14 anos do Tetra

Numa sexta-feira de poucos assuntos, nada mais natural que mexer no passado. Ontem, o Tetracampeonato do Brasil na Copa dos Estados Unidos, em 1994, fez 14 anos. Mesmo que muitos saudosistas e ofensivistas reneguem este título, o fato é que Romário, Parreira, Dunga e companhia conseguiram o que outras cinco seleções falharam: trazer a maior taça do futebol mundial para o país, após 24 anos de jejum.

Aqui, relembramos a campanha, desde as conturbadas Eliminatórias até os sete jogos que levaram o Brasil ao título contra a Itália.

Eliminatórias: o começo complicado
Eram 9 equipes disputando 3 vagas mais uma de repescagem na América do Sul. Tudo por causa da punição ao Chile, banido de competições da FIFA por quatro anos após o episódio com Roberto Rojas no Maracanã, em 1989. O Brasil foi sorteado no grupo de cinco equipes, com Bolívia, Equador, Uruguai e Venezuela. Dois garantiam vaga à Copa.

A caminhada rumo aos Estados Unidos começou em Guayaquil, no dia 18/07/1993, num empate pobre em 0 a 0 com o Equador. Ali já se via que a seleção não teria facilidades. A má campanha na Copa América (eliminada pela Argentina nas quartas, com apenas uma vitória em 4 partidas) já sugeria problemas. A equipe titular desta estréia tinha oito jogadores que foram aos EUA, sendo que sete deles jogaram a finalíssima.

O segundo jogo foi uma semana depois, com resultado trágico. Na altitude de La Paz, a seleção segurava a Bolívia. Taffarel já defendera um pênalti, mas falhou no final. Com golos do Diablo Etcheverry e Peña, a Bolívia fez 2 a 0. O Brasil tinha 1 ponto, contra 4 da Bolívia, 2 do Uruguai e 1 do Equador. Era o quarto colocado. Havia mais dois jogos fora, e os últimos quatro em território nacional. Os cálculos mais otimistas apontavam 10 pontos (eram dois por vitória). Cinco vitórias em seis partidas, portanto.

A obrigação e o quase grande resultado
A Venezuela era o grande saco de pancadas à época, não incomodava como hoje. A vitória em Táchira era certa, a goleada se tornava obrigatória. A Bolívia fizera lá 7 a 1 duas semanas antes. Com Careca no time, o Brasil fez seus primeiros golos e a primeira vitória, por 5 a 1. O primeiro tempo terminou 1 a 0, golo de Raí, mas Bebeto (2), Branco e Palhinha completaram o placar. Agora, a equipe ia a Montevidéu um pouco mais tranqüila. O Uruguai somava os mesmos 3 pontos que o Brasil. A Bolívia disparava de forma surpreendente, com 6.

No Centenário, o Brasil saiu à frente com Raí, aos 28 do primeiro tempo. O Uruguai veio para cima, e o Brasil sustentava uma vitória que o deixaria confortável, em segundo lugar e com ainda quatro jogos em casa. Mas, no finzinho, Fonseca empatou, de cabeça. Dúvidas surgiam de novo, apesar da boa atuação.

Vaias, aplausos, vaias
Era consenso: o Brasil precisava vencer suas três partidas seguintes em casa (Equador, Bolívia e Venezuela) para chegar no Maracanã, diante do Uruguai, classificado ou muito perto disso. Na virada do turno, a Bolívia tinha 8 pontos, brasileiros, uruguaios e equatorianos tinham 4 e a Venezuela tinha zero.

A primeira parada era o Morumbi. Bebeto abriu o placar em chute de fora da área, com ajuda do morrinho artilheiro. No segundo tempo, sob forte das vaias dos paulistas pela apresentação modesta, Dunga fez o segundo, em remate de primeira. 2 a 0, muitas vaias, vitória sobre adversário direto e segundo lugar do grupo. Mas a desconfiança permanecia.

Em Recife, apoio total e irrestrito contra a surpreendente Bolívia. Eram 45 minutos de jogo e o Brasil aplicou 5 a 0, numa atuação inesquecível, com golos de Raí, Müller, Bebeto, Branco e Ricardo Gomes. Bebeto ainda fez o sexto no segundo tempo. O Uruguai, porém, fez 4 a 0 na Venezuela e seguia 2 pontos atrás, com 1 jogo a menos.

