Um paliativo bem-vindo
Fazer um jogo a 41º C é desumano. Não há interesse da televisão, não há pagamento aos clubes que seja mais importante do que a saúde dos atletas. A liminar concedida ao Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado, que proíbe jogos do Gauchão e da Segundona entre 10 e 18 horas é, porém, um paliativo.
Obviamente, ninguém é louco de contrariar a TV. Todos que bradam contra os jogos às 22 horas, às 11 da manhã de um domingo, às 17 horas de uma quarta de verão sabem que clubes e federação concordam e aceitam os horários porque a verba televisiva garante, por exemplo, que tenhamos este ano um Gauchão com melhores estádios, times remodelados e, num panorama nacional, um Campeonato Brasileiro mais forte que antigamente.
Entretanto - posso estar falando besteira, do alto de minha ignorância na área jurídica - uma determinação da Justiça não pode ser desacatada sem cassação da liminar concedida, e tampouco isso se constitui numa quebra de contrato por parte dos clubes. Determinação judicial está acima disso. Portanto, os clubes não podem ser punidos se não foram eles que descumpriram o contrato, e sim a Justiça que determinou. Se eu estiver certo, Novelletto não tem razão em fazer o terrorismo que faz ao dizer que ninguém no Interior receberá salário se os jogos marcados nos horários agora irregulares não forem realizados, só porque as emissoras de TV os pré-estabeleceram.
Por enquanto, a melhor ideia que vi para solucionar este caso partiu do jornalista Fabiano Baldasso, da Rádio Bandeirantes: o juiz deveria ter o poder de adiar ou atrasar o início de uma partida quando o calor for insuportável, tal qual faz (ou faziam, antes de a TV mandar nos horários) em caso de chuvaradas. Aliás, a liminar fala também que jogos acima dos 35ºC não podem ser realizados. Seria uma medida que não se mascararia com o casuísmo de estarmos numa semana realmente atípica em termos de temperatura e levaria em conta o bom-senso, sem proibições pré-determinadas (amanhã, em Canoas, pode não fazer o calorão dos últimos dias), nem atitudes que só levam em conta interesses financeiros, pondo em risco a saúde dos atletas. O que custa para a TV passar um pouco de São Paulo x Santos antes de começar a transmissão de Universidade x Grêmio?
Ah, sobre essa de pedreiro trabalhar no calor e ganhar muito menos: além de demagogia, é compensar um erro com outro. Combater desumanidade com desumanidade é, no mínimo, burrice.
A chuva
Ela veio, na quinta-feira. Estava em Capão da Canoa onde, acreditem os que estavam em Porto Alegre, o calor também era insuportável - a vantagem que tínhamos era a de poder interromper o bafo com o mar, mas só com ele. Impressionante a felicidade das pessoas com os pingos grossos que caíam do céu. Ninguém se importava de ficar enxarcado. Tomei banho de chuva, o segundo melhor da minha vida. Só perde para um que tomei em São Borja, há uns 18 anos, jogando futebol com meu primo Bernardo, que interrompeu um calor de 46ºC (!) no sol impiedoso da Fronteira Oeste.
Comentários
(2)
Fiquei sinceramente PUTO DA CARA quando ouvi esse "argumento" esdrúxulo para defender o indefensável...
Concordo plenamente com a ideia do Baldasso. É como eu disse num comentário anterior: em termos de risco para os atletas, não tem tanta diferença assim entre uma chuvarada insana e uma canícula demente como a que andamos tendo em POA nos últimos dias. O problema é que hoje em dia jogo agendado na TV é jogo jogado - taí o absurdo Inter x Flamengo do ano passado que não me deixa mentir...
OK que a grana da TV sustenta os clubes, mas ficar escravo deles em situações como essa é contrário aos interesses do futebol como esporte de massa. E a Copa 1994 teve jogos escaldantes, sim - e isso foi tão absurdo quanto jogar quarta-feira, 17h, com um calor jamais visto em Porto Alegre.
O problema é que, pelo que vejo, não teremos jogos do Gauchão na TV aberta aos domingos, ao menos enquanto rolar a liminar. É um preço que se paga, mas a saúde tem que estar acima disso - pelo menos nesses dias acima dos 35º C.