Honduras 2010: uma nova chance de fazer história
No último dia 14, um evento singular e altamente significativo ganhou as manchetes de boa parte da imprensa esportiva – e política – do planeta. Nesse dia, depois de sofrida vitória de 1 a 0 sobre El Salvador e contando com um empate providencial dos EUA contra a Costa Rica, a seleção hondurenha de futebol conquistou vaga para a Copa do Mundo 2010, nessa que será a segunda participação de sua história. Uma classificação dramática, que foi comemorada nas ruas por um povo enlouquecido, e que motivou feriado nacional por decreto do presidente de facto Roberto Micheletti. Tenho certeza que todo mundo sabe o ambiente político que tomou conta de Honduras nos últimos meses, e uma vez que o Carta na Manga não é um blog político julgo desnecessário entrarmos em detalhes – bastando, no entanto, ter esse panorama todo em mente para ter uma noção mais clara da importância que esse feito adquiriu no atualmente tão conturbado país. É sempre bonito isso, vermos pessoas sofridas vivenciando momentos felizes graças ao futebol – apesar do uso maligno que certos políticos podem fazer desse tipo de conquista, mas enfim. E essa situação nos lembra da única outra vez que Honduras esteve em uma Copa do Mundo, em 1982 – ano no qual, de quebra, protagonizou um evento hoje quase esquecido, mas com certeza um dos mais tocantes de toda a história da competição.
Apesar de uma classificação tranquila como líderes das eliminatórias da CONCACAF em 1981, a verdade é que ninguém dava um tostão furado pela seleção hondurenha naquela Copa. A base do grupo era formada por atletas que haviam participado do Mundial Juvenil de 1977, disputado na Tunísia. Ao contrário de hoje em dia, quando vários jogadores do país defendem clubes na Europa e na América do Norte, aquela esquadra tinha um solitário jogador de carreira internacional – o volante Gilberto “El Vikingo” Yearwood, que na época defendia os espanhóis do Real Valladolid. O restante do plantel era constituído de atletas oriundos de clubes do próprio país, como os atacantes Betancourt e Maradiaga, o goleiro José Nazar e o meia Zelaya, o “peito de águia” – que tinha, como veremos, mais do que um apelido estranho e um sobrenome chamativo.
Infelizmente, o craque Jimmy Bailey, tido como um dos maiores jogadores da história de Honduras, não pôde ir à Espanha devido a uma grave lesão. Comandando esse humilde grupo de atletas, o treinador José de La Paz Herrera, conhecido pelo apelido “Chelato” e que havia sido um dos grandes nomes do futebol local, defendendo o popular Atlético Español por nada menos que vinte anos – toda a sua carreira, aliás.
Os prognósticos, sejamos justos, eram sombrios. Não bastasse o plantel modesto e a falta de experiência internacional de Honduras, o outro classificado da CONCACAF, El Salvador, sofreu incômodos 10 a 1 contra a Hungria, um resultado que só aumentou por tabela o status de “aventureiros” daquele time centro-americano. Considerando que a estreia dos hondurenhos seria contra nada menos que a Espanha, país-sede do Mundial, todos apostavam numa derrota dos novatos, na melhor das hipóteses por poucos gols. Mas, pela primeira vez naquele campeonato, os comandados de Chelato impressionaram o mundo, arrancando um corajoso empate em 1 a 1 diante de um dos grandes favoritos daquela Copa. Os hondurenhos saíram vencendo logo aos 8 minutos, com um gol de pura raça de Zelaya – aquele mesmo que hoje em dia é parente do presidente deposto – e seguraram a vantagem durante a maior parte do jogo, para pânico da torcida local e delírio de toda Honduras. O goleiro Nazar foi um dos destaques, com defesas espetaculares. Apesar da resistência dos visitantes, a Espanha achou o empate em um pênalti bem batido por Ufarte – mas o inesperado resultado ganhou as manchetes, e mostrou que aqueles desconhecidos não tinham viajado para um mero passeio em território espanhol...
