Os 12 trabalhos de Renato

Em 14 jogos com Renato, Grêmio dobrou de aproveitamento 
Renato Portaluppi chegou ao Olímpico no dia do jogo contra o Goiás, em 12 de agosto, quando o Grêmio foi eliminado em casa da Copa Sul-Americana pelo então lanterna do Brasileirão. Naquele momento, o Tricolor estava alijado da competição continental, era candidato ao rebaixamento no Brasileirão e seu torcedor ainda via o Inter bater o Chivas no México e ficar a um passo do bi da Libertadores.

Nestes 55 dias, oito semanas, Renato trabalhou em 14 jogos do Campeonato Brasileiro. Não só tirou o Grêmio da zona de desconforto como o pôs numa posição onde, caso o G-3 volte a virar G-4, o gremista passou a sonhar com a volta do time à Libertadores, em 2011. Qual a receita para tanto sucesso imediato? Difícil responder, mas tento indicar algumas razões.

1) O fim do chicote: Renato chegou ao vestiário e se assustou com o que viu: um time esfacelado psicologicamente, duramente (e com justiça) criticado pela péssima campanha. Sentiu que a hora não era de mais cobranças, mas de restabelecer a confiança. Assumiu a responsabilidade pelos fracassos que poderiam vir no começo e deu liberdade aos jogadores para ousarem dentro de campo. Jamais se ouviu da boca do técnico qualquer comentário que falasse mal dos atletas (algo muito comum na época de Silas, que mandava recados aos jogadores via imprensa), por piores que fossem as atuações iniciais do time sob seu comando.

2) Confiança a Douglas: dono de um grande futebol nos tempos de Corinthians, Douglas chegou ao Olímpico como solução para a criação gremista. Após boas partidas no primeiro semestre, despencou de produção na volta da Copa do Mundo, virando alvo da torcida por atuações apáticas e desinteressadas. Renato, em vez de sacá-lo, apostou em seu talento e o recuperou. O resultado foi uma sensível melhora de seu desempenho, o crescimento da produção ofensiva do time, alguns carrinhos que demonstram seu maior interesse em campo e golaços como os marcados contra Atlético/GO e Corinthians.

3) Disciplina sem chutar a porta: Renato instituiu a “caixinha” no Olímpico: quem estivesse acima do peso, pagaria R$ 500 por quilo extra na balança. Depois de meses de contestado preparo físico, o Grêmio parou de perder partidas no fim, e passou a vencê-las. Este é um bom exemplo do estilo de comando de Portaluppi: é amigo dos jogadores, mas exige cumprimento de regras. Falando a linguagem do boleiro, utiliza a si próprio como exemplo: não era santo fora de campo, mas dentro dele e nos treinos, era sempre o primeiro a chegar.

4) O fim do Capitão Victor: uma das primeiras medidas de Renato ao assumir o Grêmio foi tirar de Victor a braçadeira de capitão. Entendia que goleiros saem prejudicados ao assumirem esta função, pois têm de deixar o gol para reclamar, o que é um ato interpretado como ostensivo pelos árbitros. Não só tem razão o técnico gremista neste aspecto, como também, por tabela, recuperou tecnicamente o goleiro: depois de um período de instabilidade, onde se preocupava demais em reclamar e deixava a costumeira frieza de lado, Victor cresceu e se tornou, mais uma vez, o melhor goleiro do Campeonato Brasileiro. Voltou à seleção e até passou a pegar pênaltis, algo que não lhe era muito comum mesmo nos seus melhores tempos.

5) Convicção, sem teimosia: Renato não foi teimoso, mas tem convicções. São duas coisas bem distintas e fazem toda a diferença no trabalho de um técnico. Testou um 3-6-1 que não deu certo: a defesa ficava exposta e o time perdia força no ataque sem Borges; largou-o de mão. Depois de tentar Gílson no meio duas vezes e fracassar em ambas, não repetiu a aposta mal sucedida. Fez testes no começo, tanto de esquemas como de jogadores. Até o time atingir a estabilidade, foram sete rodadas de tentativas. É claro que sua condição de ídolo lhe deu carta-branca para tentar sem medo de errar, o que com outro técnico talvez não fosse tão bem compreendido.

