Um DeLorean para Michel Bastos

Das muitas notícias esportivas na última semana da dupla Gre-Nal, uma delas me chamou especial atenção. Quase despercebida entre coletivas de Mário Sérgio, especulações sobre Tcheco e os petrodólares chamando Paulo Autuori de volta para o Catar, uma nota no ZeroHora.com tratava de Michel Bastos e do seu interesse em retornar ao Grêmio. O jogador, para quem não sabe, ganhou destaque com a sua recente convocação para a Seleção Brasileira, a primeira de sua carreira – e, para os que já esqueceram, vestiu a camisa tricolor em 2004, ano do último rebaixamento gremista para a Segunda Divisão. Na notícia, que reproduz parte de uma entrevista ao programa TVCOM Esportes, Michel Bastos diz que “tudo o que eu sonhei quando cheguei ao Grêmio, aconteceu pelo contrário”, que é torcedor do clube e que gostaria de apagar, dentro do campo, a má imagem que deixou na sua passagem pelo clube – admitindo estar arrependido dos atos de indisciplina que cometeu na época.

Atos que, convenhamos, não devem ter sido poucos. Afinal, aquele Grêmio foi um dos episódios mais vergonhosos de toda a história do clube – não apenas por ter sido rebaixado com a pior campanha já registrada em Brasileiros até então (25 derrotas, 12 empates e 9 vitórias em 46 rodadas) mas também por ter transformado o Olímpico num antro de bagunça, desrespeito e indisciplina, em lembranças que até hoje enchem de calafrios qualquer gremista que não tenha bloqueado mentalmente aqueles dias de suplício. Coisas como a briga de Rico e Luciano Ratinho com torcedores e repórteres, as farras dentro do Trovão Azul – ônibus-símbolo da gestão de Flávio Obino – e o grotesco episódio da Poltrona 36 são fantasmas que até hoje rondam o Olímpico, tanto ou até mais que a campanha lamentável daquele ano. No caso do jovem Michel Bastos, revelado no Pelotas e adquirido por empréstimo depois de uma temporada na Holanda, a gota d’água foi a descoberta, por parte de dirigentes, que ele e seu colega de concentração Michel escondiam bebidas alcoólicas dentro do quarto. Aos 21 anos, o atleta foi suspenso do clube por indisciplina, e somou à pecha de rebaixado a vergonha de ser praticamente expulso do clube, que segundo ele sempre foi o preferido em seu coração.

Alguns, ao saberem das palavras de Michel Bastos, sugeriram que ele estava na verdade sendo oportunista, que é muito fácil dizer-se arrependido depois de tudo ter passado, e que poderia ser mais uma manobra movida por interesses, semelhante ao que Ronaldo fez no Flamengo e Ronaldinho supostamente tentou fazer no próprio Grêmio. Sinceramente, não acredito que seja o caso. Antes de tudo, por tratar-se de um jogador ainda jovem (fez 26 anos em agosto), em excelente momento técnico e físico e recém convocado para defender a Seleção, menos de um ano antes da Copa do Mundo. Longe está, ainda, o dia em que precisará recorrer a clubes brasileiros como meio de reerguer uma carreira prejudicada por lesões ou manchada por irresponsabilidades. E convenhamos que a lógica do mercado futebolístico não dá motivos para um atleta em tal posição lembrar publicamente de um momento tão negro de sua carreira. Claro que o simples fato da entrevista ser conduzida por um veículo gaúcho já meio que induzia o teor das perguntas, mas creio que a sinceridade das respostas supera o simples desejo de agradar, revelando um jogador que de fato se ressente de erros do passado e gostaria de, se possível, corrigi-los.

E não é assim, de certo modo, com todos nós? Quantas vezes não ficamos todos a pensar no que fizemos no passado, em como poderíamos ter agido diferente, tomado outro rumo, mudado nossa trajetória e feito algo melhor ou mais significativo? Quantos de nós, se pudéssemos embarcar no DeLorean e fazer uma viagem até momentos-chave de nossas vidas, não gostaríamos de reescrever a própria história – não por dinheiro, não por glória, mas apenas para ficarmos em paz com nós mesmos e nossas consciências?

Michel Bastos não tem necessidade de voltar para o Grêmio. Sua carreira, apesar dos erros do passado, deu muito certo, seu salário no Lyon (FRA) deve ser muito bom, e basta aproveitar bem a oportunidade concedida por Dunga para ter chances reais de disputar a Copa da África do Sul, especialmente se o treinador decidir utilizá-lo como lateral esquerdo. Ele não tem nem mesmo uma dívida de gratidão com o clube da Azenha – afinal, foi formado em sua Pelotas natal e a passagem desastrada por Porto Alegre certamente não contou muito para seu progresso profissional. O que pesa em sua consciência, na verdade, é a certeza de ter agido mal com o clube do coração, o arrependimento de ter desperdiçado uma chance de ser admirado pelos torcedores gremistas, ele mesmo sendo um deles. A dor moral de Michel Bastos é a de ter tido a chance de realizar parte de seus sonhos de guri e, em nome de farras e bebedeiras, ter jogado essa oportunidade pela janela. E na entrevista para a TVCOM, ele deixa claro que, se puder, gostaria de dar a si mesmo outra chance. Reescrever a história, e vestir pela segunda vez as cores do Grêmio. Para conquistar títulos, não para falhar. E para sair de lá não como um moleque humilhado, mas sim como um homem vencedor.

