Sobre cromos autocolantes e brincadeiras de adulto
“São os últimos, hein?” me diz a senhora de cabelos mal-tingidos de preto, naquela banca de revistas ao lado do metrô Vila Madalena, em SP. “Você tá com sorte, ao menos tinham sobrado alguns”. De um canto discreto, entre revistas sobre diabetes e cartões de recarga de celular, a vendedora puxa um pequeno volume de pacotes, presos por um elástico amarelo. Quase a percebo olhando para os lados, furtivamente, conferindo se mais ninguém observa aquela negociação. O cuidado é justificado: são figurinhas da Copa 2010, produto que se tornou raro e cobiçado nas ruas de São Paulo.
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Realmente, tinha tido sorte: aquela era apenas a terceira ou quarta banca que eu visitava, na busca pelos preciosos cromos autocolantes. Comento em voz alta, como quem quer puxar conversa, da dificuldade que tem sido encontrar o precioso material nas bancas de revista da cidade. “Pois olha, vou dizer que até que a editora manda bastante, sabe”, responde a senhora, empolgada por ter com quem falar a respeito. “Mas o pessoal compra que é uma loucura. Sai fácil uns 3 mil pacotes por dia. Vende que nem água! E é a maioria adulto que compra, criança quase nem pergunta”. Do alto dos meus quase trinta anos de estrada, com uma dúzia de pacotes na mão, contemplo a mim mesmo e me vejo subitamente transformado em estereótipo.
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Curiosa, essa mudança de público-alvo. Comecei a colecionar figurinhas bem moleque, com as figurinhas da Copa União de 1987 ou 1988. Vivi grandes emoções graças a essas coleções. Na época, as figurinhas eram menores, em papel de menor qualidade, e para colá-las no álbum era necessário utilizar um prestimoso tubo de Cola Tenaz. Cromos autocolantes era coisa de álbum da Marvel, de Ursinhos Carinhosos – coisa de fracos, enfim. Os fortes colecionavam figuras do Brasileirão de 1989 ou da Copa de 1990, manchavam os dedos, tomando cuidado para a cola não vazar debaixo da figurinha e acabar colando a página do álbum.
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Lembro até hoje da melhor troca que fiz na vida – eu um moleque de terceira ou quarta série, obtive um enorme bolo de figurinhas de um rapaz da oitava. Na época, eu considerava a oitava série um mundo muito distante, e qualquer um que alcançasse tão alto degrau na hierarquia escolar se transformava de imediato numa espécie de sábio juvenil. Ele queria o Vica, zagueiro do Fluminense da Copa União, única que faltava para fechar o álbum dele – e eu, graças a um daqueles agradáveis sorrisos do destino, tinha nada menos que três repetidas do homem. Saí com um bolo enorme de figurinhas, pelo menos umas oitenta que eu não tinha. Mas lembro que, mesmo assim, não consegui completar o álbum.
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“Tem um freguês meu que já completou três álbuns, e tava pensando em comprar outro”, me conta assombrada outra vendedora de revistas, mulata bonita e simpática que estava limpando o chão da banca quando cheguei perguntando dos cromos. Segundo ela, o rapaz é um executivo, já com os primeiros fios brancos surgindo na cabeça, e compra diariamente grandes quantidades de figurinhas. “Tem dias que ele vem aqui e compra duzentos, trezentos pacotes de uma só vez. E no outro dia volta e compra mais!”
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De fato, o hábito das figurinhas envelheceu. Antes, éramos moleques sem dinheiro, que dependíamos da boa vontade dos pais para comprar alguns pacotes e engordávamos a coleção na base de trocas e jogos de bafo. Eu era bom no bafo, aliás: batia mais com a parte interna da mão, girava bem rapidamente o pulso na hora do impacto, e se a superfície era lisa logo tinha uma pilha de futebolistas coloridos olhando para mim. Saboreava as emoções de encontrar os cromos difíceis (por mais que a Abril negasse, todos nós sempre soubemos que eles existiam, sim senhor) e me deleitava quando aparecia uma figurinha carimbada, marcando alguns dos craques do campeonato em questão.
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“Teve um senhor que veio aqui e perguntou quantas figurinhas eu tinha”, continua a senhora de cabelo tingido, enquanto conta meus pacotes. “Eu tinha acabado de receber uma remessa, tinha mais ou menos uns quinhentos pacotes. Ele comprou todos! Todos!” O tom de espanto da voz da vendedora é ingênuo e genuíno. Um colega de profissão, que trabalharia perto do Largo do Arouche, teria feito vendas ainda maiores. “Nunca vi um álbum vender tanto. Em toda a cidade tem sido assim, mal chegou e já está acabando”.
