Eles amavam os Beatles e o English Team

Entre as equipes campeãs mundiais o English Team de 66 é talvez o que mais curiosidade me desperte. Isso porque pouco se exalta a equipe, o futebol desempenhado, os craques. Foi um título marcado, fora da Inglaterra, pelas reclamações contra arbitragem e outros fatores extra-campo. E não só por parte dos alemães, mas até mesmo dos brasileiros, que fizeram uma Copa decepcionante. Até mesmo o sempre polido João Havelange, então chefe da CBD, acusou Stanley Rous – em entrevista recente a Galvão Bueno, no Sportv - de ter prejudicado o Brasil. Rous era inglês e presidente da Fifa e, temendo os atuais bicampeões, teria, segundo Havelange, providenciado para que o Brasil treinasse e se hospedasse em locais ruins, e feito com que as arbitragens permitissem a violência contra os brasileiros. Os dois se tornariam eternos inimigos, e Havelange destronaria Rous da Fifa em 1974. Mas essa é uma outra história. Acredito que uma equipe campeã mundial tem que ter qualidade, independentemente dos fatores extra-campo, e é isso que quero mostrar no English Team. E não preciso de mais rodeios, porque aquela equipe começava por ninguém menos que o mito Gordon Banks. A defesa contava ainda com duas lendas do futebol da Terra da Rainha: Jack Charlton e Bobby Moore, capitão da equipe, cuidavam da parte central da defesa e sobre estes três basta citá-los para mostrar o poderio do setor. Pelo lado direito, jogava o menos conhecido George Cohen, descrito por George Best como o melhor marcador que já enfrentou. Curiosamente, o esquecimento fez com que Cohen tivesse que vender sua medalha de campeão décadas depois, mas o Fulham, clube no qual jogou durante toda sua carreira, arrematou o artefato e colocou em seu museu. Completava a defesa, Ray Wilson, que era entre estes o jogador mais experiente, tendo sido titular também na Copa de 1962 e mais de 60 aparições no English Team. Com essa formação defensiva, os ingleses ficaram quatro partidas sem levar gol. O primeiro gol sofrido ocorreu apenas aos 82 minutos da partida semi-final, e ainda foi marcado de pênalti, por Eusébio. E a Inglaterra não teve pela frente nenhuma moleza. Os adversários da primeira fase foram Uruguai, México e França. O ataque demorou a engrenar, a primeira partida, contra os uruguaios, terminou em zero a zero. Esse setor era capitaneado com louvor pelo gênio Bobby Charlton – já bem retratado pelo Carta Na Manga. O completavam o centro-avante Roger Hunt, 245 gols com a camisa do Liverpool, e Jimmy Greaves, assim descrito por Eduardo Galeano: “Se fosse nos filmes de cowboy ele teria sido o mais rápido do Oeste. Nos campos de futebol, fez cem gols antes de completar vinte anos, e aos vinte e cinco, ninguém tinha conseguido inventar um para-raios capaz de agarrá-lo. Mais do que correr, explodia: Jimmy Greaves arrancava tão rápido que os árbitros davam impedimento por engano (...)”. Mas a Copa não seria de Greaves. Em três partidas ele não marcara nenhuma vez, e teve um ataque de icterícia – doença de fígado. Brilharia a estrela do então reserva Geoff Hurst, que assumiu o posto nas quartas-de-final. Ao lado de Bobby Moore, Hurst levara o pequeno West Ham ao título da FA Cup em 64, e da Recopa Europeia no ano seguinte, ambos conquistados em Wembley. Em “casa”, os dois conquistariam o mundo em 66. Quem também jogava no West Ham era Martin Peters, jogador de meio-campo do English Team. Tendo jogado apenas três partidas pela seleção até a Copa, Peters começou a estreia sentado no banco. Jogador de velocidade, criativo, que chegava à frente e marcava gols, Peters foi alçado a condição de titular após o decepcionante empate contra o Uruguai e de lá não mais saiu. Quem fazia a parte suja da meia-cancha era Nobby Stiles, jogador pouco lembrado, que fora desacreditado desde a infância, por sua baixa estatura. Apesar disso, além do mundial pelo English Team, conquistaria a Europa com o Manchester United em 1968. Completava o setor, Alan Ball, jovem revelação que tinha recém completado 21 anos e jogava no pequeno Blackpool. Seu desempenho na Copa do Mundo o levaria ao Everton logo após o torneio. Após a estreia, a Inglaterra demonstrou ainda muito nervosismo, por toda a pressão de ser a equipe da casa, contra o México, com correria pouco inteligente e muita marcação pressão. O primeiro gol saiu dos pés de Bobby Charlton