A vitória contra o Corinthians, emblemática, mostrou a maturidade do seu time e o esquema a seguir para o restante da campanha. Desde lá, repetiu o 4-2-2-2 mesmo com desfalques e improvisações. Deu tão certo que zagueiros atuando como volantes foram vistos nas grandes partidas mais recentes, contra São Paulo e Vitória.

6) Parar de perder, depois vencer: o Grêmio nunca menosprezou o risco de rebaixamento, mas Renato jamais deixou de confiar na qualidade de seu elenco. Em vez de cair no desespero, suas entrevistas foram sempre ponderadas. Era preciso estancar a série de derrotas para iniciarem as vitórias. Depois de perder para Ceará e Santos no finzinho, o Grêmio arrancou um empate com o Atlético/PR em Curitiba e com o Botafogo no Rio. Venceu, a duras penas, Guarani e Atlético/GO no Olímpico. Com mais confiança pelos resultados, o time deixou o Z-4 e passou a atuar mais tranquilo, conquistando boas vitórias e convincentes atuações a seguir.

7) Sem medo fora de casa:  em sete jogos fora de casa sob o comando do novo técnico, o Grêmio só perdeu uma vez, para o Ceará. Foi uma péssima atuação, de um time medroso, covarde, que “pediu” a derrota no fim do jogo. Nos outros seis restantes, a postura foi alterada: à exceção da partida contra o Botafogo, o Grêmio sempre começou tomando a iniciativa, sem medo de propor o jogo. Passou a engatar uma sequência de vitórias que há 20 anos não ocorria longe do Olímpico e largou, de uma vez por todas, o trauma de atuar fora de casa pelo Brasileirão, que já durava quase dois anos.

8) Torcida de volta: sem Renato, a média de público do Grêmio no Olímpico girava em torno dos 11 mil torcedores. Com ele, o número saltou para 25 mil, e somente com jogos no meio de semana. As promoções de ingressos realizadas pela direção também colaboraram para o aumento do público na Azenha, mas o efeito da contratação do maior ídolo da história do clube é facilmente visto pelo incremento do movimento da loja Grêmio Mania.

9) Reforços bem indicados: dois dos jogadores que acertaram a defesa do Grêmio foram indicações diretas de Renato à direção: com Gabriel e Vilson juntos, o Tricolor ainda não perdeu um jogo sequer. Desde a estreia de Vilson, contra o Santos, o time sofreu 12 gols em 12 jogos, média de um por jogo. Antes disso, eram 21 gols em 15 jogos, 1,40 por partida. Além deles, o lateral esquerdo Gílson mostrou qualidades na única partida em que atuou na sua posição de origem. Paulão, pela firmeza e vontade demonstradas, já virou uma espécie de ídolo da torcida, ainda que pouco tenha atuado.

10) Operação Tapa-Buracos: nos tempos de Silas, era visível o chamado “buraco” no meio-campo gremista. Por ali o Santos eliminou o Tricolor da Copa do Brasil. Em seu terceiro jogo como técnico, diante do Ceará, Renato visualizou este problema. Na partida seguinte, Fábio Rochemback postou-se à frente da área, marcando o santista Ganso. Somente no primeiro tempo do jogo com o Botafogo a buraqueira foi vista novamente. Com Rochemback e Adilson, o Grêmio voltou a ter consistência no meio-campo. A zaga, antes tão criticada, passou a ter boas atuações também em função disso.

11) Gurizada, mas só na boa: no momento difícil, Renato preferiu apostar nos experientes. Os jovens sentiriam o peso de entrar com o time na zona de rebaixamento. Aos poucos, com o clima mais ameno, guris como Roberson, Neuton e Fernando viraram opção corriqueira. Em Salvador, jogaram também Saimon e Maylson. Mais leves, deram conta do recado.

