Fluminense, de virada, calou a boca de todos nós
Uma das coisas que eu sempre gostei especialmente no futebol é a sua capacidade alegórica, o seu potencial de representar aspectos da vida e de, entre as emoções do gol ou do impedimento mal marcado, oferecer belas lições. Claro que os vencedores rendem muitas histórias, mas pessoalmente sempre me atraí mais pelo lado dos que perdem, ou pelo menos dos que não conseguem a glória maior, mas acabam obtendo conquistas muitas vezes quase invisíveis ao olhar menos atento. Nesse sentido, os times que lutam para escapar do rebaixamento, em todas as séries de todos os campeonatos do globo, são terreno bastante fértil – e nesse domingo, o Fluminense deu a todos nós um belo presente, ao vencer de virada o forte Cruzeiro, em pleno Mineirão, pelo placar de 3 a 2.
Não que times prestes a afundar no lodaçal do rebaixamento não sejam capazes de belas partidas e, eventualmente, de resultados surpreendentes. Podemos lembrar o Grêmio de 2004, que enquanto preparava as malas para a Série B meteu 6 a 1 na Ponte Preta, ou o Atlético MG de 2005, que mesmo caindo venceu corajosamente seus últimos 3 jogos fora de casa naquele ano. Ou seja, uma vitória como a do Fluminense nesse último domingo não é inédita, embora impressione um pouquinho, claro. Mas o fundamental, no caso, nem é o resultado em si, mas as circunstâncias todas em que se deu – não só as de jogo, mas as anímicas e psicológicas também.
O Fluminense, convenhamos, está com um pé e meio na cova. Hoje em dia, é um clube vitimado pela parceria funesta com a Unimed, com um grupo inchado de nomes e carente de jogadores, há tempos desestruturado em todos os sentidos e carregando desde o ano passado o fantasma da derrota para a LDU na final da Copa Libertadores. Perdendo uma série absurda de jogos, o Pó de Arroz consolidou-se como participante da Série B em 2010, e mesmo com as últimas vitórias está muito complicado para o clube se salvar da degola. Jogadores de renome, como Fred, Edcarlos, Leandro Amaral e Fernando Henrique, estão tendo temporadas abaixo da crítica – e na casamata está Cuca, para muitos um treinador nascido sobre o signo da derrota, um profissional que os clubes consideram bom, mas que nunca dá resultado em lugar nenhum.
Somando tudo, não surpreende o descrédito que cai sobre o clube das Laranjeiras, muito menos o ar de tragédia anunciada que tomou conta de tudo quando o Cruzeiro, em pleno Mineirão, meteu 2 a 0 e deitou e rolou durante toda a primeira etapa, deixando de aplicar ali mesmo uma goleada constrangedora sobre os visitantes cariocas. Mais do que derrotados, os jogadores do Fluminense entraram no vestiário como rebaixados, com a pecha de serem personagens de uma tragédia vexatória e irreversível. Duvido que eles mesmos, ao saírem de campo no intervalo, achassem possível uma reação: já deviam estar pensando numa recuperação no próximo jogo, ou ainda mais, digerindo amargamente a certeza de que tudo estava perdido e não havia mais o que ser feito, naquele ou em qualquer outro jogo de 2009. E não acredito que qualquer analista de futebol tenha sequer cogitado uma grande mudança no vestiário, com Cuca tomando decisões que mudassem a história do jogo. Somos todos cruéis em nosso realismo, e cruelmente decretamos, todos nós, que já estava pelada a coruja e que o Flu estava mortinho da silva, com as canelas devidamente esticadas, apertando a mão de Elvis Presley no portão de entrada para a Segundona.
E o que se viu no sensacional segundo tempo do Mineirão? Um Fluminense renovado, em todos os sentidos. Tirando os inoperantes Equi González e Diguinho e colocando os jovens, porém vibrantes Digão e Tartá, Cuca transformou o claudicante 4-4-2 da etapa inicial num coeso 3-5-2 – e essa mudança desnorteou o Cruzeiro de uma maneira inesperada. Somado a isso, uma forte reação anímica de todos os onze jogadores em campo – de um bando de atletas confusos pisando em ovos a cada passe, passamos a ver jogadores muitas vezes limitados tecnicamente, mas dispostos a cumprir suas funções táticas com dedicação e a encarar o desafio de fazer alguma coisa. O gol de Gum – muitas vezes tomado injustamente como símbolo da mediocridade do Fluminense – reanimou de vez o time, e a partir daí a reação foi com certeza a coisa mais emocionante que o futebol nos deu essa semana, aqui no Brasil e possivelmente no mundo todo.
