Desastre para uns, história para outros

Guiñazu e o Inter são derrubados nas semifinais do Mundial

É, o futebol é fascinante porque, às vezes, o 1% ganha dos 99%. Não apenas eu queimei a língua, como quase todos. Pois o Mazembe demonstrou sérias limitações na partida contra o Pachuca: faltas em excesso e em momentos desnecessários, fragilidade na bola aérea defensiva, muitos jogadores fracos tecnicamente. Não virou um supertime de uma hora para outra. Aliás, mostrou de novo estes problemas hoje. Então, o que houve?

O problema esteve no Internacional. Dar os méritos ao time africano é justo, mas não se pode deixar de reconhecer que o Colorado fez uma partida muito abaixo do que pode e deveria fazer em uma competição tão importante. Não se trata de salto-alto, aparentemente. Foi, no entanto, uma conjunção de péssimas jornadas técnicas de seus jogadores combinada com erros do seu técnico, tanto de escalação, como de esquema tático e substituições.

Claro que o Mazembe contribuiu para isso. Ekanga, por exemplo, fez um grande trabalho à frente da defesa. Kabangu, antes de marcar seu golaço, era um dos melhores nomes em campo. Isso fora Kidiaba, o já mítico goleiro congolês, que fez milagres. É o Duckadam do século XXI.

O começo do time gaúcho foi animador. Pressionava o Mazembe na saída, algo que Roth não treinou nas mau utilizadas 25 rodadas de Brasileirão pós-Libertadores, mas anunciou que faria em Abu Dhabi. Foram três chances criadas em 10 minutos. Aos poucos, porém, o time do Congo foi equilibrando e gostando do jogo. Nada que o Al-Ahly não tenha feito em 2006, pensaram os supersticiosos. O primeiro tempo acabava 0 a 0, mas com o Inter tendo as melhores chances. O gol, que parecia questão de tempo, já não aparentava estar tão perto assim no apito para o intervalo. O Mazembe mostrava sérios problemas na bola aérea, mas o Inter estranhamente não insistia nisso. Quando Kleber tentava, errava sempre o cruzamento.

Hoje, o Internacional repetiu problemas do passado e apresentou outros novos, e graves. Ao contrário do que afirma Fernando Carvalho, pode-se sim apontar um culpado maior. Ele atende pelo nome de Celso Roth. Afinal, Rafael Sobis não tem obrigação de ser um meia mágico quando, na verdade, é um grande atacante que vem há meses jogando fora de seu habitat. Além do mais, Tinga, que era o melhor colorado em campo, não saiu da partida por conta própria quando o time mais precisava dele. E Sobis, o atacante mais perigoso (nos poucos minutos que foi para o ataque), certamente não pediu para ser substituído por Oscar, um guri que muito dificilmente entraria numa fogueira dessas e seria capaz de resolver tudo sozinho.

Some-se aos erros de Roth pontos que escaparam de seu controle e temos um prato cheio para explicar a inesperada derrota. Kleber, D’Alessandro, Bolívar e Alecsandro estiveram em jornada particularmente lamentável. Estes jogaram nas funções treinadas e estabelecidas. No entanto, quando a grande maioria vai mal, o comandante tem sua inegável parcela de culpa. Celso Roth mais uma vez arrotou a palavra planejamento a cada derrota no Campeonato Brasileiro. Esfregava na cara de todos o Mundial, como se perder no certame nacional fosse garantia de sucesso no fim do ano. Parecia inclusive mais feliz ao final do jogo com o Prudente, por cumprir o planejado e não ter ninguém lesionado, do que na conquista da Libertadores, alegando que títulos são passageiros. Não respeitou as características de seus jogadores, mantendo uma estrutura tática inflexível desde a conquista da Libertadores, talvez pressionado pelas críticas passadas, que o acusavam de mexer no time na hora errada. Agora, não mexeu quando devia.

A derrota de hoje é um dos maiores fiascos da história do Internacional e certamente mudará o modo como todos, a partir de hoje, encararão o Mundial Interclubes. Os times africanos não devem mais ser subestimados, deixaram de ser surpresa. Trata-se de maior vitória da história do futebol de clubes da África, e possivelmente a maior derrota de uma equipe sul-americana.

Ninguém esperava. E Rafa Benítez que se cuide.

Em tempo:
- Inter jogará ao meio dia de sábado pela decisão do terceiro lugar.

