Uma seleção de outro nível

Cena comum: Gabriel Jesus deixando equatorianos na saudade
Até os 25 minutos do segundo tempo, o Brasil empatava em 0 a 0 com o Equador, mas tinha atuação em nível de quem merecia vencer em Quito. Os três gols, portanto, surgiram nos 20 minutos finais de partida, o que sugere que o placar foi de certa forma enganoso, pois em boa parte da tarde o jogo foi duro, empatado. Mas não: a vitória por 3 a 0, apesar de construída no fim, foi justa e reflete bem a superioridade da Seleção, que teve sua melhor jornada desde a goleada contra a Espanha, na final da Copa das Confederações de 2013.

Ainda é cedo para dizer que Tite achou o time, que o Brasil voltou a jogar o que todos sabemos que pode. Mas é inegável a evolução apresentada, mesmo sendo o primeiro jogo com o novo comandante. Enfrentar o Equador em Quito é um dos cenários mais difíceis (senão o mais difícil) das eliminatórias sul-americanas. A equipe do técnico Gustavo Quinteros entrou em campo como líder do torneio, ao lado do Uruguai. Em Quito, não perdia para o Brasil desde 1983. Nas últimas três eliminatórias, incluindo a de 2002, quando foi campeão mundial, a Seleção obteve só um ponto em três jogos lá.

Mas mais do que o resultado ou a atuação de Gabriel Jesus, o que deixa ótima impressão é a atuação coletiva do Brasil. Em momento algum do jogo a equipe de Tite se deixou envolver ou tomar pressão dos equatorianos. Em determinadas fases do primeiro tempo, sofreu um pouco com a bola aérea do time de Quinteros, através de cruzamentos perigosos de Miller Bolaños que buscavam especialmente o zagueiro Mina, destaque do Independiente del Valle na Libertadores. Montero e Enner Valencia, lisos, davam trabalho aos laterais Daniel Alves e Marcelo. Ainda assim, a cobertura foi sempre perfeita, seja dos zagueiros ou dos volantes.

Tite simplificou: escalou jogadores que conhecia e o esquema que tão bem funcionou no Corinthians campeão brasileiro do ano passado: 4-1-4-1 sem a bola e 4-3-3 com ela. Casemiro guarneceu a zaga com firmeza, assessorado pelos apoiadores Paulinho e Renato Augusto. Pelos lados, Willian e Neymar. Ou Gabriel Jesus? Porque o palmeirense e o camisa 10 alternaram de função o tempo todo e confundiram não só nós, analistas, mas também a defesa do time da casa. Quando Neymar descia para buscar jogo e armar ataques rápidos, atuava centralizado e Gabriel abria pela esquerda. Quando o artilheiro do Brasileirão fazia o pivô (gol de centroavante, o segundo), o atacante do Barça jogava aberto. Uma dinâmica possível também graças ao entrosamento que ambos adquiriram nos Jogos Olímpicos.

Com preenchimento do meio, o Brasil impôs sua maior categoria o tempo todo. E ganhou devido a Gabriel Jesus: ansioso no primeiro tempo, o palmeirense deslanchou no segundo. Participou dos três gols, sofrendo o pênalti que abriu a vitória e marcando dois golaços que deixaram o placar elástico. Foi sua estreia pela seleção principal, vale lembrar. Raramente se viu alguém começar tão bem com a camisa da seleção brasileira, e com apenas 19 anos. Estamos diante de um fenômeno, e o futuro provavelmente confirmará isso. Aliás, o presente já vem confirmando. Neymar ontem foi coadjuvante, um espetacular coadjuvante, diga-se. Por mais vaidoso que seja, é provável que estivesse sentindo falta disso. Ser o único homem capaz de resolver as coisas certamente lhe causava um desgaste tremendo, também.

Segurança defensiva, mecânica de jogo funcional, jogadas pelos lados e entrosamento entre as peças de frente. O Brasil mostrou um futebol que há tempos não se via, que há anos todos pedem, e que surpreendeu pela rapidez com que foi apresentado, logo na estreia de Tite. O placar é esplêndido (vencer fora de casa um concorrente que raramente perde como mandante é fantástico), mas a atuação é o que mais traz confiança. Com um a mais nos 15 minutos finais, a equipe ainda por cima exibiu maturidade para explorar o desespero e os espaços oferecidos pelo Equador para golear, ao invés de se retrancar e segurar a vitória magra. A Era Tite não poderia ter começado melhor.

Em tempo:
- Com boa entrada no segundo tempo, Philippe Coutinho se credencia para iniciar como titular diante da Colômbia, em Manaus. Sua contribuição foi bem superior à de Willian, o titular mais apagado da seleção ontem em Quito.

- Quando o time joga bem, ninguém fala em altitude. Os 2,8 mil metros foram tão pouco sentidos que Tite só fez uma das três substituições a que tinha direito.
________________________________________________________
Eliminatórias da Copa do Mundo 2018 - América do Sul - 7ª rodada
1º/setembro/2016
EQUADOR 0 x BRASIL 3
Local: Olimpico Atahualpa, Quito (EQU)
Árbitro: Enrique Cáceres (PAR)
Público: 34.887
Renda: US$ 1.401.100,00
Gols: Neymar (pênalti) 26 e Gabriel Jesus 41 e 46 do 2º
Cartão amarelo: Miller Bolaños, Montero, Domínguez e Paulinho
Expulsão: Paredes 30 do 2º
EQUADOR: Domínguez (4,5), Paredes (4), Mina (4), Achilier (5) e Ayoví (5,5); Noboa (5,5), Gruezo (4,5) (Gaibor, 36 do 2º - sem nota), Enner Valencia (5) e Montero (5,5) (Arroyo, 27 do 2º - 4,5); Miller Bolaños (5,5) e Caicedo (5) (Ibarra, 21 do 2º - 4,5). Técnico: Gustavo Quinteros
BRASIL: Alisson (6), Daniel Alves (6), Marquinhos (6,5), Miranda (6,5) e Marcelo (6,5); Casemiro (7), Paulinho (6) e Renato Augusto (7); Willian (5,5) (Philippe Coutinho, 15 do 2º - 6,5), Gabriel Jesus (9) e Neymar (7,5). Técnico: Tite

Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Comentários