Daqui a sete ou oito anos, talvez menos, Michel Bastos vai estar pronto, em todos os sentidos, para voltar ao Grêmio. Estará mais maduro, com a vida financeira totalmente garantida, com uma história consolidada fora do Brasil e em condições de jogar sem pensar em cifrões e negócios milionários. Sei que ainda falta muito tempo, mas espero sinceramente que acabe mesmo retornando ao Olímpico, e que consiga ter um desempenho muito melhor e mais significativo do que teve naquele 2004 de triste memória. Afinal, nem sempre temos a chance de mudar de rota e reescrever um final feliz. Ele tem – bom para ele, e para todos nós.

Foto: Michel Bastos é o Marty McFly da semana (Mercado da Bola)

Comentários

Vicente Fonseca disse…
O curioso é que dois jogadores daquele "time" chegaram à seleção cinco anos depois ou menos. O futebol dá muitas voltas mesmo.

E não sei se ele demoraria tanto a voltar. Acho que 7 ou 8 anos é muito. Talvez retorne em menos tempo, pois muitos têm feito isso. Esse cara tinha um baita potencial, a gente via nele. Mas Rousseau estava certo, o homem é corrompido pela sociedade que o cerca. Não adianta.
Gustavo disse…
Eu lembro vagamente do futebol do Michel Alves. Longe de ser unanimidade (até porque seu antecessor tinha sido nada menos que Gilberto), mas jogava melhor do que os posteriores ocupantes da lateral-esquerda (à exceção do Lúcio, mas o de 2007).

Concordo com o Igor, não há lógica em achar que isso é oportunismo. Se tem uma coisa que ele NÃO precisa, no momento, é voltar pro futebol brasileiro. E, mesmo que fosse, ele talvez quereria voltar pro Atlético Paranaense, onde teve melhor passagem do que no Olímpico.
André Kruse disse…
a gota d’água foi a descoberta, por parte de dirigentes, que ele e seu colega de concentração Michel escondiam bebidas alcoólicas dentro do quarto

Reza a lenda que os dois Micheis, ou um deles, imitava o discurso do presidente do clube na época.

Vale lembrar que ele joga na "ponta", nao raro pela direita.
Vicente Fonseca disse…
Essa seria a prova de que a falta de autoridade foi talvez a principal razão para o ano que o Grêmio teve em 2004.
natusch disse…
Não ando acompanhando muito a carreira do Michel Bastos, admito, tanto que a sua convocação me surpreendeu um pouquinho. Mas parece que atualmente ele atua mais como meia-esquerda ofensivo. Procede?

Ele fez algumas boas partidas por aqui, e chegou a marcar 4 gols na campanha de 2004. Mas vinha em queda desde o Atlético PR, onde o Mário Sérgio (sim, ele mesmo) recusava-se a colocá-lo em campo. Fracassou no Grêmio, e apenas no Figueirense conseguiu recuperar seu bom futebol, saindo de lá direto para o futebol francês.
Vicente Fonseca disse…
Já ouvi falar que tem sido utilizado até como segundo atacante na França. É o tipo do jogador que voltará para o Brasil jogando como meia, tipo o Gilberto. Menos habilidoso, mas com um chute muito potente.
Joel disse…
Esse cara surgiu bem, todos viam potencial no "canhão da azenha", jargão adotado por alguns repórteres e narradores esportivos. Dias atrás vi um compacto do jogo dele pelo campeonato francês, e ele atuava como segundo atacante, com a camisa 7, aliás ele comeu a boa naquele jogo. Está fazendo um belo campeonato local pelo que se comenta.
Lourenço disse…
Eu também acho que seria boa a sua volta. O problema é que se está, com o tempo, perdoando quase todo mundo que contribuiu para o que aconteceu naquela época, Adilson Batista, Michel Bastos, Felipe Melo, Pitbull. Daqui a pouco, toda a culpa será do Obino.
natusch disse…
Sei lá, Lourenço. Acho que o Adilson Batista, por ex, foi vítima de tudo que estava acontecendo. Não esquecendo que ele foi treinador em 2003, salvando o time da queda, e trabalhando por um salário muito abaixo do valor de mercado. Fico imaginando o Adilson pedindo reforços, e Obino, Berdichevski e cia. com o seu discurso de "enxugar gastos", "não negociamos com empresários" e etc. Tenho minhas dúvidas de até que ponto o Adilson de fato foi importante na montagem do "plantel" para 2004...

E o Pitbull era disparado o melhor jogador daquele time - o que depõe muito mais contra o time do que a favor dele...
natusch disse…
Leia-se "foi UM POUCO vítima de tudo que estava acontecendo".
Vicente Fonseca disse…
Também acho que o Adílson é um dos menos culpados, ainda que tenha sua parcela de culpa. Mesmo assim, acho que evoluiu - apesar de a defesa do Cruzeiro nunca ter sido plenamente segura com ele. Gostaria de vê-lo de volta, mais maduro, no Olímpico.
Lourenço disse…
O cara que montou o time rebaixado, manteve Michel em 24928 jogos por pura teimosia, trocava o time conforme o adversário e leu a famosa carta tem uma parcela, digamos, polpuda naquilo lá.
Vicente Fonseca disse…
hdssfdsdf

Bah, essa história da carta foi triste. A do Michel também. E as trocas também.

Mas acho que merece outra chance. Era seu início de carreira como técnico. E lembremos: salvou o time do rebaixamento em 2003 num momento de extrema pressão, ano de centenário, e tal. Sendo um técnico novato. Acho que é um técnico emergente, como o Silas. Nomes assim me agradam.
Prestes disse…
Que história é essa da carta? Não me lembro.
Vicente Fonseca disse…
Eu não lembro exatamente o conteúdo, Prestes, o Lourenço te informa melhor. Mas ele leu na frente da reportagem uma carta que dizia algo como "não vou embora do Grêmio", algo assim. Foi um papelão.