Na segunda partida, disputada no dia 21 de junho de 1982, Honduras mais uma vez foi bem, conquistando novo empate em 1 a 1 contra a Irlanda do Norte. Desta vez, Honduras saiu perdendo: depois de uma cobrança de falta, a bola sobrou dentro da área e, num lance confuso, Armstrong marcou o gol irlandês. Já no segundo tempo, e como o empate não saísse, Chelato resolveu colocar em campo o jovem e desconhecido Laing, em uma tentativa já meio desesperada de salvar o jogo. E a estrela do rapaz brilhou: aos 15 minutos da etapa final, logo em seu primeiro lance, o meio-campo cabeceou após cobrança de escanteio e marcou o heróico gol de empate da seleção hondurenha. Emocionado, o atleta nem conseguiu levantar e correr para comemorar, sendo cercado pelos companheiros em uma festa empolgada e empolgante.
Com esse novo empate, e ajudada pelos resultados paralelos, a seleção de Honduras via a classificação tida como impossível aproximar-se mais e mais. Bastava um empate sem gols contra a Iugoslávia para garantir a segunda vaga pelos critérios de desempate – Espanha e Irlanda do Norte se enfrentariam no dia seguinte, mas Honduras dependia só de si para a vaga. O confronto final, disputado dia 24 de junho no La Romareda em Zaragoza, acabou sendo um dos mais dramáticos que uma Copa do Mundo já viu, por mais de um motivo. Sabendo que bastava não perder para se classificarem, os hondurenhos fizeram uma partida nervosa, mas valente, segurando as investidas iugoslavas e arriscando em cobranças de falta e lances de contra ataque. Já virtualmente eliminados, os europeus jogavam pela honra, e fizeram um enfrentamento digno, jogando para vencer o tempo todo. Honduras teve chance de marcar gol no fim do primeiro tempo, quando Betancourt tocou errado na saída de Pantelić, perdendo uma chance de ouro para uma vantagem que poderia ser consagradora. Com o decorrer da partida, a coisa ficou ainda mais tensa, e o arqueiro Nadal foi se consagrando com uma série de defesas importantíssimas. A glória estava perto – mas aos 42 do segundo tempo, a tragédia: em linda jogada individual, o atacante Miloš Šestić, que havia entrado minutos antes, invade a área e se joga ao receber carrinho de Villegas. Um pênalti discutível, mas bem cobrado por Petrovic, garantindo a vitória da Iugoslávia por 1 a 0 e a eliminação de Honduras da Copa. Nervoso, Gilberto perde o controle, agride um iugoslavo e sai expulso, pontuando ainda mais o melancólico fim daquele jogo que tanto prometia para a nação centro-americana.
Acabado o jogo, e findo o sonho, a delegação hondurenha desabou. Tomados pela tristeza, jogadores e comissão técnica desabaram em pleno gramado, chorando copiosamente a perda da vaga tão próxima. A emoção daquele grupo de sonhadores, visível na comemoração dos gols marcados e ao fim dos dois empates anteriores, mostrou-se ali da forma mais tocante e dolorida. Abraçados, homens corajosos que haviam lutado até o fim choravam aos soluços, como crianças. Impotente, o treinador tentava consolar seus atletas, ele mesmo incapaz de conter as lágrimas. Uma dor imensa, mas que só dignificava ainda mais aquela corajosa seleção – e uma derrota dura, mas que não evitou que a delegação fosse recebida como heróis na volta a Honduras, em um justo reconhecimento popular a um time que lutou até o fim em nome de um sonho. Vinte e oito anos depois, Honduras volta a ter a chance de disputar uma Copa do Mundo. Pessoalmente, isso me anima – afinal, é a oportunidade não só de um povo sofrido ter alegrias com o futebol, mas também de uma nação fazer as pazes com sua história. As chances de ir para a próxima fase, de novo, são muito pequenas – mas tenho certeza que os atletas hondurenhos, carregando em si o bonito exemplo dos homens que os antecederam no caminho, lutarão muito e nos trarão momentos, se não plasticamente belos, repletos de emoção. Não perco os jogos de Honduras na próxima Copa por nada nesse mundo – porque neles sim, com certeza, teremos a paixão que é, no fim das contas, o verdadeiro significado do futebol. Um brinde a Honduras, e seja bem vinda de volta!