Mundial Interclubes 2010 – Semifinal
14/dezembro/2010
MAZEMBE 2 x INTERNACIONAL 0
Local: Mohamed Bin Zayed, Abu Dhabi (EAU)
Árbitro: Bjorn Kuipers (HOL)
Público: 22.131
Gols: Kabanga 7 e Kaluyituka 40 do 2º
Cartão amarelo: Nkulukuta, Kasusula e Índio
MAZEMBE: Kidiaba (9), Nkulukuta (6,5), Kimwaki (6,5), Mihayo (6) e Kasusula (6); Ekanga (7), Bedi (5,5), Kasongo (6), Kabangu (7,5) (Kanda, 39 do 2º - sem nota) e Kaluyituka (7); Singuluma (5,5). Técnico: Lamine N’Diaye (9)
INTERNACIONAL: Renan (5), Nei (4,5), Bolívar (4), Índio (6) e Kleber (4); Wilson Matias (6), Guiñazu (5), Tinga (6) (Giuliano, 17 do 2º - 5,5), D’Alessandro (4,5) e Rafael Sobis (6) (Oscar, 30 do 2º - sem nota); Alecsandro (3,5) (Leandro Damião, 17 do 2º - 5). Técnico: Celso Roth (2)

Foto: AP.

Comentários

Prestes disse…
Texto mto equilibrado.

O Mazembe tem todos os méritos, tem um trabalho de longo prazo e foi mto efetivo.

Ainda assim, em muitos momentos esteve mto mal postado na defesa. Faltou culhão pro Colorado.

E as alterações do Roth foram um desastre completo.
Vicente Fonseca disse…
Valeu, Prestes. É muito difícil escrever horas depois de um jogo com tanto impacto e depois de tantas brincadeiras com os amigos colorados redes sociais afora. Levo como um baita elogio.

Abraço.
Lourenço disse…
Celso Juarez Roth. Presenciamos o maior Rothazo de todos os tempos. Que nós brincávamos, profeticamente, que seria contra o Pachuca. Erramos o adversário, mas sabendo que, nas semifinais, quando tudo tinha para vencer, Roth entregaria.

Celso Juarez Roth, aquele que nos últimos 4 meses, em nome de uma suposta preparação, não evoluiu em nada taticamente. Não descobriu um jogador. Sequer deu seqüência de jogo para os titulares. Que só interrompeu um jejum para ganhar do Botafogo e ajudar o rival.

Celso Juarez Roth.

Sobre o Inter, claro que a frustração é enorme, mas digo para o colorado lembrar que seus últimos 3 técnicos foram Mário Sérgio, Fossati e Roth. Ou seja, ainda cabe aquele sorriso com a certeza de que está de ótimo tamanho.
Anônimo disse…
Grande Vicente! Velho amigo, apesar de seres gremista e saber que estava secando meu time, tiro meu chapéu pra outra boa análise.

Realmente não dá pra tirar os méritos do Mazembe, que soube jogar nas falhas do Inter. É ficar de olho nos africanos de agora em diante.

O que eu analisaria sobre cada peça do time:

* Renan: por tudo que fez no Inter, ainda é ídolo. Mas teve parte de culpa nos gols também, principalmente o primeiro onde nem sequer pulou pra pegar a bola. 2011 tá chegando e, desse jeito, será melhor devolvê-lo ao Valencia. NOTA 5,0

* Nei: o lateral foi melhor quando jogou mais à frente do que na defesa e quase marcou de canhota. Mas há tempos que tem falhas em cruzamentos pra área. NOTA 5,0

* Bolívar: o "general" foi muito aquém do que jogou em qualquer outra partida do ano. Os gols do Mazembe foram também por sua culpa. NOTA 4,0

* Índio: o "xerife" não é mais o mesmo há tempo. Fez faltas bobas e não marcou quando devia. Outro culpado pelos gols tomados. NOTA 3,0.

* Kléber: ex-lateral de seleção. E quando digo "ex" falo sério, pois ele foi um dos que mais errou passes, cruzamentos e bolas pra área. Devia ter sido vendido em agosto se soubessem que ele ia ficar tão ruim. NOTA 3,0.

* W. Matias: ao contrário do que eu pensava, esse não jogou mal. E teve duas boas chances de gol. Espero que possa melhorar mesmo pra 2011. NOTA 6,0

* Guiñazú: El Cholo até se esforçou, mas já esteve em melhor forma. Seria prenúncio de sua possível saída do Inter ano que vem? NOTA 5,5

* Tinga: jogou médio, mas soube se colocar na área em vários momentos. Por pouco não marcou. Talvez o Inter tenha piorado com sua saída da partida. NOTA 6,0

* D'Alessandro: irreconhecível em quase toda a partida. Todos esperavam bem mais dele. Será que a responsabilidade da camisa 10 pesou demais? NOTA 4,0

