Argentina insiste no clichê


Felipe Prestes
Na semana decisiva das eliminatórias sul-americanas para Copa, quem vive momento de maior apreensão certamente é o torcedor argentino. Duas vezes campeã do mundo, a seleção local tem insistido, nos últimos dois anos, para que os repórteres usem loucamente o clichê do tango e da tragédia. Com ajuda de Thiago Henrique, editor-chefe do site Futebol Portenho, a quem entrevistamos por email, o Carta na Manga traça nestas linhas um raio-x da campanha dos hermanos nestas classificatórias.

A jornada começou três meses após a Copa América, onde a seleção, então treinada por Basile, encantara o continente, com um futebol vistoso. Mas todos lembram a chapuletada que levou da equipe de Dunga. Para Thiago, esta derrota foi decisiva para a má fase de nossos vizinhos, mesmo que eles tenham vencido as três primeiras partidas das eliminatórias, contra Chile, Venezuela e Bolívia. “Se formos observar a tabela, foram adversários mais fracos. O Chile, naquela situação, era um mero coadjuvante, com poucas chances de classificação. Ninguém apostava no time de Bielsa na primeira rodada”, opina.

Após essa seqüência, uma seca de cinco jogos sem vencer – uma derrota para a Colômbia fora de casa e quatro empates. Um deles, contra o Brasil no Mineirão, foi até bom resultado. Mas foi quando a equipe de Coco Basile permitiu um empate do Peru, em Lima, aos 48 do segundo tempo, que o treinador começou a balançar.

Em outubro de 2008, a Argentina vence o Uruguai em casa, e perde para o Chile fora, na primeira partida do returno. Basile cai. O editor-chefe do Futebol Portenho acredita que a demissão de Coco não era necessária. “Acho que com os resultados atuais, a resposta é notória. Basile não era o culpado. Nunca foi”. Mas ressalta que a decisão foi do próprio técnico. “A pressão por não estar ganhando foi grande. Assim, pediu demissão após a derrota para o Peru”.

Em 10 jogos, a equipe comandada pelo experiente Alfio Basile, conseguiu quatro vitórias, quatro empates e duas aceitáveis derrotas fora de casa, diante de Chile e Colômbia. O aproveitamento até sua saída era de 53,3%. Já o novato Maradona soma duas vitórias e quatro derrotas, com aproveitamento de 33,3%.

Thiago acredita que Grondona deu o cargo a Dios por pressão do próprio craque. “Maradona sempre quis o cargo, desde a saída de Pekerman”. O jornalista acredita que existiam vários treinadores capazes de assumir a albiceleste de forma mais competente naquele momento. “Sérgio Batista (campeão olimpíco) era um deles, na época. O problema foi o que disse acima: Maradona insistiu tanto que Grondona disse: ‘pega logo isso e vê o que consegue fazer’”, explica. Além de Batista, também cita Alejandro Sabella, do Estudiantes, e Simeone, atualmente no San Lorenzo, como bons nomes para assumir a seleção.

O resultado da efetivação de Maradona foi, não só o dobro do número de derrotas, com quatro partidas a menos, como muito mais gols sofridos, muito por causa da incrível goleada sofrida diante da Bolívia. Com Basile, a defesa argentina levou seis gols em dez jogos. Com Maradona, são treze tentos em seis jogos. “Todos podem criticar Dunga, por exemplo, mas ele sabia ordenar uma defesa, um meio campo e um ataque na época de jogador e agora, como técnico. Nos treinos, você não vê Diego corrigindo algum erro pífio de marcação”.

Além disso, os problemas de defesa da Argentina passam também por lesões. Dois dos titulares de Maradona sofreram lesão. Demichelis agora está recuperado e Angeleri volta apenas no ano que vem. Mas Thiago vai na contramão do preconceito que os brasileiros têm com Schiavi, Sebá e Otamendi e lembra que são nomes de destaque no país vizinho atualmente.
Como se não bastasse a recente média de gols sofridos, a Argentina tem tido também problemas ofensivos. Ao longo das Eliminatórias, a albiceleste marcou apenas 20 gols, mesmo número da Bolívia, só à frente de Colômbia e Peru. “Não temos um matador nato, como Crespo ou Batistuta. Todos os jogadores citados para o ataque não jogam como centro-avante em seus times”.

Esta falta de um atacante de área seria, inclusive, o problema do baixo rendimento que vêm tendo alguns grandes jogadores argentinos em sua seleção. “No Barcelona Messi olha pro lado e tem Ibra, Henry. Agüero vê Forlán. Tévez via Ronney e agora tem Adebayor. Verón serve como garçom para Boselli e Gatá Fernandez (esse último na época da Libertadores). Na Seleção, eles jogam juntos, sem nenhum referência ofensiva. É complicado jogar assim”. Para o jornalista a convocação de Palermo é um bom sinal, mas a volta de Crespo seria o ideal.

Todas estas carências da seleção argentina poderiam ser mais facilmente resolvidas se Maradona fosse menos orgulhoso, acredita Thiago. Ele afirma que treinador não aceita a opinião alheia de quem sabe, diminuindo até a influência de Carlos Billardo, diretor técnico, em seu trabalho. “Era para ser toda (a influência). Mas, como o próprio Diego diz: ‘Sou eu quem escolhe os jogadores, mais ninguém’. Se tivesse um dedo mínimo do pé de Billardo, a situação seria outra”.

