1958 - abram alas, que o Brasil chegou para ficar

Brasil perfilado para a final da Copa da Suécia. Em pé: Djalma Santos, Zito, Bellini, Nilton Santos, Orlando e Gilmar. Agachados: Garrincha, Didi, Pelé, Vavá, Zagallo e Mário Americo (massagista).

Sejamos honestos: o mundo já sabia, há muitos e muitos anos, que mais cedo ou mais tarde o Brasil ganharia a Copa. Era uma sensação silenciosa, quase dissimulada, mas plena – um país cheio de talentos, que sempre enfrentava os adversários de frente e construía equipes maravilhosas mesmo com a desorganização latente, haveria de acertar a mira qualquer dia desses e levantar para casa uma Jules Rimet. Tanto que os últimos fracassos brasileiros (em 1938, 1950 e 1954) não foram recebidos com naturalidade, pelo contrário: foram todos surpresas, ou frutos de enfrentamentos dificílimos contra seleções que venceram, mas não foram necessariamente superiores ao Brasil. Ou seja, o mundo sabia que o Brasil seria uma potência futebolística – mas calava a respeito, tentando manter a besta adormecida o máximo possível em benefício próprio.

O difícil era o próprio Brasil se convencer disso – e mais ainda, adotar um trabalho realmente sério e focado nessa direção. Times bons nunca nos faltaram, pelo contrário; nosso drama era, sempre, um modelo administrativo que oferecesse a esses talentos as melhores condições possíveis para surgirem em sua plenitude. Muitos condenaram, à época, a falta de “raça” brasileira na final de 1950; pouquíssimos foram, no entanto, os que apontaram o absurdo de mudarem a concentração brasileira para o São Januário às vésperas do jogo, expondo os atletas a um clima de oba-oba absolutamente nocivo à seriedade de uma decisão. Adhemar Pimenta foi criticado em 1938 porque teria “poupado” Leônidas em jogo decisivo contra a Itália – mas ninguém lembrou de condenar um grupo de dirigentes que enchia de privilégios alguns poucos escolhidos e desautorizava o treinador, além de permitir que Niginho fosse convocado mesmo com pendências no futebol europeu e não pudesse substituir o craque na hora decisiva. Fatores mágicos ou subjetivos sempre eram levados em conta, mas a verdade é que sempre faltava um maior cuidado com a organização na hora da verdade, e isso fez com que desperdiçássemos algumas preciosas oportunidades. Colocar ordem nessa bagunça era o grande objetivo de João Havelange, desde antes de sua posse como presidente da CBD. Apaixonado por esportes, foi campeão juvenil de futebol pelo Fluminense (1931) e chegou a disputar as Olimpíadas de Berlin (1936), como nadador, e Helsinque (1956), como integrante da equipe de polo aquático. Atuando como dirigente no Fluminense (além de um breve e quase nunca lembrado envolvimento com o Botafogo em 1937), Havelange compreendeu o grande drama estrutural do nosso futebol: a falta crônica de organização e seriedade administrativa. Filho de um belga comerciante de armamentos, formado em Direito, reconhecido pela seriedade e austeridade, João Havelange tinha todas as ferramentas para finalmente fazer do Brasil um país campeão no futebol.  Desde sua posse, em 1956, João Havelange deixou claro que mudanças drásticas seriam implementadas dali para frente. E para colocar em prática o discurso, o hoje lendário dirigente escolheu Paulo Machado de Carvalho como encarregado do futebol. Empresário de visão, fundador da Rádio e TV Record e de outras emissoras como Jovem Pan (então Panamericana) e CBN (então Rádio Excelsior), o homem era sem dúvida alguma um administrador dos mais competentes. Como dirigente, comandou por anos o São Paulo da Floresta, e se tornou conhecido como dirigente entusiástico e motivador – conta-se que chegou a pagar torcedores para vaiarem o time no primeiro tempo de alguns jogos mais difíceis, citando depois os impropérios como motivação para que o time reagisse na segunda etapa...  