polvorosa. Ao Peñarol, restava jogar a bola para Martinuccio, transformado naquele momento em solitário bastião de criatividade ofensiva para os uruguaios. O Vélez chegava forte, inticava sem medo, teve algumas chances claríssimas, mas faltava dar a estocada mortal em seu adversário. Algo que, definitivamente, não pode faltar a um time que ambiciona seriamente a América.
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Ao Peñarol, tal elemento mostrou-se abundante na hora decisiva. Mesmo sem ter quase nunca a bola em seu poder, o time da casa insinuava-se vez por outra, especulava, tentava não abdicar do jogo. Quando o Twitter já se enchia de mensagens elogiosas ao vistoso futebol do Vélez Sarsfield, eis que surge um escanteio maroto, Dario Rodriguez desvia de cabeça quando ninguém está olhando e voilá. O Peñarol abre o placar, para o insano deleite de sua extasiada e extasiante torcida. Menos de dez segundos depois, encerra-se a primeira etapa - e o jogo que parecia encaminhado para um resultado argentino desce aos vestiários repentinamente tingido de aurinegro.
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E ainda que os outros quarenta e cinco minutos tenham sido jogados, que os dois times tenham retornado a campo e disputado a segunda etapa como manda o regulamento, todos sabiam que a partida tinha acabado naquele lance inesperado ao fim do primeiro tempo. Ninguém foi surpreendido pelas duas linhas defensivas carboneras, do mesmo modo que a incapacidade do Vélez marcar gols não causou espécie a qualquer um que entenda o mínimo do nobre esporte da bola no pé.
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Ao contrário do que a mídia má adora mentir por aí, futebol não guarda nenhum tipo de relação com qualidade técnica. Só os tolos podem pensar, por exemplo, que domínio de bola e capacidade circense são atributos de um time vencedor, ainda mais em uma competição como a Libertadores. Ter a bola a seus pés como um cãozinho fiel de nada adiantou ao Velez; o que fez diferença foi a combinação de mística com estratégia realista, a competência de um plantel que não é brilhante e sabe disso, mas que faz o seu melhor com invejável abnegação. Poucos minutos de ofensividade acabaram somados a um jogo inteiro de solidez defensiva para resultar na desejada vitória uruguaia. O Inter provou desse amargo fel no Beira-Rio; o Vélez foi apenas a vítima da vez.
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Pintou o campeão da Libertadores 2011. Aliás, pintou faz tempo, desde a primeira fase, desde a derrota de 5 a 0 para a LDU, típico fracasso que forja a ferro e fogo o caráter de um time vencedor. É de um campeão assim que a Libertadores precisa. Um time que ganha quando precisa e perde quando é possível, que confia no imponderável e sabe a hora exata de apostar nas energias do sobrenatural. Aos que ficam extasiados com o Santos de Neymar ao ponto de considerarem jogado o segundo jogo da semifinal, resta a piedade normalmente destinada aos pobre-diabos que vivem apartados de toda realidade. Mesmo que a classificação diante do Cerro Porteño se dê, será somente a garantia de um honroso segundo lugar. Porque La Copa, amigos, já tem dono. E olhar para ela tudo bem, mas tocá-la ninguém mais vai.
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Foto: ABC Color / AFP
Comentários
Semifinais fantásticas. Mas lembro a meu amigo Natusch: o Santos está sendo tão copeiro quanto o Peñarol. Está a um passo da final, como os carboneros, e fez só quatro gols em cinco jogos nos - mata-matas - fora que passou com as calças na mão na primeira fase.
O Santos do Muricy é justamente o contrário disso: time pragmático, que até nem joga bem (foi dominado pelo Cerro Porteño em boa parte do jogo), mas tem um jogador que desequilibra. Não consigo ver o ZÉ LOVE dando show.
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O Santos pode estar tão copeiro contra o Peñarol, mas sua torcida inexiste perto dos Manyas e nenhum carbonero usa cabelo moicano ou chuteiras coloridas
Conta bem sobre o que é preciso fazer para ser uma Campeão de Libertadores e quem o merece, desta vez: o Penharol.
Isso merece um texto, aliás.
Acho que o Santos tem grande chance de passar pelo Cerro, e o veria com boas chances também tanto contra Peñarol como contra Vélez.
Diria que, se o Santos perder, será por ruindade do elenco mesmo.
Depois, já nos comentários, sobre a história de a figura do craque ser algo ruim em Libertadores, fui obrigado a lembrar do Riquelme. Estragou minha sexta-feira.
(contra teorias em chamas, argumentos racionais não podem vencer!) =P
Ah, e sobre o Peñarol, tomara que amasse o Santos na final. Mas que vai ser dureza passar pelo Vélez no Amalfitani, ah, vai.
http://www.youtube.com/watch?v=jU4oA3kkAWU