Os dois gols de Fred estão sendo muito comentados pela ausência de comemoração do herói tricolor, em respeito ao Cruzeiro que o formou como jogador de futebol – mas o fato é que ambos surgiram de belas jogadas, dignas de um time concentrado e determinado a vencer. O terceiro, em especial, teve um excelente trabalho do jovem Maicon, que recuperou uma bola quase perdida na linha de fundo e passou voando pelos marcadores antes de servir Fred para o gol da virada. A festa do terceiro gol também foi muito bonita: enquanto Fred controlava-se para não festejar, seus colegas comemoravam ensandecidos – e Cuca, tantas vezes criticado, abraçando todos os reservas enquanto erguia o olhar para o céu. Substituindo o agora goleiro titular Rafael, suspenso, Fernando Henrique fez defesas importantes e ajudou muito a garantir a vitória. Nomes criticados, mas que agora merecem os justos elogios por terem cumprido, e muitíssimo bem, o seu papel.
Como adiantei antes, candidato a rebaixamento vencer partida difícil longe está de ser novidade no futebol. Ainda acho, inclusive, que a reação final não vai ser suficiente, e que o Fluminense deve sim engrossar as fileiras da Série B em 2010. Mas a bonita vitória de domingo nos traz uma pergunta: como, no fim das contas, um time que no intervalo de jogo era a imagem do fracasso conseguiu reverter expectativas e sair triunfante de uma situação tão complicada? A resposta, creio, é simples, embora talvez não nos pareça tão sólida ou convincente: os jogadores simplesmente passaram a acreditar que, com esforço, talvez pudessem conseguir. Óbvio que a mudança tática ajudou muito, mas de nada serviria em um time sem confiança e que aceitasse a opinião de todos nós, jogando como o rebaixado que já dizíamos que era. Estávamos todos errados, pelo menos naquele momento, e essa lição é para nós. Estavam certos eles, de lutar um pouco mais – e essa lição é para eles, mas para nós também. Mesmo que a guerra esteja quase perdida e a glória vá ficar nas mãos de outros, vale a pena tentar vencer a batalha, lutar contra tudo em busca de algo maior do que si mesmo – essa é, para mim, a grande moral por trás da história de todos os jogos, em todos os campeonatos de futebol do planeta. E, ainda que possivelmente vá ser eliminado no meio do caminho, é essa a grande vitória do Fluminense, na quente tarde de domingo em Minas Gerais. Um jogo no qual o Pó de Arroz venceu não só o Cruzeiro, mas também a todos nós.
Foto: Cuca em chamas queima a língua dos críticos (Agência Estado / Yahoo! Esportes)
Não que times prestes a afundar no lodaçal do rebaixamento não sejam capazes de belas partidas e, eventualmente, de resultados surpreendentes. Podemos lembrar o Grêmio de 2004, que enquanto preparava as malas para a Série B meteu 6 a 1 na Ponte Preta, ou o Atlético MG de 2005, que mesmo caindo venceu corajosamente seus últimos 3 jogos fora de casa naquele ano. Ou seja, uma vitória como a do Fluminense nesse último domingo não é inédita, embora impressione um pouquinho, claro. Mas o fundamental, no caso, nem é o resultado em si, mas as circunstâncias todas em que se deu – não só as de jogo, mas as anímicas e psicológicas também.