num tirambaço da intermediária. O segundo, com o oportunista Hunt, aproveitando rebote. Na última partida, os franceses mostraram um futebol mais vistoso, e o English Team precisou consagrar um estilo que ficaria para sempre atrelado a si: Roger Hunt marcou duas vezes, após dois “chuveirinhos” para área, uma vez ele mesmo cabeceou, e na outra aproveitou rebote de uma cabeçada de Jack Charlton na trave. As quartas-de-final ficariam marcadas pelo duelo entre Inglaterra e Argentina, com muita reclamação dos argentinos contra a arbitragem. Os sul-americanos haviam vencido Espanha e Suíça, e empatado com os alemães. Brilharia a estrela de Geoff Hurst, em sua primeira partida, marcando de cabeça, quando faltavam apenas doze minutos para acabar a partida. Novamente a jogada aérea funciona para o time inglês. As arbitragens podiam ser questionadas e o time inglês podia produzir pouco ofensivamente. Mas já eram quatro partidas contra bons times, sem que o English Team sofresse perigo. Banks pouco sujara sua roupa na Copa do Mundo. Em uma Copa marcada pela violência e pela marcação forte, brilhava a estrela de Eusébio e o futebol bem jogado da seleção de Portugal. O Pantera brilhara nas quartas-de-final, marcando quatro gols diante da Coreia do Norte. Mas contra os anfitriões Eusébio pouco conseguiu jogar. A Inglaterra marcou o primeiro aos 30 da primeira etapa. Wilson dá belo lançamento para Hunt, que, em um único toque, dá um drible da vaca no marcador e fica cara a cara com o goleiro José Pereira. O arqueiro leva a melhor, abafando o chute, mas a bola sobra para Bobby Charlton na meia-lua, marcar com precisão cirúrgica. O segundo tempo segue com os ingleses intransponíveis. Aos 35, Hurst faz bela jogada pelo flanco direito e toca para Charlton, livre, marcar seu segundo no jogo. Só aos 37, Eusébio descontaria de pênalti. A final também ficaria marcada pela polêmica. O gol de Hurst em que a pelota não teria entrado. A Alemanha havia sofrido apenas dois gols e tinha no currículo goleadas acachapantes contra Suíça (5 a 0) e Uruguai (4 a 0). Os germânicos vazariam os anfitriões logo aos 12 minutos, calando Wembley, mas os ingleses estavam muito ligados e não se deixaram abater. Seis minutos depois, Bobby Moore sofre falta e cobra rapidamente num chuveirinho que encontra Hurst livre para marcar de cabeça, despertando um risinho na Rainha. O primeiro tempo foi franco, com várias chances de gol de parte a parte. Na segunda etapa, mais fechada, Peters marca após escanteio e chute mascado de Hurst, um gol tipicamente inglês naquela Copa. Faltavam doze minutos. O gol do título? Não, Weber, também em bate-rebate, marca para os alemães aos 44! Ingleses flertavam com uma grande tragédia em Wembley, um Maracanazzo anglo-saxão. Prorrogação. Ball faz linda jogada e dá um chutaço de fora da área. O arqueiro espalma. Cobra escanteio, o arqueiro Tilkowski corta novamente. Ball, de novo, cruza. A bola sobra para Jack Charlton que chuta rasteiro, forte, no canto. Lá está o goleiro dando contornos cada vez mais dramáticos. Acaba o primeiro tempo da prorrogação. Seis minutos do segundo tempo, Ball cruza. Hurst domina bem afastando o zagueiro e girando, chuta. No travessão. A bola quica no gramado. Gol. Gol? Ninguém sabe, nem o árbitro. O auxiliar garante: é gol. Explosão em Wembley. A Alemanha se joga para a frente. No último minuto de partida, Hurst se aproveita e arranca com a bola, livre, e dispara um pelotaço no ângulo. Golaço. Inglaterra campeã. Hurst o primeiro e único homem a marcar três vezes em uma final de Copa. O título inglês é visto como o título de uma equipe defensiva para os padrões da época. Sir Alf Ramsey deixou de lado o 4-4-2, e apostou em 4-3-3, que se tornava 4-4-2, porque Bobby Charlton recuava a todo momento. Entretanto, era comum ver inclusive os zagueiros, de extrema qualidade, atacando e a equipe marcava pressão a todo momento, valendo-se de seu fator local, e jogava com muita velocidade. E mesmo que a proposta fosse defender, foi uma vitória inegável da eficiência. E ainda, acima de tudo, uma vitória inegável da estrela de jogadores como Geoff Hurst.
Obs: veja mais vídeos neste post sobre Bobby Charlton
Foto: Fifa.com

Comentários

Daniel Roger disse…
Apesar das polêmicas de arbitragem, a Inglaterra era sim um grande time. Estranho que a única copa vencida por eles foi assim, tão contestada.