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Hoje em dia, colecionar figurinhas virou coisa de adulto. E em termos de negócios, isso significa ainda mais dinheiro circulando. Basta uma rápida olhadinha no Mercado Livre e temos uma série de vendedores oferecendo cromos online, cobrando R$ 0,30 pelas figurinhas comuns, R$ 0,80 pelas cromadas. Nada de trocas, avisam; o negócio é comercial mesmo, defina os números que deseja e faça o depósito. Juntando dois e dois, começamos a perceber o que move algumas pessoas que, dia após dia, compram toneladas de pacotes, figurinhas que preencheriam dezenas de álbuns e garantiriam trocas inesquecíveis para moleques como eu. São como cambistas que migram para o virtual. Do mesmo modo que faltam entradas nos jogos decisivos, agora faltam figurinhas nas bancas de São Paulo. Ao invés de ingressos, nos vendem coloridos pedaços dos nossos próprios sonhos.
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Puxo a carteira e pago pelos pacotes, feliz com a sorte de tê-los achado, mas um pouco melancólico com esses pensamentos e lembranças. “Teve um cliente que falou uma bem engraçada”, comenta a senhora de cabelos tingidos que me vendia os cromos. “Hoje em dia, os adultos colecionam figurinhas... E as crianças colecionam pulseirinhas!” E dá uma risada, alta e sonora, esperando que eu retribua a brincadeira de algum modo. Forço uma risada, mas sem muito entusiasmo: de fato, por algum motivo, tudo me parece um tanto triste. Quando chegam as novas remessas, pergunto eu. “Terça, eu acho. Espero que chegue, senão esse povo vai ficar louco!” Rio de novo, de modo um pouco mais sincero. Despeço-me, enquanto surge uma menina de uns doze ou treze anos, roupas puídas e chinelos de dedo. “Tem figurinha da Copa?”, pergunta. "Cheguei primeiro", penso comigo mesmo. E saio sorrateiro, como quem deu um drible espetacular em algum marcador sedento por canelas e supercílios.
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A propósito: eu tenho figurinhas da Copa. Não para vender, evidentemente: meu interesse é trocar por algumas das que me faltam. Entre outros, tenho repetidas do Dennis Rommedahl, Jung Sung-Ryong, Ramon Nuñez (craque da seleção de Honduras), Nicolas Otamendi e o indefectível Sergio Busquets. Faço trocas justas, um por um, podendo ser negociado em casos de necessidade extrema. Ou, é claro, podemos disputar esses cromos em um divertido e justíssimo jogo de bafo. Sabe como é: se é para brincar de ser criança, vamos fazer direito. Até o fim.
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Fotos: pacotes de figurinhas da Copa da África do Sul (divulgação/Panini); e ainda me faltam algumas dessas, mas estou quase fechando a página do Brasil (copadaafrica2010).
Comentários
No dia em que fui comprar meu álbum, dois pirralhos vinham correndo. Pressenti o PERIGO de eles pegarem figurinhas e eu não e, por um segundo, pensei em dar uma RASTEIRA num deles. Mantive-me sereno e deu certo: tinha pra todo mundo. Consegui figurinhas, álbum e não entrei no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ah: pessoas que trocam distintivos e figurinhas cromadas valendo o dobro das normais não merecem NENHUM RESPEITO. Se o cara diz QUE "figurinha metalizada vale por duas", cancelo o negócio NA HORA. Questão de princípios.
E Edilson está na seleção do Gauchão. Começa o reconhecimento! EDILSON NA SELEÇÃO BRASILEIRA EM 2014!!!
500 pacotes dá 2.500 figurinhas.
Se todas as 640 vierem, o cara terá 1.860 REPETIDAS.
Ah, não aguento mais o Moras e Kirgyakos, da Grécia, e o Grichting e o Volanthen, da Suíça. O Gargano, do Uruguai, é outro que já me veio umas cinco vezes!
046 - Benni McCarthy
083 - Edinson Cavani
112 - Nicolas Otamendi
147 - Jung Sung-Ryong
150 - Lee Jung-Soo
225 - Nadir Belhadj
305 - Neven Subotic
367 - Dennis Rommedahl
374 - Eiji Kawashima (um pouco amassada, infelizmente)
368 - Daisuke Matsui
391 - Seleção de Camarões
405 - Eyong Enoh
530 - Abdoulaye Meite
545 - Eduardo
571 - Sergio Busquets
591 - Benjamin Huggel
611 - Ramon Nuñez
Faço trocas! Contatos via comentários ou pelo email =P
046 - Benny McCarthy
112 - Nicolas Otamendi
225 - Nadir Belhadj
SEGURA AÍ.