Para o Mineirão, a expectativa de goleada com show, como no Arruda. Porém, a "demora" em surgir o primeiro golo levou o público a vaiar o time com 20 minutos de jogo. Em três minutos, dos 28 aos 31, Ricardo Gomes, Palhinha e Evair fizeram 3 a 0. No segundo tempo, uma diminuição natural do ritmo, pois havia decisão contra o Uruguai dali a duas semanas. Vaias estrondosas, mesmo com o quarto golo de Ricardo Gomes, ao apagar das luzes.

A classificação e... Romário!
Para a última rodada, o Brasil tinha 10 pontos, como Uruguai e Bolívia. O saldo dos bolivianos era maior, o dos uruguaios era menor. O duelo entre campeões mundiais no Maracanã reacendeu o fantasma de 1950 na memória de todos. Desta vez, como naquela, era preciso apenas um empatezinho para que o Brasil alcançasse seu objetivo. E desta vez, ao contrário daquela, havia Romário, a solução de todos os problemas de Carlos Alberto Parreira.

O treinador relutava em chamar o craque do Barcelona, que vivia fase esplendorosa, por seu famoso comportamento marrento. Mas a mediocridade de atuações da seleção era tanta, e o clamor nacional pelo Baixinho era tão imenso que Parreira cedeu. E Siboldi também.

O goleiro uruguaio pegava tudo, em tarde que a Celeste precisava era da vitória. O time cisplatino não teve nenhuma situação de golo o jogo todo. Numa atuação inesquecível de Romário e da seleção, o 2 a 0 veio, com dois de Romário no segundo tempo. O passaporte para os Estados Unidos estava carimbado.

A Rússia era o primeiro inimigo
No dia 19 de dezembro, além da final do Campeonato Brasileiro entre Palmeiras e Vitória, ocorreu o sorteio dos grupos para a Copa do Mundo. Com sede em San Francisco e Detroit, o Brasil pegaria a Rússia, os Camarões e a Suécia, esta uma adversária tradicional, repetindo 1990. O grupo foi considerado bom, pois tinha equipes de nível médio, que poderiam oferecer resistência mas sem complicar a passagem de fase. Com Romário, tudo parecia mais fácil.

A janelinha, o fantasma da virilha e a estréia vitoriosa
No embarque para os States, Romário chiou. Queria viajar na janelinha, e seu lugar estava marcado entre Bebeto e Müller. Resolvido o "problema", vôo tranqüilo. Ficou definido que o Baixinho ficaria com o sério Dunga no quarto. Seria uma forma de discipliná-lo.

O primeiro amistoso foi um assutador empate de 1 a 1 com o Canadá, em Edmonton, a 15 dias da estréia contra a Rússia. No dia 8 de junho, uma goleada de 8 a 2 sobre Honduras apagava a má impressão anterior. No dia 12, a 8 dias do duelo com os russos, durante a vitória de 4 a 0 sobre El Salvador, Romário sente a virilha e põe o país em pânico. Felizmente, nada de mais grava aconteceu. Neste mesmo jogo, Branco acertou uma bolada num cinegrafista, fraturando-lhe ossos do rosto. Neste meio tempo, alguns cortes. Mozer e Ricardo Gomes dão lugar no grupo a Márcio Santos e Aldair.

No dia 20 de junho o Brasil estreava contra os russos, em San Francisco. Um dia antes, Suécia e Camarões empataram em 2 a 2. Numa partida tranqüila, vitória de 2 a 0. Romário abriu o placar com oportunismo aos 26 minutos, aproveitando escanteio batido da esquerda. Aos 8 do segundo tempo, o capitão Raí fazia, de pênalti, o segundo. Ricardo Rocha se lesionou no primeiro tempo e ficou fora da Copa. A zaga brasileira seria composta dali adiante por Márcio Santos e Aldair.

Goleada e classificação
A segunda partida seria contra a grande zebra da Copa anterior. Mas o time de Camarões não era mais o mesmo, apenas envelheceu. Mesmo com dificuldades em criar, o Brasil saiu na frente aos 38, com um golo de Romário em lançamento preciso de Dunga. O time africano se abriu em busca do empate e a goleada surgiu no Stamford Stadium. Márcio Santos fez o segundo, Bebeto completou o placar. Brasil classificado. Horas depois, em Detroit, a Suécia fazia 3 a 1 na Rússia.