* Sóbis: o melhor do Inter, o mais visado para ataques e contra-ataques e que merecia ter marcado pelo menos dois gols em lances que o milagreiro Kidiaba defendeu. NOTA 7,0

* Alecsandro: o único lance que apareceu foi uma jogada em que quase saiu gol do Sóbis. Depois não fez mais nada. Chega desse enganador! NOTA 3,0

* Giuliano: dessa vez não conseguiu ser o talismã que o Inter precisava. Substituiu Tinga, quase marcou gol, mas o Inter perdeu qualidade com sua entrada. NOTA 5,0

* Leandro Damião: melhor que Alecsandro, mas muito ausente quando entrou. NOTA 4,0

* Oscar: entrou no lugar de Sóbis e aí sim o Inter piorou. Quase não tocou na bola. Não era jogo pra ele ou pelo menos não devia ter substituído o Sóbis. NOTA 3,5

* Celso Roth: pra mim (e outros colorados) era no máximo admitível que ele perdesse pra Inter de Milão na final e não na semifinal pra um time africano (de novo, não quero tirar mérito do Mazembe). Insistiu por quase todo ano em esquema 4-5-1, com Sóbis recuado e Alecsandro como referência de área. Aí tirou as melhores peças do time durante o jogo, principalmente o Sóbis que ele preparou por semanas pra ser o grande nome no time e que era quem mais atacava. Tem grande crédito por ter conquistado a Libertadores que provavelmente o Fossati não teria conquistado se tivesse continuado no Inter. Mas depois se preparou por quase todo um semestre pra esse Mundial e deixou o Brasileirão de lado, o que resultou em puro desperdício. Em 2011, não deve ficar no Inter e, se a nova direção for inteligente, não dá mais outra chance pra ele. NOTA ZERO

* TP Mazembe: o time tem créditos por ter aproveitado as falhas cometidas pelo Inter e também pelos milagres que o goleiro Kidiaba fez. Mas em vários momentos foi muito violento, levando apenas dois cartões amarelos no jogo todo. NOTA 7,5
Sancho disse…
Todo-Poderoso já avisou que não fará DVD.

BLUE-Ray...

;-P

Falando sério, esse sempre foi o meu maior temor: que uma equipe sul-americana fosse a primeira a ficar fora da final (aliás, tinha um maior, que fosse o Grêmio).

Uma hora ia acontecer, mas acho que chegou cedo demais. E foi um time que não merecia. Como gremista, rio; mesmo que ainda não tanha caído a ficha.
samir disse…
Roth errou tudo que podia, não só hj,mas como bem salientado pelo Vicente e pelo Lourenço, ao longo do brasileirão, que não foi aproveitado para nada. Hj, nas modificações. Não é absurdo colocar Giuliano e mesmo Oscar, mas tirou jogadores experientes e que estavam bem na partida.

E, acrescentando fatos a magia do futebol, em agosto o Grêmio estava entre os rebaixados e o inter recém sagrara-se campeão da américa. 4 meses depois, parece que o ano do Grêmio foi muito melhor do que o do Inter (sim, apenas parece, pq o colorado ainda tem o título da libertadores)...

E a maior verdade do dia: sorte do Victor que Kidiaba não pode jogar pela seleção brasileira!
Lique disse…
ter que ficar pra jogar 3 e 4 lugares é sacanagem demais. tá loco.

cara, eu não queria o inter campeão mundial, mas fiquei deveras com pena dos vários amigos que foram até abu dhabi pra ver esse papelão. gente que gastou entre 7 e 10 mil reais. na boa, pode ser o quão rico quiser, mas esse dinheiro vai doer pra sempre. e tem gente que saiu HOJE pra ir ver a final. sério.
Vicente Fonseca disse…
Quem é o meu amigo anônimo? Boa análise, mestre.
Vicente Fonseca disse…
Samir, não é absurdo colocar o Oscar em campo. Só discordo daquele momento: 30 do segundo tempo, com o time perdendo. É muito pro guri resolver.
Gustavo Levin disse…
Vicente, no fim acabei clicando como "Anônimo" sem querer... eu quem fiz essa análise, amigo. E obrigado pelo elogio.
Vicente Fonseca disse…
Valeu, Gustavo. Grande abraço!
Chico disse…
FIASCO INTERNACIONAL!

MAZEMBAZZO!!!

Pela 1º vez na história não teremos um representante da América do Sul na final do Mundial. Muito obrigado inter por envergonhar todo o continente.
Chico disse…
inter campeão? É miragem.
Chico disse…
Acho que faltou planejamento. Deviam poupar mais as bonequinhas de vidro.

inter cagão, inter cagão!
felipesfranke disse…
De tarde, quando pensei no texto que viria a ler aqui no CnM, me lembrei do diálogo dos comentários que encontrei neste mesmo site em 2006 (vocês sabem de qual notícia me refiro). Foi algo assim:

Ponso: Bela análise, Professor.