O encontro que selou a união entre Havelange e Carvalho ocorreu em meados de 1957. O presidente foi claro: precisava de alguém capaz de renovar completamente o modo de pensar uma seleção brasileira de futebol. Com a diplomacia e polidez características, Havelange explicou: para que 1950 fosse esquecido de vez, era necessário uma liderança firme, alguém que impusesse regras, seguisse métodos de trabalho e buscasse o título com seriedade até o fim. “Arme tudo como quiser”, disse Havelange, “Dou carta branca ao senhor”. Diante de tanta confiança, Paulo Machado de Carvalho não pôde recusar. E passou desde então a elaborar a estratégia que levaria o Brasil ao inédito título mundial – estratégia que acabaria virando livro, batizado com o sucinto, sério e nada dissimulado título de “Plano Paulo Machado de Carvalho”. Plano que, diga-se, foi recebido com desconfiança e alvo de muitas críticas. Parece inacreditável hoje em dia que jornalistas e comentaristas tenham gritado contra projetos como instituir uma comissão técnica, oferecer aos jogadores assessoria psicológica, nutricional e até odontológica, determinar prazos fixos para convocações e pré-temporada e por aí vai. Hoje, coisas do tipo são o be-a-bá de qualquer equipe que deseje disputar a sério uma competição; naqueles anos, eram conceitos inusitados que beiravam a futurologia. Muito se falou sobre o perfeccionismo de Carvalho e o apego do Plano a detalhes supostamente insignificantes – houve até quem dissesse, sem meias palavras, que o projeto todo era megalomaníaco e destinado ao fracasso. A escolha de Vicente Feola como técnico também foi alvo de muitas críticas. Oswaldo Brandão, o primeiro escolhido, foi retirado do cargo depois de fracassar na Copa América de 1957 – para muitos, um erro brutal de avaliação de Havelange e Carvalho. Embora tenha sido durante oito anos treinador do São Paulo no que foi a maior sequência da história do clube, Feola era visto como um gordo bonachão sem muito conhecimento tático, e a ausência de títulos significativos em cerca de trinta anos de carreira era apontada a todo instante como um dado incontestável contra o treinador. O grupo de jogadores convocados para a Copa, porém, passou ao largo de todas as críticas. Afinal, a safra era de fato diferenciada. No gol, a segurança de Gilmar, que veio ao Corinthians como contrapeso em uma negociação e virou um dos maiores arqueiros de nossa história. Na defesa, a experiência do “enciclopédico” Nilton Santos e a raça de Bellini, definido como capitão daquela seleção. No meio, a permanência do diferenciado Didi, ao lado do talentoso Dino Sani. E no ataque, a polivalência de Zagallo, ao lado do ímpeto goleador de Mazzola e Vavá. Jogadores novos surgiam, entre eles um desconhecido moleque do Santos, uma promessa de meros 17 anos com o incomum e sonoro nome Pelé. Isso para não citar Garrincha, o mais irresponsável dos craques, que a dribles e arrancadas desconcertantes passava por cima de todas as opiniões. Garrincha, aliás, por pouco não é barrado na convocação final. Conta-se que o psicólogo João Carvalhaes, contratado para assessorar a seleção e transformar a instabilidade emocional típica de nossos atletas em confiança e determinação, foi intimado pelo próprio Nilton Santos a aprovar o ponteiro do Botafogo a qualquer custo. "Olha, doutor, está aí fora um sujeito que talvez não seja capaz de acertar o mais fácil desses testes”, teria dito Nilton Santos. “É Garrincha. Por favor, doutor, tenha paciência com ele. Mesmo que erre tudo, aprove-o, pois nós vamos precisar muito dele nesta Copa". Felizmente, o psicólogo aceitou o conselho – embora tenha interferido mais tarde, desautorização sua escalação como titular. Em um dos últimos amistosos da seleção, contra a Fiorentina, Garrincha entrou a dribles na defesa italiana – e, insatisfeito, simplesmente parou a bola a poucos metros do gol, esperando a carga de um último zagueiro antes de entortá-lo também e fazer o gol. O gesto foi interpretado por Carvalhaes como irresponsabilidade pura, e no fim das contas Garrincha ficaria fora do time que estrearia na Suécia. A fórmula da Copa de 1958 corrigiu as bizarrices da edição anterior, retomando o conceito de três partidas por seleção na primeira fase e classificando os dois primeiros para as quartas de final. Também eliminou o tempo extra em caso de empate, mesmo na disputa de um jogo extra – caso houvesse empate em pontos, as seleções envolvidas se enfrentariam, e no caso de igualdade o desempate se daria no saldo de gols. A primeira partida brasileira naquela Copa ocorreu no dia 08 de junho de 1958, no Rimnersvallen de Uddevalla, contra a Áustria. Taticamente, embora escalado num 4-2-4, o time brasileiro era praticamente um 4-3-3, com Zagallo voltando constantemente para compor