O futebol fica menos brilhante

A decisão de Ronaldo em aposentar-se pode ter pego muita gente de surpresa, mas não é exatamente inesperada. Permanentemente fora de forma, seguidamente lesionado, há tempos o craque era fisicamente incapaz de dar uma resposta à altura da qualidade que sempre possuiu. Com os recentes (e numerosos) fracassos do Corinthians, o clima estava cada vez pior, e a insólita eliminação na pré-Libertadores levou a situação a algo próximo do insuportável. Multimilionário, com dinheiro na conta capaz de garantir vida boa para seus bisnetos e além, Ronaldo simplesmente não precisa mais jogar futebol - como aliás já não precisava há tempos, embora lampejos de sua genialidade surgissem de quando em vez. "Penso uma jogada, mas não executo como eu quero", lamentou o craque, em entrevista ao Estado de S. Paulo. Ou seja, somando todos esses aspectos aos 34 anos de Ronaldo (não exatamente velho, mas já longe do auge), temos uma conta que explica a decisão do Fenômeno de abandonar o futebol, que deve ser confirmada durante a segunda-feira.
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Ronaldo escreveu várias páginas marcantes no futebol brasileiro e mundial. Ergueu duas vezes a taça de campeão do mundo pelo Brasil - uma quando ainda era pouco mais que uma promessa, outra como um dos principais personagens de um título com 100% de aproveitamento. Teve brilhante passagem pela Europa, empilhando gols por onde passou. Superou de forma corajosa uma série de graves lesões, e quase sempre voltou aos campos jogando tanto quanto antes - em alguns casos, talvez até mais. Foi, certamente, um dos maiores jogadores que tive a chance de ver em campo, sem a ajuda de DVDs ou imagens de arquivo. Existem alguns poucos que, por birra ou má-vontade, insistem em dizê-lo menor do que de fato foi - para esses, recomendo uma rápida pesquisa no YouTube, onde alguns poucos vídeos poderão mostrar o tamanho do engano que cometem.
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Dentro de campo, entre quatro linhas, pouquíssimos jogadores tiveram inteligência semelhante à de Ronaldo - e com a bola no pé, bem, daí a conta fica ainda mais cruel. Mesmo gordo e detonado por lesões, ainda sobrava, e muito, no futebol brasileiro. O simples fato de que não vamos mais ver Ronaldo em campo já deveria ser suficiente para azedar o dia de qualquer um que aprecie o futebol. É uma lenda que se despede, e que ninguém venha falar de "exageros" da cobertura da imprensa, nesse caso - estivesse arrastando a pança em um time da quarta divisão paulista e mesmo assim o adeus seria digno de profunda atenção.
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Geralmente, não costumo ficar especialmente chateado com aposentadorias. Acho que faz parte do ciclo de todas as coisas - não adianta, os mais velhos precisam abrir espaço para a energia e criatividade dos que chegaram há bem menos tempo no mundo. Ronaldo está saindo de cena, mas garantiu há muito anos a eternidade no futebol. Uma eternidade que vai bem além dos vídeos que qualquer um pode baixar, dos textos cheios de adjetivos que qualquer pesquisa no Google não hesitará em trazer. Na memória de muita, muita gente mesmo, o futebol de Ronaldo é imortal - e não existe escândalo pessoal ou barriga proeminente capaz de diminuir a importância do craque para o esporte bretão. A ele, os apreciadores do futebol devem muitos agradecimentos, e os aplausos nunca serão demais.
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Tentando analisar a questão por outro ângulo, fica claro que o pretenso supertime que o Corinthians tentou montar nos últimos anos, além de pouco resultado prático (em termos nacionais, ficou só na Copa do Brasil de 2009), está em processo de desmantelamento. Pelo jeito, o golpe da eliminação precoce diante do Tolima foi mais duro do que se imaginava. Além de Ronaldo pendurando as chuteiras, temos Roberto Carlos optando por jogar no obscuro Anzhi Makhachkala, da Rússia. Isso sem contar as peças que se foram no início do ano e não foram substituídas a contento, ausências que certamente pesaram muito na inédita eliminação em pré-Libertadores. O melancólico empate sem gols contra o Paulista, em Jundiaí, demonstra o tamanho do problema no qual o Corinthians se enfiou. Sem Libertadores, com plantel cada vez mais esvaziado, resta ao Corinthians tentar salvar um paulistão que parece muito comprometido - ou então contar com a distante redenção em um imprevisível Brasileirão. Se o futebol inteiro amanhecerá mais triste nessa segunda-feira, a torcida do Corinthians tem mais do que o luto da perda do craque para encarar. O futuro não pertence a ninguém, sabemos - mas, para a torcida corintiana, ele parece cercado de nuvens, e sem perspectiva de melhora.
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Foto: Arquivo/UOL

Comentários

Lourenço disse…
Eu nem tento descrever Ronaldo como jogador, desnecessário que é.
Sobre a aposentadoria, todo mundo fala que é a hora, que não dá mais. Isso só porque Ronaldo decidiu, penso eu. Até ano passado, foi decisivo ao Corinthians (sem os números em mão para dizer, lembro que o aproveitamento do time era um com Ronaldo, outro bem menor sem ele).

Nessas horas, não dá para dizer nada a não ser parabéns e obrigado, realmente perdemos um daqueles personagens. Me sinto um pouco mais velho hoje, pois 1993, ano em que Ronaldo era surgiu, foi quando comecei a acompanhar futebol, peguei todas as fases dele.
Zezinho disse…
Acho que todos nós concordamos que esse foi o maior legado deixado pelo Fenômeno: http://youtu.be/NDdT6QuP7pc
Vicente Fonseca disse…
É um dia tristemente histórico. Ronaldo foi um dos maiores de todos os tempos. Mesmo acima do peso se mostrava completamente diferenciado. Acima de tudo, e apesar da vida complicada fora de campo, foi um lutador, que superou (quase) todos os limites do corpo humano para chegar onde chegou. Digo quase porque, desta vez, não teve mais volta.

Merecia despedida melhor que levar 2 a 0 do Tolima.
vine disse…
Comecei a acompanhar futebol por volta de 1997. Nunca vi melhor jogador que ele. Sinto muito Pelé e Maradona, mas, para mim, o Ronaldo foi o melhor.
Vicente Fonseca disse…
Para quem vê desde 1997, fica entre Ronaldo e Zidane mesmo.
felipesfranke disse…
De certo modo, ele me lembra o Guga, um gênio naquilo que fazia e que lutou muito contra o próprio corpo, até eventualmente acabar derrotado.