Foto: Desta vez, os jogadores de Honduras choram de alegria (Reuters)
Apesar de uma classificação tranquila como líderes das eliminatórias da CONCACAF em 1981, a verdade é que ninguém dava um tostão furado pela seleção hondurenha naquela Copa. A base do grupo era formada por atletas que haviam participado do Mundial Juvenil de 1977, disputado na Tunísia. Ao contrário de hoje em dia, quando vários jogadores do país defendem clubes na Europa e na América do Norte, aquela esquadra tinha um solitário jogador de carreira internacional – o volante Gilberto “El Vikingo” Yearwood, que na época defendia os espanhóis do Real Valladolid. O restante do plantel era constituído de atletas oriundos de clubes do próprio país, como os atacantes Betancourt e Maradiaga, o goleiro José Nazar e o meia Zelaya, o “peito de águia” – que tinha, como veremos, mais do que um apelido estranho e um sobrenome chamativo.
Infelizmente, o craque Jimmy Bailey, tido como um dos maiores jogadores da história de Honduras, não pôde ir à Espanha devido a uma grave lesão. Comandando esse humilde grupo de atletas, o treinador José de La Paz Herrera, conhecido pelo apelido “Chelato” e que havia sido um dos grandes nomes do futebol local, defendendo o popular Atlético Español por nada menos que vinte anos – toda a sua carreira, aliás.
Os prognósticos, sejamos justos, eram sombrios. Não bastasse o plantel modesto e a falta de experiência internacional de Honduras, o outro classificado da CONCACAF, El Salvador, sofreu incômodos 10 a 1 contra a Hungria, um resultado que só aumentou por tabela o status de “aventureiros” daquele time centro-americano. Considerando que a estreia dos hondurenhos seria contra nada menos que a Espanha, país-sede do Mundial, todos apostavam numa derrota dos novatos, na melhor das hipóteses por poucos gols. Mas, pela primeira vez naquele campeonato, os comandados de Chelato impressionaram o mundo, arrancando um corajoso empate em 1 a 1 diante de um dos grandes favoritos daquela Copa. Os hondurenhos saíram vencendo logo aos 8 minutos, com um gol de pura raça de Zelaya – aquele mesmo que hoje em dia é parente do presidente deposto – e seguraram a vantagem durante a maior parte do jogo, para pânico da torcida local e delírio de toda Honduras. O goleiro Nazar foi um dos destaques, com defesas espetaculares. Apesar da resistência dos visitantes, a Espanha achou o empate em um pênalti bem batido por Ufarte – mas o inesperado resultado ganhou as manchetes, e mostrou que aqueles desconhecidos não tinham viajado para um mero passeio em território espanhol...
Na segunda partida, disputada no dia 21 de junho de 1982, Honduras mais uma vez foi bem, conquistando novo empate em 1 a 1 contra a Irlanda do Norte. Desta vez, Honduras saiu perdendo: depois de uma cobrança de falta, a bola sobrou dentro da área e, num lance confuso, Armstrong marcou o gol irlandês. Já no segundo tempo, e como o empate não saísse, Chelato resolveu colocar em campo o jovem e desconhecido Laing, em uma tentativa já meio desesperada de salvar o jogo. E a estrela do rapaz brilhou: aos 15 minutos da etapa final, logo em seu primeiro lance, o meio-campo cabeceou após cobrança de escanteio e marcou o heróico gol de empate da seleção hondurenha. Emocionado, o atleta nem conseguiu levantar e correr para comemorar, sendo cercado pelos companheiros em uma festa empolgada e empolgante.