com a defesa e Nilton Santos fechando no miolo de zaga para cobrir os avanços dos meias. O Brasil entrou em campo com Gilmar; De Sordi, Orlando, Bellini e Nilton Santos; Dino Sani e Didi; Joel, Mazzola, Dida e Zagallo. Foi um jogo mais difícil do que o placar indica – apesar da vitória por 3 a 0, o Brasil fez uma partida retraída, com poucas chances reais de gol e uma superioridade tímida sobre os modestos austríacos. Os gols brasileiros foram assinalados por Mazzola (2) e Nilton Santos, e podem ser conferidos no vídeo abaixo. Dificuldades que, diga-se, mantiveram-se e até pioraram no segundo jogo, disputado contra a Inglaterra no Ullevi Stadium de Gothenburg. O Brasil jogou com virtualmente o mesmo time da estreia, apenas trocando Dida pelo melhor condicionado Vavá. Foi uma partida histórica, no mau sentido: pela primeira vez, um jogo de Copa do Mundo terminava em 0 a 0. Pelos relatos que nos chegaram, foi um cotejo muito disputado, tenso, com poucas oportunidades e uma pequena superioridade brasileira – que resultou estéril, infelizmente. E deixou o Brasil em situação delicada: com 3 pontos, empatado com União Soviética e a própria Inglaterra, precisaria vencer os russos caso quisesse garantir sem sobressaltos a vaga na segunda fase. Um momento tenso, no qual todo o planejamento e esforço da comissão técnica corriam sério risco de ir pelo cano. Foi essa situação que motivou a hoje histórica conversa de Vicente Feola com alguns jogadores, na qual foram definidas mudanças fundamentais para o sucesso naquela Copa. Ao contrário da lenda caluniosa que os anos foram consolidando, não parece ter sido um ultimato dos jogadores, pressionando o gordo e dorminhoco Feola a fazer o que todo mundo via que era a melhor e óbvia solução. Foi, muito mais provavelmente, uma conversa franca e aberta entre um treinador conhecido por seu espírito conciliador e atletas respeitados pela experiência e conhecimento de futebol – Bellini, Nilton Santos e Didi. Falaram sem medo de seus temores, e Feola ouviu com atenção. Didi sugeriu uma mudança no meio-campo: Dino Sani, embora jogador de grande qualidade, era um atleta clássico e sem muito espírito competitivo, ao contrário de seu reserva Zito, conhecido no Santos pela liderança anímica e técnica. Mazzola, por sua vez, tinha perdido um gol feito contra os ingleses, e sua reação ao erro tinha beirado a histeria. Gritou, chorou, balançou os braços no ar, e Bellini foi forçado a dar-lhe umas bofetadas para que Mazzola parasse com o fiasco e voltasse a si. Um jogador incapaz de controlar os nervos sob pressão era um risco para toda a campanha, diziam os três. Além disso, havia Joel – bom jogador, determinado, aplicado, mas pouco afeito a lampejos de genialidade. Para vencer a dura defesa soviética, era necessário um pouco mais de criatividade, defendia Nilton Santos. E a solução, segundo os três jogadores, era tirar Joel e Mazzola do time, substituindo-os por Garrincha e Pelé. O primeiro era imprevisível e com o talento de entrar a dribles na defesa adversária; o segundo, um jovem jogador ainda desconhecido e, talvez por isso mesmo, cheio de ímpeto e vontade de mostrar serviço. Essa escalação seria a deles, disseram os jogadores. E Vicente Feola, ex-boleiro que sabia bem como funcionava a percepção dos jogadores dentro de campo, disse que ia pensar no assunto. E pensou. Consultou Paulo Machado de Carvalho, ponderou as alternativas, e resolveu escalar o time sugerido pelos jogadores em um último treino antes da partida contra os soviéticos. Decidido a manter secreta a mudança iminente, despistou os jornalistas com uma tática marota: anunciou a todos que o treino seria à tarde, e fez o coletivo de manhã, enquanto os jornalistas passeavam pelas ruas e jardins de Hindas... Satisfeito com as mudanças, confirmou o time com Zito, Pelé e Garrincha. E com essa decisão garantiu a mudança fundamental para o título tão almejado. Basta lembrarmos os primeiros três minutos da partida contra a União Soviética, jogada no dia 15 de junho em um Ullevi lotado com mais de 50 mil pessoas, para termos noção de como essas modificações afetaram o desempenho do time. Foi um massacre. O pobre Kuznetsov, marcador de Garrincha, levou uma sequencia acachapante de dribles do Mané; outros atletas russos vieram apoiar o pobre companheiro contra