O Fluminense, convenhamos, está com um pé e meio na cova. Hoje em dia, é um clube vitimado pela parceria funesta com a Unimed, com um grupo inchado de nomes e carente de jogadores, há tempos desestruturado em todos os sentidos e carregando desde o ano passado o fantasma da derrota para a LDU na final da Copa Libertadores. Perdendo uma série absurda de jogos, o Pó de Arroz consolidou-se como participante da Série B em 2010, e mesmo com as últimas vitórias está muito complicado para o clube se salvar da degola. Jogadores de renome, como Fred, Edcarlos, Leandro Amaral e Fernando Henrique, estão tendo temporadas abaixo da crítica – e na casamata está Cuca, para muitos um treinador nascido sobre o signo da derrota, um profissional que os clubes consideram bom, mas que nunca dá resultado em lugar nenhum.
Somando tudo, não surpreende o descrédito que cai sobre o clube das Laranjeiras, muito menos o ar de tragédia anunciada que tomou conta de tudo quando o Cruzeiro, em pleno Mineirão, meteu 2 a 0 e deitou e rolou durante toda a primeira etapa, deixando de aplicar ali mesmo uma goleada constrangedora sobre os visitantes cariocas. Mais do que derrotados, os jogadores do Fluminense entraram no vestiário como rebaixados, com a pecha de serem personagens de uma tragédia vexatória e irreversível. Duvido que eles mesmos, ao saírem de campo no intervalo, achassem possível uma reação: já deviam estar pensando numa recuperação no próximo jogo, ou ainda mais, digerindo amargamente a certeza de que tudo estava perdido e não havia mais o que ser feito, naquele ou em qualquer outro jogo de 2009. E não acredito que qualquer analista de futebol tenha sequer cogitado uma grande mudança no vestiário, com Cuca tomando decisões que mudassem a história do jogo. Somos todos cruéis em nosso realismo, e cruelmente decretamos, todos nós, que já estava pelada a coruja e que o Flu estava mortinho da silva, com as canelas devidamente esticadas, apertando a mão de Elvis Presley no portão de entrada para a Segundona.
E o que se viu no sensacional segundo tempo do Mineirão? Um Fluminense renovado, em todos os sentidos. Tirando os inoperantes Equi González e Diguinho e colocando os jovens, porém vibrantes Digão e Tartá, Cuca transformou o claudicante 4-4-2 da etapa inicial num coeso 3-5-2 – e essa mudança desnorteou o Cruzeiro de uma maneira inesperada. Somado a isso, uma forte reação anímica de todos os onze jogadores em campo – de um bando de atletas confusos pisando em ovos a cada passe, passamos a ver jogadores muitas vezes limitados tecnicamente, mas dispostos a cumprir suas funções táticas com dedicação e a encarar o desafio de fazer alguma coisa. O gol de Gum – muitas vezes tomado injustamente como símbolo da mediocridade do Fluminense – reanimou de vez o time, e a partir daí a reação foi com certeza a coisa mais emocionante que o futebol nos deu essa semana, aqui no Brasil e possivelmente no mundo todo.
Os dois gols de Fred estão sendo muito comentados pela ausência de comemoração do herói tricolor, em respeito ao Cruzeiro que o formou como jogador de futebol – mas o fato é que ambos surgiram de belas jogadas, dignas de um time concentrado e determinado a vencer. O terceiro, em especial, teve um excelente trabalho do jovem Maicon, que recuperou uma bola quase perdida na linha de fundo e passou voando pelos marcadores antes de servir Fred para o gol da virada. A festa do terceiro gol também foi muito bonita: enquanto Fred controlava-se para não festejar, seus colegas comemoravam ensandecidos – e Cuca, tantas vezes criticado, abraçando todos os reservas enquanto erguia o olhar para o céu. Substituindo o agora goleiro titular Rafael, suspenso, Fernando Henrique fez defesas importantes e ajudou muito a garantir a vitória. Nomes criticados, mas que agora merecem os justos elogios por terem cumprido, e muitíssimo bem, o seu papel.
