Hristo Stoichkov (1994/98)

Responda rápido: qual a única seleção que conseguiu vencer dois países campeões do mundo na Copa de 1994? Acertou quem respondeu Bulgária. Somente ela. Trata-se de um fato tão raro que é possível elencar os poucos que obtiveram tal feito (ver quadro no fim deste texto).

Mas, convenhamos, ninguém apostava um tostão furado nos búlgaros. Até 1994, nunca tinham ganhado sequer um jogo em Copas do Mundo – isto que já haviam participado de cinco delas; eram 16 atuações, com constrangedores seis empates e dez derrotas. Somente dois fatores davam alguma esperança de que, desta vez, ao menos a tão sonhada primeira vitória viria: a classificação heroica nas Eliminatórias, quando o time virou sobre a França e a eliminou no último minuto, em Paris; e Hristo Stoichkov, astro do Barcelona, onde fazia misérias ao lado de Romário.

Com a camisa 8, Stoitchkov era o responsável por comandar um time que tinha talento, mas parava nos seus próprios traumas. Ao lado dele, jogavam o habilidoso meia Balakov, o dinâmico carequinha Letchkov, o bom goleiro Mihailov, o cumpridor lateral Kremenliev, os artilheiros Kostadinov e Sirakov, entre outros. Entretanto, era muito claro que pairava sobre suas costas toda a esperança da nação. Se Stoichkov fosse mal, a Bulgária fatalmente também iria mal.

Logo na primeira partida, enfrentar uma seleção africana estreante era a chance de começar bem. Mas a Bulgária sofreu um duro golpe: 3 a 0. O placar marcava 1 a 0, quando uma falta próxima à área nigeriana foi marcada. Stoichkov mostrou toda sua inigualável qualidade em cobranças de falta colocando-a no ângulo do goleiro Rufai. Porém, o árbitro marcara lance em dois toques. Foi, ao lado de Puskas em Brasil x Espanha (1962), o mais lindo gol anulado da história dos Mundiais. A Bulgária não conseguiu se recuperar deste fato e saiu goleada de Dallas.

Mesmo abalados, os búlgaros sabiam que vencer a fraca Grécia era não apenas a maior, como a última chance de conquistar, finalmente, um triunfo. Tudo porque, a seguir, viria a atual vice-campeã Argentina, de Maradona, e seria a hora de arrumar as malas de volta. A histórica goleada de 4 a 0 confirmou a ruindade grega e recolocou a Bulgária no páreo. Stoichkov abriu o caminho com dois gols de pênalti.


Depois desse histórico jogo em Chicago, a Bulgária só cresceu, sempre com Stoichkov comandando seus melhores momentos. A Argentina, desfalcada de Maradona por doping, estava esfacelada. O mesmo Cotton Bowl, que vira a estreia desastrada diante da Nigéria, via agora uma Bulgária confiante e surpreendente. O 2 a 0 não só os classificava pela segunda vez às oitavas de uma Copa: representavam a maior zebra do torneio até aquele momento, confirmavam o crescimento do time e simbolizavam o surgimento de uma das maiores estrelas daquele Mundial: ele, claro. Hristo marcou o primeiro gol da histórica vitória diante dos argentinos, seu terceiro nos Estados Unidos.


Nas oitavas, um arrastado duelo contra o México, que eliminara os búlgaros justamente nesta fase oito anos antes, no Estádio Azteca. Líder do grupo mais equilibrado da história das Copas (com Irlanda, Itália e Noruega), os mexicanos vinham com credenciais. Mas Stoichkov, numa arrancada fenomenal, marcou o 1 a 0 cedo, com o seu conhecido canhotaço. García Aspe empatou a seguir, e o jogo prosseguiu com os dois times muito abatidos pelo calor de Nova York. Na decisão por pênaltis, Stoitchkov foi escalado para bater o último. Nem precisou: com três erros mexicanos, a Bulgária chegava pela primeira vez às quartas. Contra a poderosa e temida Alemanha, porém, tudo indicava o fim da história.


Mas a Bulgária teimava em fazer história. Chegou como azarão, mas quebrou tabu atrás de tabu: ganhou a primeira em Copas, venceu a vice-campeã do mundo, chegou entre as oito melhores e, naquela histórica tarde de domingo, 10 de julho de 1994, no Giants Stadium de Nova York, conseguia aquilo que todos viam como quase impossível: eliminou a Alemanha da Copa, fazendo um grande favor a todos os concorrentes pelo título. Saiu perdendo, ainda por cima: Matthäus converteu pênalti aos dois minutos do segundo tempo. Mas Stoichkov iniciou a reação aos 30, cavando e cobrando com prefeição uma falta na entrada da área. O goleiro Illgner só pôde admirar, nada mais. Três minutos depois, Letchkov deu um peixinho histórico e virou o jogo. A loucura parecia infinita: a Bulgária estava entre as quatro melhores equipes do planeta.