E me diz algumas das que tu quer (meu bolo de repetidas é muito grande pra colocar aqui).
Minha coleção ainda falta muita coisa, rapaz - depois te listo algumas que me interessam por e-mail ;)
Para mim, essa é a parte mais importante da entrevista do Valenzuela. Pelo tempo verbal utilizado em "consegui", não há dúvidas de que ele já fala em tom de despedida. Acho que a classificação quinta vai manter Fossati; caso contrário, o Inter nem precisa despedi-lo, ele mesmo deve fazer isso.
Me chamou a atenção também que o Fossati já disse mais de uma vez que cogitou sair.
só tenho uma coisa a acrescentar: http://tiny.cc/trin7
suprassumo da MAGIA de um álbum de figurinhas.
Eu tinha esse álbum!
Cambista de figurinha, uhduhfduhasduhasduhasasuhd
(desculpem, pode ser trágico, mas não tinha como não rir)
:-)
Vou ver o que ele tem de repetida e passo a lista para vocês daqui a pouco.
Abraço.
Essa desculpa de fazer o álbum pelos filhos o Luís Felipe tava querendo usar também.
15 - Metade do Free State Stadium
19 - Metade do Mbombela Stadium
44 - Richard Henyekane
88 - Símbolo da França
152 - Oh Beom-Seok
162 - Lee Keun-Ho
193 - Aaron Lennon
206 - Jay Demerit
252 - Mirnes Sisic
265 - Serdar Tasci
276 - Mario Gomez
287 - Carl Valeri
292 - Brett Emerton
298 - Vladimir Stojkovic
339 - John Heitinga
352 - Klaas-Jan Huntelaar
365 - Thomas Kahlenberg
370 - Nicklas Bendtner
374 - Eiji Kawashima
419 - Angelo Palombo
431 - Justo Villar
438 - Carlos Bonet
457 - Tim Brown
463 - Chris Wood
470 - Martin Skrtel
507 - Ri Myong-Guk
511 - Pak Chol-Jin
532 - Siaka Tiene
548 - Pepe
593 - Tranquillo Barnetta
602 - Noel Valladares
603 - Maynor Figueroa
Juliano, segura a 152, 193, 292, 374 e 511!
"00-99" - 26, 46, 91;
"100-199" - 118, 129 (2), 146, 156, 165, 197;
"200-299" - 211, 214, 229 (3), 269;
"300-399" - 300, 303, 313, 328, 335, 338, 339 (2), 344, 346, 351, 353, 384, 391;
"400-499" - 400, 407, 424, 425, 435, 444, 469;
"500-599" - 518, 534, 536, 539, 545, 551, 560, 568 (2), 580, 582, 592, 598;
"600-638" - 607, 619, 624, 630, 637.
15 - Metade do Free State Stadium
88 - Símbolo da França
206 - Jay Demerit
276 - Mario Gomez
287 - Carl Valeri
298 - Vladimir Stojkovic
370 - Nicklas Bendtner
431 - Justo Villar
457 - Tim Brown
470 - Martin Skrtel
507 - Ri Myong-Guk
532 - Siaka Tiene
593 - Tranquillo Barnetta
Na lista que passei, existem 13 que podem ser trocadas?
Abraço.
Pelo que percebemos, você gosta de colecionar álbum de figurinhas e se interessa pelo tema. O álbum da Copa do Mundo da África do Sul já é o maior sucesso não só entre os fãs de futebol, como de colecionadores em geral. Muitos lugares – principalmente bancas de revistas – já viraram ponto de encontro para troca das requisitadas figurinhas. A novidade é que o Museu do Futebol, no Pacaembu, que tem o patrocínio da Telefônica, também entrou na brincadeira. O Museu abriu sua sala de exposição temporária para trocas entre os aficcionados pelo tema. Todos os sábados centenas de fãs ávidos por figurinhas que ainda não têm se reúnem neste espaço.
Se você também é colecionador, mas ainda não conseguiu preencher seu álbum, apareça no Museu do Futebol! O Museu está localizado no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. O endereço de lá é Praça Charles Miller, S/N. O encontro funciona todos os sábados, até dia 10 de julho, das 12h às 17h. A entrada para a sala de trocas é gratuita.
Abraços.
Só temos que marcar local e horário. Meu e-mail é julianotatsch@yahoo.com.br. Abraço.