Como adiantei antes, candidato a rebaixamento vencer partida difícil longe está de ser novidade no futebol. Ainda acho, inclusive, que a reação final não vai ser suficiente, e que o Fluminense deve sim engrossar as fileiras da Série B em 2010. Mas a bonita vitória de domingo nos traz uma pergunta: como, no fim das contas, um time que no intervalo de jogo era a imagem do fracasso conseguiu reverter expectativas e sair triunfante de uma situação tão complicada? A resposta, creio, é simples, embora talvez não nos pareça tão sólida ou convincente: os jogadores simplesmente passaram a acreditar que, com esforço, talvez pudessem conseguir. Óbvio que a mudança tática ajudou muito, mas de nada serviria em um time sem confiança e que aceitasse a opinião de todos nós, jogando como o rebaixado que já dizíamos que era. Estávamos todos errados, pelo menos naquele momento, e essa lição é para nós. Estavam certos eles, de lutar um pouco mais – e essa lição é para eles, mas para nós também. Mesmo que a guerra esteja quase perdida e a glória vá ficar nas mãos de outros, vale a pena tentar vencer a batalha, lutar contra tudo em busca de algo maior do que si mesmo – essa é, para mim, a grande moral por trás da história de todos os jogos, em todos os campeonatos de futebol do planeta. E, ainda que possivelmente vá ser eliminado no meio do caminho, é essa a grande vitória do Fluminense, na quente tarde de domingo em Minas Gerais. Um jogo no qual o Pó de Arroz venceu não só o Cruzeiro, mas também a todos nós.
Foto: Cuca em chamas queima a língua dos críticos (Agência Estado / Yahoo! Esportes)
Comentários
Essa reação do Flu me lembra a do Grêmio em 2003, mas me parece tarde demais. Mas convém não decretar o rebaixamento, mesmo que eu ainda não acredite em salvação para o tricolor carioca.
melhora da morte.
agora o flu goleia alguém por 6 a zero, perde o mando de campo e é ROUBADO jogando, sei lá, em CAIO MARTINS.
Ele transformou o Goiás de 2003 num time forte, depois de amargar a lanterna todo o primeiro turno. Seguiu como ótimo técnico no São Paulo, acho que perseguido injustamente pela torcida.
Treinou o Coritiba em 2005, e considero a atrapalhada demissão dele (em decorrência de 3 derrotas seguidas) o principal motivo para o rebaixamento ocorrido naquele ano.
Aliás, na lista dos quase rebaixados que fazem partidas heróicas, pra mim foi inesquecível o Coritiba derrotar o Internacional (candidato ao título) na última rodada, numa excelente partida. Trágica, por que o rival direto (São Caetano) também derrotou o Cruzeiro no mineirão (time vendido esse).
Pior ainda se pensarmos que o azulão não tem torcida, e nunca mais volta à primeira divisão. Já o Coritiba...
Quanto ao "nunca dá resultado em lugar nenhum", a ideia era reproduzir o senso comum sobre o treinador, a opinião dos mesmos que o consideram "nascido sob o signo da derrota". Não sou exatamente fã do trabalho dele, mas sem dúvida ele tem seus méritos como profissional, e evoluiu muito com o passar dos anos. Se o Fluminense conseguir se salvar, sem dúvida os méritos serão todos dele - mesmo porque é ele quem está fazendo o time jogar, herdando a desgraça que Parreira e Renato Gaúcho, entre outros, não conseguiram corrigir.
Não sei se o Fluminense estaria nesta situação se tivesse mantido o Parreira. Não que ele estivesse indo bem, mas não sei se degringolaria tanto.
E eu concordo com todos, o Cuca é bom treinador. Aliás, vinha bem no Flamengo no primeiro semestre.
O Cuca vinha bem no primeiro semestre em termos, né Prestes? Até ganhou o Carioca e fez uma Copa do Brasil razoável, mas andava brigado com todo o grupo de jogadores do Flamengo. Mas não é mau técnico, não.
No duelo contra o Inter, p. ex., foi melhor taticamente durante quase todos os 180 minutos.
Por aceitar tudo o que é convite, achando que poderia salvar todos os times. Geriu mal a carreira até agora o Cuca.
Outro que por um período começou a abraçar todas foi o PC Gusmão, que agora faz belíssima campanha no Ceará. Entende de futebol tb. Mas teve muito AFÃ no começo de carreira.
Já o PC Gusmão eu tenho uma implicância histórica com ele, pois sempre tenho a impressão de fazer péssimos trabalhos, além de ter sido o cara que enfiou cinco atacantes e levou 7 a 1 do Grêmio ano passado. Mas vem fazendo bela campanha mesmo no Ceará, justiça seja feita.