O empate que gerou as mudanças
A Suécia já havia provado que era o segundo melhor time do grupo, mas por pouco não foi a campeã da chave. No estádio coberto de Detroit, saiu à frente do Brasil, com Kennet Anderson encobrindo Taffarel. Com Raí bastante apático, Parreira abriu o time, tirando também Mauro Silva e pondo em campo Mazinho e Paulo Sérgio. Deu certo. Romário empatou na largada do segundo tempo, o time esboçou a virada, mas cansou e ficou no 1 a 1. Pelo menos a liderança foi garantida, o que dava ao Brasil o direito de jogar contra um dos terceiros colocados classificados. Muitas críticas ao time, em especial Raí, que perdia ali, além da braçadeira de capitão, o lugar no time titular.

Neste meio tempo, a Alemanha confirmava sua força, a Argentina perdia Maradona e o rumo, a Itália penava mas seguia adiante. E o Brasil seguia firme, sendo o mais cotado nas bolsas de apostas.

Independência e Morte
O adversário no Stamford Stadium era o dono da casa, Estados Unidos. O dia, 4 de julho, data da Independência do país. Orgulho norte-americano borbulhando, e a esperança de que, sim, era possível vencer o Brasil, maior favorito ao título. O jogo começou nervoso, com chances de golos para os dois lados. Quase o bode Alexi Lalas marca. Márcio Santos responde. Leonardo acerta um cotovelaço violentíssimo em Ramos e é expulso. O primeiro tempo termina complicado, em 0 a 0, e com o Brasil com 1 a menos e fora de casa.

Nem Mazinho no time ajeitou o meio-campo, principal problema brasileiro na Copa. Mas Romário seguia imparável. Foi em jogada toda dele que Bebeto, aos 28 do segundo tempo, fez o golo salvador que levava o Brasil às quartas-de-final, contra a perigosa Holanda de Dennis Bergkamp.

O jogaço de Dallas
Brasil e Holanda fizeram, para muitos, o melhor jogo daquela Copa. O primeiro tempo foi equilibrado. Com Branco no time, liberou Mazinho e Zinho de tarefas mais defensivas para encostarem em Bebeto e Romário. O baixinho, aliás, foi o nome do jogo.

Primeiro, fez um golaço de primeira, no ar, em cruzamento da esquerda. Eram 11 minutos do segundo tempo. Depois, foi tão genial quanto sem participar diretamente. Impedido, se fingiu de morto e deixou Bebeto livre na cara do goleiro, para fazer o segundo, aos 16. Mas a Holanda reagiu. Bergkamp descontou aos 18, Winter empatou aos 30. Aí, Branco bateu a falta, contou a genialidade de Romário (outra vez, se desviando da trajetória da bola), fez o golo da vitória e caou seus críticos. 16 anos depois, o Brasil voltava às semifinais.

Quem precisa de altura?
Com Alemanha e Argentina de fora, somente Bulgária, Itália e Suécia seguiam para impedir o tetra. Horas antes do jogo de Los Angeles, Roberto Baggio seguia esmirilhando. Fez os dois golos da classificação italiana à finalíssima diante dos búlgaros (2 a 1), mas se lesionou. Bem como Baresi.

Contra os grandalhões suecos no Rose Bowl, os mesmos que complicaram a vida brasileira na primeira fase, a estratégia era chegar tocando a bola, evitando o chuveirinho. Na altura, os gigantes nórdicos ganhariam todas. O Brasil meteu muita pressão, perdeu diversos golos, Ravelli pegava tudo. A Suécia não fazia nem cócegas. Foi, talvez, a melhor atuação do time na Copa inteira.

E foi justo numa bola levantada que saiu o golo. Jorginho levantou com precisão cirúrgica para Romário, claro, subir mais que os gigantescos defensores suecos e decretar, aos 35 do segundo tempo, que o Brasil seria finalista da Copa do Mundo. 24 anos depois, os canarinhos voltavam a decidir o título, justamente contra a Itália, freguesa de 1970.

120 minutos e 9 pênaltis depois, a consagração
A final foi muito nervosa, como não poderia deixar de ser. Com maior posse de bola, o Brasil controlava as ações, mas sofria o perigo nos contra-golpes. Num deles, Massaro entrou livre, mas Taffarel salvou. Jorginho se machucou logo aos 15 minutos, dando lugar ao confuso Cafu. No segundo tempo, a melhor chance foi num chute de longe de Mauro Silva, que Pagliuca deixou escapar, mas a bola bateu na trave. Quase um frangaço histórico.

