Sené, Sené!

A maioria ainda deve ter esta equipe viva na memória, pois poucas seleções fizeram tanto barulho na Copa de 2002 quanto o batucado em ritmo africano pela seleção de Senegal. Mais ainda poucos estreantes em Copas fizeram tanto barulho, e logo na estreia. Em seu primeiro jogo de Copa na história, os senegaleses repetiram os Camarões em 1990, que não eram estreantes, mas venceram a Argentina, que defendia o título de 86. Pois a equipe da costa oeste africana derrotou a então atual campeã França, deixando o mundo boquiaberto. Foi assim que o planeta conheceu, surpreso, um time - que como as boas seleções africanas - era capitaneado por seus atacantes.
E conheceu, aos 30 minutos do primeiro tempo, um atacante franzino, de cabelos oxigenados, abusado e veloz. Era El Hadji Diouf, que deixava Lebouf sentado na ponta esquerda, invadia a área e, lúcido, encontrava outro companheiro mais bem colocado, de frente para o gol. Aí o mundo conheceu Papa Boupa Diop, atacante habilidoso e forte. Na primeira tentativa, ele chuta em cima de Barthez. No rebote, sentado, toca para o gol vazio. Então os olhos do mundo se voltaram para a bandeirinha de escanteio, onde aos poucos se juntavam todos os companheiros de time e dançavam em roda, em volta de uma camiseta jogada no chão. Era como se oferecessem aos deuses a camiseta abençoada pelos guerreiros que batiam a poderosa campeã mundial. Se o ataque era rápido e ousado - completado pelo ótimo Khalilou Fadiga - contra a França também a defesa seria segura, embora os europeus tenham criado algumas chances. Colaborou muito também a maré francesa, que era das piores. Os gauleses, ainda embriagados com o título inédito, não fizeram nenhum gol na Copa de2002. O segundo desafio de Senegal foi contra a forte e bem mais ligada seleção da Dinamarca, que havia batido o Uruguai na estreia. No duelo pela liderança, os nórdicos saíram na frente com um gol de pênalti convertido por Dahl Tomasson. Mas os africanos tinham guardado uma obra-prima do futebol. O empate veio com toques mágicos, de primeira, de pé em pé, da defesa até o ataque (veja o vídeo).
Na terceira partida, o clichê da magia africana se encontrou com o da displicência. Precisando apenas do empate para se classificar, os senegaleses destroçaram o Uruguai na primeira etapa, três a zero. No segundo, logo a um minuto, os uruguaios pareciam dispostos a reviver a mística da Celeste com um gol de Morales. Aos 43 do segundo tempo, Recoba empatava a partida de pênalti. Morales ainda perdeu o gol da virada, de frente para o gol, em um jogaço.
Mas jogaço mesmo viria nas oitavas-de-final, meu jogo preferido desta Copa. Senegal se defrontaria com uma equipe também técnica e ofensiva, a Suécia de Ibrahimovic (que entrou no segundo tempo). Após o empate em um a um em que a Suécia foi superior, o resultado foi uma prorrogação eletrizante, em que os times se jogaram de peito aberto pelo Golden Goal. Svensson ia marcar um golaço absurdo, após dar um drible de videogame em um zagueiro senegalês, mas parou na trave. Diouf respondeu driblando dois suecos, um deles com uma caneta, e chutando cruzado para fora. E o gol de ouro saiu de um calcanhar de Diao, que desconcertou a defesa viking e achou Camara, que tocou no canto e decretou o fim do duelo.
Nas quartas-de-final, a surpresa parou diante de outra. Com o bom jogo de sempre, cheio de tabelas e dribles, Senegal não conseguiu furar a excelente defesa da Turquia. Na prorrogação Mansiz aparou um cruzamento com o pé direito e silenciou a festa africana. Mas Senegal já era a equipe africana que chegou mais longe em Copas, ao lado dos Camarões de Milla, em 90.
Senegal foi a minha seleção preferida naquela Copa. Eu que, como Galeano, “não passo de um mendigo do bom futebol”. E foi a equipe preferida do uruguaio também. “Senegal chegou invicto às quartas-de-final e não pode ir mais longe, mas seu bailado incessante nos devolveu uma verdade simples que os cientistas da bola costumam esquecer: o futebol é um jogo e quem joga, quando joga para valer, sente alegria e dá alegria”, anotou o escritor.