12) A nova-velha função de Lúcio: Renato testou Gílson no meio contra o Botafogo e Lúcio na lateral esquerda. Deu tudo errado. Contra o São Paulo, oito rodadas depois, reconheceu o equívoco e os inverteu de posição. Deu tudo certo. Contra o Vitória, Lúcio foi mantido no meio-campo e teve nova bela atuação. Repetindo os grandes momentos de 2007, quando foi para o meio sob orientação de Mano Menezes, tem tudo para continuar como titular. Será a hora de Renato mantê-lo, mesmo que Souza volte a ter condições de jogo.

Foto: Lucas Uebel.

Comentários

Juliana de Brito disse…
Ótima análise. Tantos avanços fazem pensar que com Renato tudo é possível. Além disso, tem a questão do crescimento nas vendas de produtos, como foi noticiado na imprensa: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?section=Esportes&newsID=a3058822.xml

Que o Grêmio aproveite a imagem do Portaluppi para fazer mais marketing.
Vicente Fonseca disse…
Valeu, Juliana.

Acho que tudo isso tem que ser levado em conta na hora de a nova direção pensar a permanência de Renato para o ano que vem. Eram justamente esses méritos que me fizeram defender a vinda dele no ano passado, em meio à Libertadores. Mas confesso que não esperava esse crescimento do time tão cedo com ele esse ano.
Lique disse…
TIVESSEM ME OUVIDO ano passado. renato era pra ser campeão da libertadores. agora é tarde. heh. ano que vem recomeçamos o sonho do tri.
Vicente Fonseca disse…
Eu gostei da vinda do Autuori na época, confesso - como, aliás, a maioria absoluta dos gremistas. Mas, primeiro, pedi o Renato:

http://cartanamanga.blogspot.com/2009/04/por-um-pouco-menos-de-conviccao.html

http://cartanamanga.blogspot.com/2009/04/por-um-novo-comeco.html

Rá! sdhsdhdshsd
Lique disse…
a vinda do autuori foi palhaçada pela espera. não discordaria, em primeira instância, mas ter que esperar tanto não fez muito sentido, estando em meio a uma libertadores que teria sido importantíssima na história do grêmio.
Vicente Fonseca disse…
Sem dúvida. Foi justamente a espera que eu discordei na época. Absurdo mesmo.

Atualmente, defendo a ideia de que SOMENTE técnicos gaúchos devam ser contratados, sem exceção. São os únicos que dão certo no Grêmio, Evaristo à parte.
Lique disse…
bem observado. nada mais justo.
Lourenço disse…
Que bela análise, puta que pariu.
Igor Natusch disse…
Humilhou.
samir disse…
É, assino embaixo. Nada a acrescentar a tua análise, professor.

E concordo com a surpresa na resposta do renato em tão pouco tempo. Inicialmente o Odone dizia não saber se o Reanto era o cara certo pra treinar o Grêmio, mas agora espero q ele tenha repensado e renove com o comandante pro ano q vem!
Vicente Fonseca disse…
Valeu, gurizada!

Espero que o Odone tenha repensado também, Samir. Acho que tirar o Renato seria comprar uma briga muito grande com a torcida. É uma escolha que não faria sentido, tanto técnico como em termos de apoio político.
Enio Augusto disse…
Post muito bom. Ótima análise
André Kruse disse…
Viu a matéria sobre o Renato na ZH de hoje?
Vicente Fonseca disse…
Puta merda.

Difícil acreditar em coincidência.
Igor Natusch disse…
Vergonhoso demais. Para o Olivier, claro.
Unknown disse…
Bah, q análise sensacional. É bem por aí Vicente, estamos à beira de uma ascensão, nada mais justa frente à longa espera pelo Portaluppi. Força Grêmio, eu acredito, JAMAIS NOS MATARÃO!
Vicente Fonseca disse…
Valeu muito, Samiroquai. Essa história toda é MUITO CHATA, mas se servir para arraigar novos leitores para o blog eu já achei o lado positivo dela.

Dale!
até no clicrbs eles postaram alguma coisa... http://tinyurl.com/2a6emo3
Victor disse…
Show. Vou roubar e colocar no meu blog como se eu tivesse pensado.
Brincadeira :-)