Nas semifinais, Roberto Baggio provaria porque era o melhor jogador do mundo na época, ao lado de Romário. Fez dois gols e classificou a Itália à final. Stoichkov marcou o gol búlgaro, o de honra, mas que serviu também para dar-lhe o título de artilheiro daquela Copa ao lado do russo Salenko, com 6 gols marcados. Para quem chegava como azarão absoluto, a Bulgária fez história. Stoichkov, com sua canhota furiosa, arrancadas irresistíveis, grande visão de jogo e liderança, foi sem dúvida o principal nome daquele time.

Em 1998, já decadentes, a Bulgária e Stoichkov fizeram feio. Caíram na primeira fase, com um empate (0 a 0 com o Paraguai) e duas derrotas (0 a 1 Nigéria e 1 a 6 Espanha). Stoichkov atuou nas três partidas e não marcou gols. Mas disso, felizmente, ninguém lembra. O que fica na memória de todos são as façanhas obtidas quatro anos antes, em gramados norte-americanos.

É possível dizer que a história do futebol búlgaro confunde-se com a de Hristo Stoichkov. Enquanto ele jogou muito e foi o craque que entrou para a história, sua seleção brilhou. Quando entrou em declínio físico, a Bulgária murchou com ele. E, desde que se aposentou, nunca mais a seleção disputou um Mundial. Hoje, aos 44 anos, ele é técnico do Mamelodi Sundows, da África do Sul. Quem sabe na casamata não será por suas mãos que a Bulgária voltará a disputar e brilhar numa Copa? A história está aí para ser contada, e Hristo já provou não ter medo de pegar a caneta e escrevê-la.

PAPACAMPEÕES
Somente 16 seleções conseguiram vencer pelo menos dois dos sete campeões mundiais em uma mesma Copa. Cinco delas conseguiram três vitórias, um recorde que permanece até hoje.

Para efeitos de levantamento, contabilizamos como válidas as vitórias conquistadas em campo (não vale nos pênaltis) contra Brasil, Itália, Alemanha, Argentina, Uruguai, Inglaterra e França. Vale lembrar que, em alguns casos, uma das seleções envolvidas ainda não havia se sagrado campeã (por exemplo: derrotar a França em 1986 entra na contagem, mas, à época, não se tratava de uma seleção campeã, pois só conquistou seu primeiro título em 1998).

Isso só aumenta o mérito búlgaro em 1994: Alemanha e Argentina não apenas já eram campeãs como também foram justamente as finalistas das duas Copas anteriores (1986 e 1990).

Itália, 1938: 3 x 1 França (quartas) e 2 x 1 Brasil (semifinal)
Hungria, 1954: 8 x 3 Alemanha (1ª fase), 4 x 2 Brasil (quartas) e 4 x 2 Uruguai (semifinal)
Iugoslávia, 1962: 3 x 1 Uruguai (1ª fase) e 1 x 0 Alemanha (quartas)
Inglaterra, 1966: 2 x 0 França (1ª fase), 1 x 0 Argentina (quartas) e 4 x 2 Alemanha (final)
Brasil, 1970: 1 x 0 Inglaterra (1ª fase), 3 x 1 Uruguai (semifinal) e 4 x 1 Itália (final)
Alemanha, 1970: 3 x 2 Inglaterra (quartas) e 1 x 0 Uruguai (3º lugar)
Holanda, 1974: 2 x 0 Uruguai (1ª fase), 4 x 0 Argentina (2ª fase) e 2 x 0 Brasil (2ª fase)
Polônia, 1974: 3 x 2 Argentina (1ª fase) e 1 x 0 Brasil (3º lugar)
Itália, 1978: 2 x 1 França (1ª fase) 1 x 0 Argentina (1ª fase)
Itália, 1982: 2 x 1 Argentina (2ª fase), 3 x 2 Brasil (2ª fase) e 3 x 1 Alemanha (final)
Argentina, 1986: 1 x 0 Uruguai (oitavas), 2 x 1 Inglaterra (quartas) e 3 x 2 Alemanha (final)
Dinamarca, 1986: 6 x 1 Uruguai (1ª fase) e 2 x 0 Alemanha (1ª fase)
Itália, 1990: 2 x 0 Uruguai (oitavas) e 2 x 1 Inglaterra (3º lugar)
Bulgária, 1994: 2 x 0 Argentina (1ª fase) e 2 x 1 Alemanha (quartas)
Brasil, 2002: 2 x 1 Inglaterra (quartas) e 2 x 0 Alemanha (final)
Dinamarca, 2002: 2 x 1 Uruguai (1ª fase) e 2 x 0 França (1ª fase)

* A Suíça, em 1954, venceu duas vezes uma mesma campeã de Copas: a Itália.

Foto: Stoichkov comemora um de seus seis gols em 1994 (Investbulgaria.com).

Comentários

Prestes disse…
Não é a toa que o cara se chama Cristo, é o verdadeiro Messias do futebol búlgaro.

Agora, lendo o post vi que a Bulgária deu sorte. Aquela derrota para a Nigéria provavelmente seria fatal se não fosse o doping do Maradona.

O jogaço contra a Alemanha não sai da minha cabeça, lembro até que tinha ido almoçar na minha avó. Torci demais pra Bulgária.