Um elefante branco no litoral

Sessinzão já recebeu jogos da Dupla pelo Gauchão
Frederick Posselt Martins
Tenho poucas lembranças de infância do litoral gaúcho. Não que não o tenha aproveitado - Já me banhei nas águas de Pinhal, Torres, Webber, Paraíso, Arroio do Sal, Imbé e Tramandaí, mesmo que tudo seja a mesma coisa devido a ausência de portos naturais nos nossos pagos arenosos. Mas muito porque a família costumava veranear no sítio onde meu avô residia, em Osório. Claro, ali ainda é litoral, embora um litoral diferente. De lagoas, e não de mar. De campo, e não de areia.

Mas, se batesse a vontade de visitar o mar, a preferência era Cidreira. É lá que mora meu padrinho de batismo, um gremistão dono de um açougue que fica a três quadras da beira-mar. Nos meus (cada vez mais) longínquos cinco anos, dava um medo danado de circular por aquelas dependências cheias de maquinários barulhentos, uma porta de geladeira imensa e uma máquina de cortar carne que via meu padrinho usar com frequência. Boas lembranças. E engraçadas.

Numa delas, vamos até 1995, o ano sagrado. A família estava em Cidreira, visitando o padrinho. Era uma tarde de domingo nublada, não recordo exatamente o dia. Lá pelas tantas, meu pai me chama para sairmos, eu, ele e o dindo. E, de carro, vamos para um lugar no meio do nada. Ao chegarmos, só se avistava areia ao redor. De longe, algumas casas de aparência singela. No meio disso tudo, um monstro cinza de concreto se apresentava na minha frente. Inacabado, incompleto. E feio.

Não havia ninguém vigiando o local, o que fez o padrinho e o pai adentrarem. E enquanto o primeiro explicava pro segundo os acabamentos que faltavam praquele lugar ser inaugurado, eu fixava meus olhos pro gramado esburacado e pras rampas que ligavam o campo com a parte em que nos encontrávamos. Não havia, ainda, tela cercando o gramado, e eu só ficava imaginando o que deveria ser todo aquele cinza, todo aquele monte de concreto, que apresentava, antes de mais nada, um grande sentimento de vazio.

E acredito que, no fundo, sempre foi isso que o Sessinzão passou a todos que, um dia, o visitaram: um sentimento de vazio. Um estádio sem um sentido de existência, a não ser para satisfazer as vontades do prefeito, que já havia aprontado uma dessas em Tramandaí. Não é à toa que, três anos depois, foi preso pelo crime de peculato e improbidade administrativa. Afinal, faz sentido gastar dinheiro público num estádio que se localiza no meio do nada e que pode comportar o dobro da população de Cidreira?

Não é nenhuma injustiça dizer que o Sessinzão nasceu condenado. Não havia time para representar a cidade e usar suas dependências, e não havia público para lotá-lo. Ainda assim, há quem tenha se esforçado para dar a ele alguma história. Diante disso, conseguiu sediar a Copa Renner, alguns amistosos da Dupla Gre-Nal e, acredito, jogos do Gauchão. Mas, depois da prisão do Sessim, o estádio praticamente caiu no esquecimento. E vez por outra me indagava que fim teria levado aquele estádio. E essa pergunta sempre voltava para minha cabeça toda vez que visitava o padrinho.

Levou dez anos para que o abandono do Sessinzão fosse pra imprensa. Como não era usado pela Prefeitura, pelo Governo do Estado ou pela FGF, o elefante branco se deteriorou. Em vez de jogadores, vacas ocupavam o gramado, numa espécie de filial do Tabajara FC. As arquibancadas, tal qual aquela visita em 95, continuavam esperando espectadores. Não havia futebol, emoção, grito de gol. Só o mesmo sentimento de vazio. De tristeza. De ausência.

E aí, numa tentativa de recuperar o local, a FGF decidiu mandar jogos da Dupla no estádio. Seria no Gauchão de 2007, e logo a partida inaugural (São José x Grêmio) seria lá. Ao ir no jogo, doze anos depois daquela visita, percebi que tudo continuava igual. Nada havia sido construído ao redor do local, seja um restaurante ou uma loja; as casinhas haviam proliferado, mas continuavam longe; e aquela areia toda piorava o deslocamento da torcida devido à chuva que caía e transformava tudo num lamaçal terrível, de forma que não havia como entrar limpo no estádio.