Com esse novo empate, e ajudada pelos resultados paralelos, a seleção de Honduras via a classificação tida como impossível aproximar-se mais e mais. Bastava um empate sem gols contra a Iugoslávia para garantir a segunda vaga pelos critérios de desempate – Espanha e Irlanda do Norte se enfrentariam no dia seguinte, mas Honduras dependia só de si para a vaga. O confronto final, disputado dia 24 de junho no La Romareda em Zaragoza, acabou sendo um dos mais dramáticos que uma Copa do Mundo já viu, por mais de um motivo. Sabendo que bastava não perder para se classificarem, os hondurenhos fizeram uma partida nervosa, mas valente, segurando as investidas iugoslavas e arriscando em cobranças de falta e lances de contra ataque. Já virtualmente eliminados, os europeus jogavam pela honra, e fizeram um enfrentamento digno, jogando para vencer o tempo todo. Honduras teve chance de marcar gol no fim do primeiro tempo, quando Betancourt tocou errado na saída de Pantelić, perdendo uma chance de ouro para uma vantagem que poderia ser consagradora. Com o decorrer da partida, a coisa ficou ainda mais tensa, e o arqueiro Nadal foi se consagrando com uma série de defesas importantíssimas. A glória estava perto – mas aos 42 do segundo tempo, a tragédia: em linda jogada individual, o atacante Miloš Šestić, que havia entrado minutos antes, invade a área e se joga ao receber carrinho de Villegas. Um pênalti discutível, mas bem cobrado por Petrovic, garantindo a vitória da Iugoslávia por 1 a 0 e a eliminação de Honduras da Copa. Nervoso, Gilberto perde o controle, agride um iugoslavo e sai expulso, pontuando ainda mais o melancólico fim daquele jogo que tanto prometia para a nação centro-americana.
Acabado o jogo, e findo o sonho, a delegação hondurenha desabou. Tomados pela tristeza, jogadores e comissão técnica desabaram em pleno gramado, chorando copiosamente a perda da vaga tão próxima. A emoção daquele grupo de sonhadores, visível na comemoração dos gols marcados e ao fim dos dois empates anteriores, mostrou-se ali da forma mais tocante e dolorida. Abraçados, homens corajosos que haviam lutado até o fim choravam aos soluços, como crianças. Impotente, o treinador tentava consolar seus atletas, ele mesmo incapaz de conter as lágrimas. Uma dor imensa, mas que só dignificava ainda mais aquela corajosa seleção – e uma derrota dura, mas que não evitou que a delegação fosse recebida como heróis na volta a Honduras, em um justo reconhecimento popular a um time que lutou até o fim em nome de um sonho. Vinte e oito anos depois, Honduras volta a ter a chance de disputar uma Copa do Mundo. Pessoalmente, isso me anima – afinal, é a oportunidade não só de um povo sofrido ter alegrias com o futebol, mas também de uma nação fazer as pazes com sua história. As chances de ir para a próxima fase, de novo, são muito pequenas – mas tenho certeza que os atletas hondurenhos, carregando em si o bonito exemplo dos homens que os antecederam no caminho, lutarão muito e nos trarão momentos, se não plasticamente belos, repletos de emoção. Não perco os jogos de Honduras na próxima Copa por nada nesse mundo – porque neles sim, com certeza, teremos a paixão que é, no fim das contas, o verdadeiro significado do futebol. Um brinde a Honduras, e seja bem vinda de volta!
Foto: Desta vez, os jogadores de Honduras choram de alegria (Reuters)
Comentários
E a Espanha decepcionou naquela Copa. Mandante do torneio, passou raspando na primeira fase num grupo razoavelmente fraco e caiu na fase seguinte, num triangular que tinha Alemanha e Inglaterra. Mas pra mim será a próxima seleção inédita a ganhar uma Copa. Não em 2010, mas será.
Os dois deixaram o Mexico de Hugo Sanchez fora da copa