Fonseca: Obrigado, Ponsito. Foi o texto mais difícil da minha vida.

Creio que hoje tenha sido ainda mais difícil fazer um texto sério e analítico. Creio que é até por isso que teu texto de hoje, Fonseca, não me pareceu tão enxuto, redondo, e sinteticamente rico como sempre leio por aqui.

(Isso não é uma crítica. O conteúdo da análise me agradou muito: acho que pesaste bem sobre quais erros e acertos se combinaram para este resultado.)
felipesfranke disse…
Agora, sobre o fato de hoje:

É o 13º (e metafísico) trabalho de Renato.
Vicente Fonseca disse…
Hehe, é verdade, Fipa. O que também acontece é que, na Era UOL, os textos eram mais enxutos porque havia um limite de caracteres imposto pelo editor daquele site. Aqui é livre. Se tu for notar, aquela cobertura teve dois ou três textos diferentes sobre aquele Inter x Barcelona.

Ainda farei outro hoje à tarde, analisando os motivos da derrota numa perspectiva do planejamento feito nestes últimos meses. Nada que não tenhamos discutido nestes últimos meses, mas acho que vale reacender a discussão.

Grande abraço!
Zezinho disse…
Professor, não tenho nada a retocar no teu texto. Dificilmente veremos um texto tão bem conciso nos próximos dias na província.

Este não é espaço - ao menos pra mim - de sacanear os colorados, até porque tenho vários amigos alvi-rubros (caiu o hífen?) que não me sacanearam em outrora - o que não inclui os FDPs do Jardim de Infância, que borrifaram Ajax na minha cara, naquela longínqua terça-feira de Novembro de 1995.

O último parágrafo do texto do Luís Felipe dos Santos, publicado no Impedimento, esfolou a cara de muitas diretorias de clube por aí, acima de qualquer clubismo.

Posto isso, pergunto aos amigos:

- O que eu farei com a Revista Placar de Novembro, que chegou à minha casa no último domingo, trazendoo o ANDREZINHO na capa e dizendo que ele seria 'O Novo Gabiru'?

- O que farei com essa mesma revista, que disse que Bolívar entrava no mesmo rol de Figueroa e Gamarra?

- O que faço com o texto do editor de ZH, que disse 'onde houver um gaúcho, lá estaremos'?

- E o que será feito com os milhares de radinhos da Gaúcha e os exemplares de ZHs distribuídos em Abu Dhabi?

- Qual será o papel de Túlio Nilmann e Fernanda Zaffari lá?

Não foi apenas a derrota de um clube. Foi a derrota de um provincianismo descabido que ultrapassa todas as linhas de um bom jornalismo.

Como disse o outro: o pior não é a derrota. São as 11 prestações da CVC no cartão de crédito
Lique disse…
zezinho fechou o caixao.
Pati Benvenuti disse…
"Não foi apenas a derrota de um clube. Foi a derrota de um provincianismo descabido que ultrapassa todas as linhas de um bom jornalismo."
Concordo MUITO.
Vicente Fonseca disse…
Zezinho não tirou flauta TIRANDO. Genial.

Ah, e concordo a respeito do provincianismo.
Lourenço disse…
Eu achei legal a cobertura dos meios de comunicação. O título era importante, havia muitos gaúchos lá (algo provavelmente sem precedentes), era importante o ambiente de lá ser trazido para cá. Posso questionar um ou outro ponto da cobertura, mas em geral gostei.

O mesmo vale para os colorados que foram para lá.

Sei lá, não dá para programar a cobertura e a viagem pensando que vai ser eliminado na semifinal.
Zezinho disse…
Meu comentário acima foi feito enquanto eu estudava para final de Geotectônica. Isso significa muita coisa. Ou não.

Abu Dhabi não era a cidade para qual o Garfield enviava o Nermal, 'o gatinho mais bonito do Mundo'?
felipesfranke disse…
Admiro a BUSCA PELA DIVERRGÊNCIA do Lourenço.

A cobertura da RBS foi a do jornalismo-torcedor. É uma filosofia possível. É, por exemplo, parte do que se vê na SporTV. É também parte do estilo do El País espanhol, como um dia me bem observou o Luís: para eles, a seleção espanhola é completamente muito superior a todas outras, o Nadal é o maior tenista da história, etc.

Pessoalmente, não gosto. Economicamente, deu muito errado pra RBS. Mas poderia ter dado muito, muito lucro.