Comentários

Vicente Fonseca disse…
Senegal protagonizou os melhores jogos daquela Copa mesmo. Com a França, o mais marcante; com o Uruguai o mais emocionante; com a Suécia outro jogaço, de lances realmente fantásticos de ambos os lados. Só torci contra eles na partida dos uruguaios, por motivos óbvios. Aliás, neste jogo meteram a mão na Celeste: pênalti bem discutível no primeiro gol e impedimento no terceiro. E que golaço do Forlán, minha nossa senhora.

Lembro que em maio de 2002 eu estava na Itália e vi um guri com uma camisa africana escrito atrás FADIGA. Achei muito engraçado, lembrei do Jaiminho Carteiro, mas jamais imaginei que ele seria uma das marcas da seleção sensação daquela Copa.

Difícil dizer o gol mais bonito, se o contra a Dinamarca ou contra a Suécia na prorrogação. Belíssimo time, só não mais marcante em minha memória africana que a Nigéria de 1996 e, principalmente, os Camarões de 1990.

Excelente, Prestes.
Vicente Fonseca disse…
Ah,

O DRIBLE DO SVENSSON.

Sem comentários.
natusch disse…
Até hoje eu acho que o drible do Svensson é um efeito de computação gráfica, uma coisa tipo Fifa 94 mesmo. JANCO TIANNO e ALLEJO não fariam melhor.

Senegal era uma grande equipe. Tinha intensidade ofensiva, um toque de bola impressionante e grandes nomes em excelente fase. E para mim o jogo contra o Uruguai foi o melhor daquela Copa, em termos de emoção - mas aí é muito mais mérito da Celeste, sou forçado a dizer. Vibrei pacaraio quando empataram o jogo, e fiquei decepcionadíssimo quando perderam o gol da virada...
Lourenço disse…
O drible do Svensson, no videogame, é aquele que tu briga e diz "não vale manha".

Que golaço esse de Senegal na Suécia.

Realmente, impossível não comparar com Camarões de 90. Mesmo parando antes da Turquia e da Coréia do Sul, marcou muito mais, fez grandes jogos, grandes gols.

Bela escolha de seleção.
Prestes disse…
Valeu, gurizada!

Pra mim o gol contra a Dinamarca é uma das obras coletivas mais brilhantes que eu já vi no futebol. E o último toque, pro gol, fecha com chave de ouro.
luís felipe disse…
o drible do Svensson era o mais clássico no Fifa 98 do N64: apertar c-> e girar o analógico. Sempre dava certo.

excelente lembrança de Senegal. Vale recordar que todos os jogadores acabaram parando em times maiores do que os que estavam em 2002 e todos, inexoravelmente, fracassaram. O Fadiga chegou a parar na Inter de Milão!
Q seleção q dava gosto de ver jogar. Aliás, a Copa de 2002 foi proveitoso no quesito "surpresas", além das duas citadas (Turquia e Senegal), tivemos ainda a Coréia do Sul, q mesmo q tenha tido o inegável apoio da arbitragem, chegou as semifinais.

Belo texto Prestes. Ah, e o gol contra a Dinamarca é incrível!
Vicente Fonseca disse…
Eu ainda citaria os Estados Unidos, que deram trabalho pra Alemanha nas quartas de final e eliminaram Portugal.
Prestes disse…
"Vale recordar que todos os jogadores acabaram parando em times maiores do que os que estavam em 2002 e todos, inexoravelmente, fracassaram."

Eu ia abordar isso, Luis, mas acabaei não falando.

Foi estranho. Eu achava que era questão de tempo para o Diouf se tornar o maior jogador do mundo. O cara BROCOU GERAL no Copa.

Mas legal o fato de, aparentemente, todos os jogadores daquele time estarem no melhor momento de suas carreiras logo em uma Copa do Mundo.
Vicente Fonseca disse…
Diouf fez gol ontem pelo Blackburn, que empatou em 1 a 1 com o Chelsea e tirou o time da liderança da Premier League.
Daniel Roger disse…
Muito bom o texto. Eu era muito novo naquela época, mas fiquei admirado com esse time quando vi reprises sobre ele. Pena que caiu nas quartas, mas uma surpresa só poderia parar mesmo em outra surpresa.