Apesar da chuva, do vento litorâneo - consequentemente, do frio que fazia naquela tarde - , das tietes do Galatto que falavam insuportavelmente fino do meu lado e das obras de restauração visivelmente inacabadas, digo-vos que valeu a pena. O Grêmio venceu por 1x0 aquela partida, gol de Tuta num cruzamento de Diego Souza (que tempos!). Pela primeira vez, enxergava alguma felicidade e alguma alegria naquele estádio. Seria um recomeço? Haveriam outros jogos lá do Gauchão. Novas alegrias, novos gritos de gol. Enfim, futebol. Mas o que aparentava ser um recomeço, na verdade foi um último suspiro: depois de 2007, nunca mais o Sessinzão foi utilizado para uma partida oficial.

Vez por outra, vemos surgir seu nome no noticiário. Até um tempo atrás, era ideia da Prefeitura leiloá-lo. Mas achar vendedor que compre aquele lugar por US$ 1 milhão, convenhamos, é fazer mágica. Houve também interesse do Assis em mandar os jogos do Porto Alegre no local. Enfim, seja como for, ao relembrar dessas histórias, chego a ficar com pena do Sessinzão. Um estádio que surgiu sem objetivo algum, sem um time de futebol próprio, sem uso e sem atividades durante, praticamente, 80% do ano. Enfim, mais um elefante branco do que um estádio de futebol. Parafraseando Mamonas Assassinas, um estádio que ficou "na m**** das areias do destino". Uma pena...

Rapidinhas
- Gilmar Iser vai comandar o Novo Hamburgo, pela quarta vez, no Gauchão. A notícia é tão recorrente que tenho até vergonha em dá-la. Até ser contratado por um grande destes pagos, deve ser essa a peregrinação de Gilmar no futebol: no primeiro semestre, Estadual pelo Novo Hamburgo. No segundo semestre, o que surgir tá bom.

- O Pelotas completou 102 anos segunda-feira (11/10). Cantemos todos um parabéns gaudério para toda a nação auricerúlea, por obséquio! Felicidades!

- Ainda falando de Pelotas, especulou-se semana passada de que Finazzi (esse mesmo!) estaria sendo sondado. A diretoria auricerúlea negou. Entrementes, um desfalque para 2011 é certo: o volante Jardel pediu para se desligar do clube, e ao que se especula, jogará o Gauchão pelo Juventude ano que vem.

Foto: Arivaldo Chaves/ZH.

Comentários

Vicente Fonseca disse…
Copa Renner. Bons tempos mesmo.

Lembro que no Gauchão de 1997 o Grêmio jogou com o Juventude no estádio de Torres, em fevereiro. Era uma forma de trazer o futebol para onde estavam os porto-alegrenses: na praia.
Lique disse…
fui nessa copa renner. lembro pouco. lembro de estar caminhando fora do estádio, lembro de sport e nacional. quem mais?
Vicente Fonseca disse…
Lembro que os outros participantes eram Grêmio e Cerro Porteño e que eu via ou ouvia todos os jogos com a trilha sonora dos Mamonas Assassinas. Mas não fui a nenhum jogo.
samir disse…
Acho mto legal levar os jogos do gauchão para o litoral no período de veraneio, mas exige-se o mínimo dos estádios.

Fui num jogo em Cidreira, entre Grêmio e Pelotas, treinado pelo glorioso Poletto, isso qdo da inauguração do estádio, e já havia infiltração, vazamento, fora o gramado q não era grande coisa.

E juntar Tuta, Mamonas e Sessim numa única crônica é coisa de gênio! Parabéns, Fred.
Vicente Fonseca disse…
6 a 1 pro Grêmio esse jogo. Foi o primeiro jogo do Grêmio após o bi do Brasileirão.

E tem razão, juntar essa galera toda é genialidade do Fred. hhsdhsdhsd