Com Baggio em condições precárias, faltou força aos italianos. O jogo ia à prorrogação. Viola entrou bem e fazia um salseiro na defesa italiana. Bebeto e Romário perdiam golos na pequena área. Baggio obrigava Taffarel a defesas difíceis. Baresi seguia ganhando todas lá atrás. Mauro Silva era o limpa-trilhos, melhor jogador da partida. As forças se equivaliam tanto que, pela primeira vez, o Mundial era decidido nos pênaltis.

Na primeira cobrança, Baresi, exausto, jogou longe, por cima. Erro neutralizado pela má cobrança de Márcio Santos, defendida por Pagliuca. A bola nunca demorou tanto a entrar numa final de Copa. Albertini, então, bate alto e faz 1 a 0 Itália. Obrigava Romário a empatar. O baixinho no canto esquerdo, a bola roçou no poste e entrou. Muita agonia, mas 1 a 1. Evani era o próximo, colocou forte mas no meio do golo. Taffarel caiu antes e levou o 2 a 1. A seguir, Branco pôs no canto e re-empatou. E viria Massaro.

Em entrevista recente ao Sportv, este grande atacante do Milan confessou que viu o golo minúsculo e Taffarel gigante naquela hora. Massaro bateu no canto direito, Taffarel esperou a batida e defendeu. Brasil em vantagem. O próximo era o capitão Dunga, que fez 3 a 2 e explodiu de raiva e alegria ao mesmo tempo. Faltavam mais dois pênaltis, Baggio e Bebeto. O tetra nunca esteve tão próximo.

Baggio estava igualmente exaurido. Todos pensavam: "esse faz, mas aí o Bebeto garante a taça". Pois Baggio bateu, mas por cima. Incrivelmente, o então melhor jogador do mundo, que era o maior trunfo italiano, dava o título ao Brasil com este chute de longe. A agonia de 24 anos acabava ali. Dunga levanta a taça. Quem quiser renegá-la, sinto muito. Vale tanto como qualquer das outras quatro conquistas.

Adendo final
Oito anos depois, às vésperas da Copa de 2002, encontrei Roberto Baggio no Aeroporto de Milão. Eu estava com uma camisa do Brasil. Pedi-lhe um autógrafo, me atendeu prontamente e com muita simpatia. Parece não guardar rancor. Sujeito educadíssimo, um dos cinco melhores jogadores que tive a chance de ver jogar em minha vida.

Comentários

Anônimo disse…
A melhor copa que eu vi. Rendeu o melhor filme de todos os tempos. Mas eu esperava mesmo um post sobre a US Cup de 1993, com direito a Brasil 3 x 3 Alemanha. Ou, quem sabe, a Copa América de 1993 e o rodízio de goleiros na primeira fase: Taffarel, Carlos e Zetti.
Felipe disse…
"Oito anos depois, às vésperas da Copa de 2002, encontrei Roberto Baggio no Aeroporto de Milão" Gente fina é outra coisa... =P
Melhor Copa que eu vi também. A melhor cena da competição foram os pulinhos que o Ravelli deu nas semifinais. Baita goleiro aquele, se não fosse pelas suas defesas nos pênaltis, a Suécia nunca passaria pela Romênia nas quartas.

Teria muito a se falar dessa Copa, como na vez que comecei a chorar no intervalo de Brasil x Suécia na primeira fase, achando que o Brasil ia perder. Aí meu pai meu acalmou e disse: "Romário vai fazer um no segundo tempo". Cinco minutos de partida e pá, gol do Romário!

Inesquecível...
Anônimo disse…
Aaaaaaaaah, a Romênia nas quartas... Melhor seletionata romaniei de todos os tempos. Foi de fato um momento triste mas ao mesmo tempo glorioso, como convés aos romenos de todos os costados.

E sim, o título brasileiro foi bacana também, hehehe...
Anônimo disse…
"Como convés", ora porra?... :O

"Como convêm", digo. "Como convêm".
Felipe disse…
D´Alessandro é do Inter! Rumo ao tetra!
Vicente Fonseca disse…
Bah, aquele rodízio de goleiros foi foda mesmo. Pior só o BOIADEIRO desperdiçando a cobrança que tirou o Brasil da Copa América.
BOIADEIRO!
Saudoso, assim como o Zé Elias!