aquele brasileiro maluco, e foram todos tirados para dançar sem a menor cerimônia. Endiabrado, Garrincha mandou um chute potente na trave do atônito Yashin – e isso tudo, amigos/as, no primeiro minuto de jogo. Os soviéticos, acuados, não passavam do meio de campo. O gol de Vavá, aos 3mins, foi apenas a coroação de um começo de jogo avassalador, um dos mais impiedosos já vistos na história dos Mundiais. E mesmo que o placar final tenha sido mais modesto do que prometia, com um segundo gol de Vavá fechando o 2 a 0 aos 31 do segundo tempo, a atuação do Brasil foi majestosa – e, a partir daí, o título passava a ser uma possibilidade cada vez mais real. Além de garantir ao Brasil um apoio extra: o da torcida sueca, fascinada até a alma com aquela demonstração impressionante de futebol total. Nas quartas, o adversário seria o País de Gales, surpreendente seleção estreante que empatou sem gols com a anfitriã Suécia e eliminou a badalada Hungria em um emocionante jogo extra. E que, sabendo que o Brasil era um time tinhoso, optou pela retranca sem medo, contendo as ações do adversário e apostando em perigosos contra ataques comandados pelos velozes Allchurch e Hewitt. O Brasil sofreu com essa disposição de jogo dos galeses, enfrentando enormes dificuldades para furar o ferrolho e encontrar espaços para atacar. Somente aos 21mins da segunda etapa o Brasil conseguiria furar a barreira – e, como seria de se esperar, muito mais na base da técnica individual. No caso, um belo gol de Pelé, o primeiro do Rei em Copas do Mundo: matando a bola no peito, um pequeno balão no marcador, um chute preciso e uma comemoração emocionada. Os fotógrafos invadem o campo sem cerimônia, registrando não só o jogador mais jovem a marcar gol em Mundiais, mas também – e isso talvez eles ainda não soubessem – o nascimento da maior de todas as lendas do futebol. No fim das contas, o 1 a 0 foi justo com ambos os times: com o Brasil, que não mereceria mesmo ficar parado nas quartas de final, e com o País de Gales, seleção humilde que construiu uma campanha excelente dentro das suas capacidades e deu ao mundo uma demonstração de profunda bravura. Com o suadouro em Gothenburg, viria não só a classificação para a semifinal, mas também uma dose muito bem-vinda de realidade em um momento decisivo. Se uma equipe modesta como a do País de Gales havia conseguido, na base da disciplina tática, impor sérias dificuldades ao Brasil, não dava para subir no salto alto – ainda mais com uma semifinal à vista, contra a sempre perigosa seleção francesa. A França tinha o melhor ataque, com o lendário Just Fontaine já tendo guardado oito das treze buchas que fariam dele o maior artilheiro da história das Copas. Era uma equipe que tinha passado por oscilações, perdendo inclusive uma partida para a Iugoslávia na primeira fase, mas que agora parecia afirmada e certamente acabaria impondo dificuldades. Contra um time desses, em um momento desses, era necessário jogar sério – o que obviamente não implicava em jogar com medo, de forma rude ou sem ousadia. E, finalmente, o Brasil entendeu isso. Numa partida tecnicamente exuberante, o Brasil assinalou um poderoso e categórico 5 a 2 sobre os franceses – e poderia ter sido ainda mais, caso o trio de arbitragem tivesse validado um gol de Zagallo, no qual a bola bate na trave e quica dentro do gol, sem que nenhum dos juízes tenha confirmado o gol. Uma atuação forte e segura, que colocava os brasileiros na sua segunda final de Mundial. Havia chegado, enfim, a hora da verdade – e para triunfar na conquista tão aguardada, o Brasil teria de certo modo que imitar seu algoz de 1950 e calar uma grande festa local. Afinal, a decisão seria contra a Suécia, país-sede do evento, que havia conquistado a vaga para a final depois de uma fantástica vitória de virada sobre a então campeã Alemanha Ocidental. As circunstâncias para a grande partida, sejamos honestos, favoreciam os suecos consideravelmente. No sorteio, feito no dia anterior à decisão, os anfitriões ganharam a chance de jogar com o uniforme titular, tão amarelo quanto o brasileiro – o que gerou um problema, já que o Brasil simplesmente não tinha trazido um uniforme reserva para a competição. Às pressas, a delegação precisou adquirir um jogo de camisetas azuis, costurando números e distintivos e oficializando, desta forma insólita, o que até hoje é o nosso segundo uniforme. No dia do jogo final, choveu muito em Estocolmo – o que deixou o Råsunda Stadium, palco da grande decisão, bastante embarrado e escorregadio. Isso também servia aos suecos, já que tinham plena consciência de que o Brasil era mais criativo e que um gramado pesado prejudicaria muito a capacidade mágica dos nossos jogadores. Os torcedores suecos estavam felizes com a presença do Brasil, seleção pela qual tinham desenvolvido grande apreço, mas ao mesmo tempo confiavam muito que a taça ficaria na Escandinávia no fim das contas.  