O resultado disto é um Maradona que preteriu vários nomes da base montada por Basile e perdido em suas convocações. Segundo Paulo Vinicius Coelho aponta em seu blog, Maradona já convocou 69 jogadores para 11 partidas. O mesmo jornalista mostra que Dunga chamou 81 jogadores para 48 partidas. “O número da seleção brasileira é racional, ao longo de três anos de trabalho. O da Argentina, insano”, diz o PVC, neste post.
Dentre os preteridos por Diego está Riquelme. Entretanto, Thiago Ferreira concorda com esta opção e afirma que o jogador se encontra fora de forma. “Ninguém lembra que ele vive mais no departamento médico do Boca Juniors do que em campo. Não faz três jogos. Até Ronaldinho Gaúcho está mais condicionado do que ele”.
Sem Roman, a Argentina vai para campo duas vezes nos próximos dias jogar seu destino. Argentina que disputou quinze copas do mundo, ficando de fora três vezes. Em 50 e 54 não quis participar. Em 70, a única desclassificação em Eliminatórias, para o Peru de Cubillas, treinado por Didi. Quarenta anos depois, o próprio Peru, e o Uruguai, podem ser protagonistas de um novo vexame hermano. São muitas as possibilidades matemáticas, seis seleções disputam as duas vagas diretas e uma para a repescagem. Aguardemos, pois, as cenas dos próximos capítulos. O certo é que vamos aturar muito repórter falando em tango.

Comentários

Vicente Fonseca disse…
PVC tem batido muito nessa tecla do absurdo número de convocados de Maradona.

Fantástico trabalho, Prestes.
Saulo disse…
Parece que o Peru vai entregar novamente o jogo para a Argentina.
Ponso disse…
Se o trabalho é do Prestes, sugiro corrigir a assinatura no blog. Independente de quem seja, realmente muito bom.
Vicente Fonseca disse…
Bah, é mesmo. Daremos um jeito.
Vicente Fonseca disse…
Como fui eu que postei, porque botar fotos nesse editor tem MANHAS, saiu minha assinatura lá embaixo. Mas o trabalho é do Prestes, e agora tá assinadinho lá em cima.
natusch disse…
Excelente mesmo essa análise. A quantidade de jogadores chamados por Maradona é mesmo absurda, e escancara o que na moral a gente já sabia desde o início: que colocar o nome dele como treinador não era boa ideia, ainda mais num momento delicado como esse. Nota-se claramente que ele nem treinador é - é um diletante, praticamente um leigo que acha que colocar os jogadores em campo e dizer "faça isso e aquilo" é suficiente. Vindo de quem disse esses dias que espera que "Deus ajude de novo", não surpreende tanto assim.

Não quero ser agourento, e não estou torcendo contra a Argentina, mas... Haja igreja para tantas PLESSES dos hermanos (VdeP sem perdão) =P
Prestes disse…
Valeu, gurizada!

O Maradona foi uma aposta como várias seleções fizeram. O erro foi colocar um marinheiro de primeira viagem em situação de pressão, sem tempo para errar.
Vicente Fonseca disse…
Foi uma aposta baseada no emocional, não visando algo a longo prazo. Um caudilhismo aplicado ao futebol. Discutimos isso ano passado, quando ele chegou:

http://cartanamanga.blogspot.com/2008/10/professor-maradona.html
Vicente Fonseca disse…
E o Bolão? Já tô beirando o G-4. Sou o Goiás do Cuca.
Lourenço disse…
E eu sou o Cruzeiro do Luxemburgo. =)
natusch disse…
E eu sou o Sport do Péricles Chamusca, pelo visto... =P
Paulo Finatto disse…
Imaginem se às vésperas de 2002, quando a seleção braileira enfrentava dificuldades, o Pelé fosse o nosso técnico.

Para mim seria a mesma coisa que com a Argentina de hoje.
Bah, tenho pra mim que jogadores de defesa sempre saem melhores treinadores que os craques. Com algumas exceções isso se confirma na prática. O Dunga sempre foi um cara que teve uma leitura do jogo, o Maradona não. Era jogo jogado isso que seria um dramalhão pra argentina chegar na Copa. Ficar fora acho que não...

E sobre o bolão, eu to parecendo o Joel Santana qdo assumiu o Inter... se tivesse série B eu corria sério risco!!
Lourenço disse…
A prova que todo mundo tem boa autoestima é que até, não importa a posição, ninguém se comparou com o Fluminense do Cuca. Aliás, o único que se comparou com o Cuca foi o Vicente, mas foi para se elogiar.

Surreal.
Vicente Fonseca disse…
Eu me comparava com o Grêmio do Plein no começo. Como não insisti no Arílson e no Yan, me recuperei na tabela.
E quarta-feira teremos o jogo mais importante da América no ano. Talvez do mundo! Argentina e Uruguai, o vencedor estará na Copa, o derrotado ainda pode ir, dependendo dos resultados, mas alguém duvida que haverá sangue ligando Buenos Aires a Mantevideo?
E pena que a Venezuela enfrenta o Brasil na última rodada, pq ainda tem chances de classificação (Argentina vencendo uruguaios e chilenos derrotando equatorianos). Mas para isso teriam de vencer o Brasil, o que convenhamos, nesse momento é impossível...
Não, esqueçam o último comentário. O primeiro critério de desempate no torneio é o saldo de gols, não o número de vitórias. Nesse critério os venezuelanos (-6) nunca irão ultrapassar os uruguaios (+9). Uma lástima.

Hum, talvez o hugo chávez consiga mudar isso, sei lá né...
Portugueses encaminharam sua classificação para a repescagem, depois da vitória sobre a Hungria e da derrota da Suécia para a Dinamarca (q se classificou).
E a copa de 2010 tá se desenhando.