A grande decisão da Copa de 1958 foi um jogo vibrante, emocionante e repleto de belas jogadas. Apesar da nítida superioridade técnica dos brasileiros, a Suécia foi representada por onze jogadores valentes, que enfrentaram corajosamente o desafio e valorizaram imensamente a nossa primeira conquista. Até saíram ganhando, os suecos, e muito cedo, com um gol de Liedholm aos 4mins de jogo. O problema sueco, porém, era simples: o Brasil era um timaço - e essa questão de fácil formulação acabou mostrando-se insolúvel. Logo após o gol sueco, Didi foi até a goleira, pegou a bola e dirigiu-se lentamente até o centro do gramado, conversando em tom calmo com seus companheiros. O Brasil, que tanto sentira os nervos em decisões anteriores, agora estava no controle e determinado a vencer. No primeiro lance depois do gol, Garrincha já arrancava para cima dos suecos e enfiava um chute poderoso direto na trave de Svensson. Depois disso, não poderia haver dúvidas de que era um Brasil diferente, um Brasil disposto a ser besta temida e não mais vira-lata que volta para seu canto com o rabinho entre as pernas. Vavá faria os gols de empate e da virada, com Pelé (2) e Zagallo consolidando a grande vitória. Simonsson, em nome da honra, faria um segundo gol para o time da casa. De qualquer modo, a festa seria brasileira – festa muito aplaudida pelos torcedores presentes, cientes que estavam de terem visto uma grande partida de futebol. Um 5 a 2 belo, de grande futebol aliado a uma enorme competitividade e um importantíssimo equilíbrio emocional. Uma vitória construída mais de ano antes, com uma metodologia séria de trabalho e uma busca honesta e constante pelo melhor desempenho possível. Uma vitória de jogadores, técnicos, dirigentes, assistentes, equipe médica, massagistas e roupeiros. De homens. Uma seleção campeã do mundo. Com futebol bonito, com raça, com bravura, com organização. E com justiça. Para encerrar a crônica, e para exemplificar o quanto de alegre e de mágico esteve contido nessa conquista, podemos citar a festa de Mário Trigo, médico da delegação brasileira. Justamente emocionado com a grande conquista tão almejada, Trigo invadiu o campo sem medo, passando a abraçar com entusiasmo praticamente qualquer um que visse pela frente. Não resistiu nem mesmo quando avistou o Rei Gustavo da Suécia, que descera dos camarotes para cumprir o protocolo da premiação. Mesmo ciente que estava diante do soberano de uma nação (e mais que isso, da nação que o Brasil tinha acabado de derrotar), não hesitou, e tascou no monarca um forte e radiante abraço. E, querendo ser educado com a autoridade maior do país em que estava, saudou o Rei jovialmente, em português mesmo: “e aí, King, tudo bem?”.

Fotos: os onze atletas que conquistariam o primeiro título mundial (Mochileiro.tur); João Havelange, o dirigente que enxergou o caminho (Febre Mundialista); Vicente Feola, gordo, dorminhoco e campeão (Arquivo/Agência Estado); Seleção pronta para encarar a Áustria (Brazil in the World Cups); a festa brasileira em Estocolmo (Mochileiro.tur); e Pelé chora no nascimento definitivo de sua própria lenda (Arquivo / Folha Imagem).

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Na próxima semana: depois de aprender o caminho, tudo fica mais fácil - e o Brasil leva para casa mais uma taça mundial

Comentários

Vicente Fonseca disse…
Vavá muito oportunista. Sempre com o pezinho na hora certa.

E que time que marcava a saída de bola, hein? Até o Garrincha roubava bola dos suecos, e isso ganhando de 3 a 1 na final.

Brasil x Suécia, aliás, jogo que mais se repetiu na história das Copas.
Daniel Roger disse…
Para um tema tão especial como o primeiro título brasileiro, um texto tão especial quanto. Muito bom!